A Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgão vinculado à Organização dos Estados Americanos (OEA), vai julgar o Estado brasileiro, nos dias 27 e 28 de junho.
A iniciativa foi motivada pela omissão e não responsabilização dos envolvidos no assassinato do trabalhador rural Antonio Tavares, além de lesões sofridas por 185 integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
A violência foi protagonizada por agentes da Polícia Militar, durante a repressão de uma marcha pela reforma agrária, que ocorreu em 2 de maio de 2000, na Rodovia BR-227, em Campo Largo, Paraná.
A audiência será realizada em San Jose, na Costa Rica, sede da Corte. Nesta segunda-feira (27), a audiência começa às 17h30 e na terça (28), às 11 horas, ambos no horário de Brasília, com transmissão pelo canal da Corte IDH no YouTube.
Mesmo que o caso não tenha ocorrido durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), cabe à atual gestão responder ao julgamento.
O MST considera o episódio como “um dos momentos mais emblemáticos do processo de violência e de criminalização na luta pela terra”.
O assassinato de Antonio Tavares e os ferimentos sofridos pelas outras vítimas permanecem impunes. Diante disso, em fevereiro de 2021, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) encaminhou o caso à jurisdição da Corte. As organizações Terra de Direitos e Justiça Global são as peticionárias da ação.
“A família espera que haja justiça. Com relação à morte, a gente sabe que não tem retorno, mas que haja justiça na reparação à família, à esposa e filhos que ficaram jogados sem ter o companheiro. A indignação é tamanha, ele foi assassinato brutalmente”, destacou o irmão da vítima fatal, que se chama Antonio Tavares Irmão.
Para José Damasceno, da coordenação estadual do MST-PR, a audiência na Corte Interamericana é uma oportunidade de “denunciar para o mundo o descaso do Estado brasileiro no trato com os movimentos sociais e a forma como agride e reprime aqueles que lutam legitimamente por seus direitos neste país. Por isso esperamos que seja feita justiça”.
A integrante da coordenação nacional do MST, Ayala Ferreira, destacou a intensa violência empregada por agentes de segurança pública contra os manifestantes.
“O que ocorreu no Paraná expressa lamentavelmente o que ocorre contra trabalhadoras e trabalhadores que lutam por terra e reforma agrária no país, a violência direcionada do Estado para coibir níveis de organização e de lutas em defesa da democratização da terra, da reforma agrária ou em defesa dos direitos das pessoas, sobretudo, as pertencentes às camadas populares”. destacou Ayala.
O presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e coordenador da Terra de Direitos, Darci Frigo, também estabelece conexões entre a realidade presente no contexto da intensa repressão aos manifestantes e os tempos atuais. “Estamos vivendo o pior momento de possibilidade de garantia de direitos de acesso à terra. Os órgãos responsáveis por regularizar áreas territórios quilombolas, fazer a reforma agrária ou demarcar terras indígenas estão proibidos pelo próprio presidente da República de exercitar comandos constitucionais que determinam a reforma agrária, titulação quilombola. Não há possibilidade concreta de avanço de direitos. Enquanto isso, no Congresso Nacional, há uma agenda de retirada de direitos. Essa combinação explosiva de ausência total de políticas sociais resulta, cada vez mais, em um ataque ao pacto constituinte de 1988”, disse.
“Além da responsabilização e reparação às vítimas, o julgamento do caso na Corte IDH é uma oportunidade para buscarmos medidas para que novos casos de violência contra defensoras e defensores de direitos humanos não se repitam. Nesse sentido, as organizações peticionárias pedem que a Corte determine ao Estado brasileiro mudanças na forma de investigação e processamento destes casos pelo nosso sistema de justiça, visto que a ausência de mecanismos que garantam, por exemplo, a participação das vítimas e familiares nas investigações contribuem para a impunidade da enorme maioria dos casos”, acrescentou Luciana Pivato, coordenadora da Terra de Direitos.
Monumento criado por Niemeyer homenageia Tavares e todas as vítimas do latifúndio
Em 2001, um ano após o assassinato de Antonio Tavares, um monumento, criado pelo arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer, foi inaugurado no local do crime, às margens da BR-277. A obra de 10 metros de altura presta homenagem a Antonio e todas as vítimas do latifúndio.
Em caráter excepcional, a Corte Interamericana determinou que o Estado brasileiro proteja o monumento em memória à luta pela reforma agrária e ao trabalhador rural.
A decisão liminar, do dia 24 de junho de 2021, reconhece o risco iminente de dano ao monumento projetado por Niemeyer. A empresa Postepar, proprietária do terreno onde a obra foi instalada, tem interesse em removê-la. A decisão tem vigor até a decisão do mérito do caso, ou seja, quando a Corte proferir sua decisão sobre o caso.