Escrito en
MULHER
el
Falo das manifestações de homens que bateram o pezinho exigindo escuta, palco e plateia para seu quase silêncio diante das vozes queixosas das mulheres na campanha! Os distintos senhores não abrem mão do protagonismo, mesmo calados. Ocorre que as mulheres se cansaram (faz tempo) de carregar nas costas o fardo da responsabilidade de transformação dos homens. Já gritaram lá atrás: meninos, cresçam, tirem o babador! Mas os rapazes continuam chatos e insistentes
Por Cidinha da Silva*
A campanha #MeuAmigoSecreto ainda tem pano para a manga e suscita reavaliações. No primeiro dia, por exemplo, tive acesso a textos irônicos e divertidos. Eu mesma escrevi alguns, contudo, a catarse foi tomando tons sombrios e uma dor imensa escapava de vários relatos, bem como do silêncio de muitas mulheres, atestado de sua impossibilidade de soltar a voz.
Compreendo que homens empenhados em melhorar, até mesmo os meramente esforçados, sintam-se desconfortáveis por causar tantas dores, infortúnio, desvalorização humana, de maneira não tão consciente. Acolho também que não queiram ser acossados pelos pares de espécie, de machismo mais rudimentar. Só não dá para responsabilizar as mulheres por mais essa fatura.
Falo das manifestações de homens que bateram o pezinho exigindo escuta, palco e plateia para seu quase silêncio diante das vozes queixosas das mulheres na campanha! Os distintos senhores não abrem mão do protagonismo, mesmo calados. Ocorre que as mulheres se cansaram (faz tempo) de carregar nas costas o fardo da responsabilidade de transformação dos homens. Já gritaram lá atrás: meninos, cresçam, tirem o babador! Mas os rapazes continuam chatos e insistentes.
Compreendo também que os homens não queiram se identificar com estupradores como o monstro do Amapá que estuprou ao longo de meses as cinco filhas, de idades entre cinco e doze anos e alegou “não ter feito nada, não” porque “era tudo rapidinho.” Mas daí a querer que as mulheres, além de se preocuparem com essas meninas e com as outras meninas do mundo na mesma situação, zelem pela imagem dos homens que não são assim é demais!
Isso lembra o cliente na agência de correios, constrangido porque outro de sua espécie urinava na árvore em frente. A saída encontrada foi se diferenciar reclamando a plenos pulmões sobre a estupidez do bruto. Ora, ora, deixe pelo menos os ouvidos das mulheres em paz, já que os olhos são obrigados a ver aquilo. Se quiser mesmo mudar alguma coisa, vá até lá e fale com o sujeito, procure a polícia e exija providências.
Enfim, faça qualquer coisa que não seja alugar as mulheres com queixumes de homem exposto por um companheiro de espécie não-civilizado. Mas para tomar esse tipo de atitude ele pensa e repensa, porque o sujeito pode ser violento, pode ter uma turma. Ele tem filhos em casa, sabe como é.
Autoimagem é tudo, sabemos. Mas talvez fosse saudável os boys pararem de se achar tão exageradamente especiais. Tão únicos. Humildade não é matéria de selfmarketing. É a outra pessoa quem reconhece atitudes despretensiosas na gente. Dizer “eu sou o cara, vejam como sou diferente dos machos da esquina, dos escrotos de todo dia” é selfmarketing barato, de principiante. Sejam mais profissionais, pelo menos. Depois não reclamem quando forem tratados como meros machos letrados e lustrosos.
(*) Cidinha da Silva é escritora. Publicou, entre outros, Racismo no Brasil e afetos correlatos (Conversê, 2013) e Africanidades e relações raciais: insumos para políticas públicas na área do livro, leitura, literatura e bibliotecas no Brasil (FCP, 2014). Despacha diariamente em sua fanpage