Na enciclopédia colaborativa, a autora de O Segundo Sexo foi acusada de pedofilia e de ter escrito “livro de estupro”
Por Helô D'Angelo
Depois do tema de redação do Enem - a violência contra a mulher -, foi a vez da filósofa Simone de Beauvoir ser atacada na internet. Além de críticas dos deputados federais Marco Feliciano (PSC-SP) e Jair Bolsonaro (PP-RJ) e do blogueiro Rodrigo Constantino sobre a questão que envolvia Beauvoir, o verbete em português da Wikipedia sobre a teórica francesa foi alterado mais de 30 vezes desde sábado (24), quando a questão que a citava foi divulgada nas redes sociais.
Em uma das primeiras edições, um usuário adicionou à descrição principal que “Simone é muito conheçida [sic] por seu comodismo e pela luta na justiça por uma lei que proibia o trabalho das mulheres fora de casa.” Autora, entre outros livros, de O Segundo Sexo, Beauvoir é um dos nomes mais importantes para o feminismo - e, portanto, para a inserção da mulher no mercado de trabalho.
Segundo outras edições, que foram rapidamente corrigidas, a autora teria escrito “romances, monografias sobre filosofia, política, sociedade, ensaios, biografias e uma autobiografia. Só não entendia nada de biologia”. Mais tarde, a mesma frase foi editada para “Escreveu livro de estupro, monografias sobre filosofia, política, sociedade, ensaios, biografias e uma autobiografia”.
No domingo (25), os ataques ao verbete tomaram outras proporções, com edições que acusavam a autora de pedofilia. Uma seção “Polêmica sobre pedofilia” foi adicionada e mantida até o momento de fechamento desta nota. “Para Beauvoir (assim como para Sartre), a idade não importava, contanto que as parceiras fossem mais jovens do que ela e Sartre. A possibilidade de que as outras pudessem se ferir ou ser exploradas não passava nem remotamente pelo radar da eminente feminista, que pensava que 'preparar' garotas para Sartre lhes tirar a virgindade (palavras de Sartre, não minhas) era em si e por si um ato de empoderamento sexual para aquelas meninas”, dizia uma das primeiras edições. Em seu perfil no Facebook, a filósofa e feminista Djamila Ribeiro, estudiosa de Beauvoir, comentou a respeito das adulterações. “Eu estudo a obra dela a sério, não tenho tempo a perder com textos desonestos de blogs anti feminista ou de wikipedia. Do mesmo modo me recuso a debater frases tiradas de contexto ou excertos onde as pessoas fazem afirmações categóricas a partir deles sem nem terem lido a obra dela. Eu estudo a obra de Beauvoir assim como a obra de outras teóricas e inclusive faço críticas a Beauvoir na minha dissertação a partir da perspectiva do feminismo negro. Isso significa que deslegitimo a obra de Beauvoir? Só se eu fosse louca, a obra dela é um marco. Vamos parar com desonestidade e de tratar obras tão sérias como fla flu ideológico ou pra fazer sensacionalismo pseudo crítico (...). Vocês entram num imediatismo absurdo para querer provar quem tem razão, para ganhar likes e desrespeitam todo um trabalho, um sistema filosófico”. Nos verbetes em inglês, em espanhol e francês, não há menção à suposta pedofilia da autora.