QUESTÃO AGRÁRIA

Camponeses de RO denunciam terror imposto por milicianos e divulgam manifesto

Aproximadamente 50 famílias do Seringal Belmont, que fica próximo de Porto Velho, dizem ter sido atacadas por homens armados, que incendiaram casas, documentos e até animais de estimação

Imagem ilustrativa.Créditos: Governo do Estado de Rondônia
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A comunidade camponesa Seringal Belmont, que fica próxima ao perímetro urbano de Porto Velho, capital de Rondônia, formada por aproximadamente 50 famílias, denuncia que vem sofrendo nos últimos dias ataques violentos de grupos que atuariam como milícias naquela região.

A área ocupada pelo grupo, segundo dizem os camponeses, seria de terras devolutas, onde um assentamento foi fixado em 2014. No entanto, uma empresa do ramo de construções estaria pleiteando na Justiça a propriedade das terras.

Diante do que classificam como “terror”, os assentados do Seringal Belmont divulgaram um manifesto no qual denunciam o cometimento de barbaridades por parte de homens fortemente armados que estariam queimando casas, agredindo moradores, além de os manter em cárcere privado, e até matando animais domésticos de maneira cruel, segundo eles como forma de intimidação.

Leia o manifesto na íntegra

A face cruel do agronegócio na Amazônia

Por Comunidade Seringal Belmont (Rondônia)

No último dia 18 de setembro cerca de 50 famílias foram aterrorizadas, mantidas em cárcere privado e torturadas por milicianos ligados ao agronegócio, na comunidade Seringal do Belmont, a 3 km da capital Porto Velho (RO).

Os moradores relatam que de modo covarde e sorrateiro, milicianos fortemente armados e encapuçados entraram em suas casas, intimidaram e ameaçaram de morte mulheres, anciões e crianças.

Sob o pretexto de procurar a liderança da ocupação camponesa, os pistoleiros colocaram fogo nas casas e, sob o olhar inocente de crianças, queimaram vivos animais de estimação e seus pertences, inclusive documentos pessoais.

De acordo com o Instituto Nacional da Colonização e Reforma Agrária (INCRA), as terras do Seringal Belmont tratam-se de terras devolutas, razão pela qual pelo menos cinco dezenas de famílias camponesas estão aí assentadas desde 2014.

No entanto, em novembro de 2020, a Justiça do Estado de Rondônia atendeu o pedido de reintegração de posse feito pela empresa Atual Construções e Incorporações, empresa da família Cidin, que descaradamente usou documento falso (o que foi analisado e comprovado pelo processo n.º 7043042-90.2020.8.22.0001) alegando ser proprietária das terras.

Assim, mesmo diante da suspensão dos despejos durante a pandemia, centenas de camponeses foram expulsos de suas terras, retornando a elas somente em setembro de 2022 quando a ordem de reintegração fora suspensa pela Justiça.

Por coincidência ou não, o atentado contra os agricultores de Seringal Belmont ocorreu 10 dias após a suspensão da ordem de reintegração de posse e a retomada do território pelos trabalhadores rurais.

Tal fato, explicita que por trás da barbárie e do terror das milícias urbanas e rurais que atuam em Rondônia estão latifundiários, grileiros de terras, homens potentados do agronegócio com incrustações nas altas esferas do Estado, o que lhes garante impunidade frente aos sucessivos massacres de indígenas, ribeirinhos e camponeses patrocinado nas últimas décadas.

No caso da disputa pelas terras da comunidade Seringal Belmont está a família Cidin, família ligada a vários ramos do agronegócio, tais como a venda e a exportação de madeira ilegal, venda de equipamentos e venda de lotes oriundos de áreas griladas e desmatadas.

Acusada de forte esquema de corrupção em 2008, na cidade de Ariquemes/RO, a família Cidin é o típico exemplo de grileiros de terras que subiram desde as regiões Sul e Sudeste para invadir terras da União no Norte e no Centro-Oeste – exercendo grande influência na política local. Não por acaso, os negócios escusos desta família começaram no Estado de São Paulo, no final da década de 1950 e se alastraram durante a década de 1980 pelo Mato Grosso, Amazonas e Rondônia e foi nesse último Estado que constituiu seu maior raio de influência.

Do despejo ao desalento: a política de morte do Agro-Estado Brasileiro na Amazônia

Desalojados de suas terras mediante uso explícito de violência, violação de direitos humanos e táctica de guerra própria daquelas usadas pelas forças de repressão do Estado, os agricultores da comunidade do Seringal de Belmont foram obrigados a acampar na calçada, depois foram para um terreno do Instituto Federal de Rondônia (IFRO) localizado ao lado do INCRA.

Dali sofreram uma liminar de despejo solicitada pelo próprio INCRA, que também impediu às famílias acessar suas instalações (banheiros). Após o descabido mandato de reintegração posse, o grupo mudou-se para um terreno próximo à instituição, onde permanecem.

Neste local, sob Sol e chuva, crianças, mulheres, homens e idosos não recebem nenhuma assistência do Estado, a não ser ameaças constantes de pessoas atreladas ao grileiro que passam de hora em hora pelo local. Sem água potável nem banheiros, e com alimentação precária e sem itens básicos de higiene, essas pessoas de mãos calejadas, com o rosto cansado do sofrimento imposto pelo latifúndio mantém os traços de humanidade que o Estado brasileiro trata de apagar. E não poderia ser diferente no cenário político de Rondônia e do conjunto da Amazônia.

Alvo de cobiça do capitalismo brasileiro e mundial, a Amazônia se transformou nas últimas décadas, em especial nos últimos anos, em um dos maiores territórios de conflito da América do Sul. A expansão do agronegócio, da mineração e de grandes projetos de infraestrutura, destrói dia após dia a vida de campesinos, quilombolas, ribeirinhos e indígenas. Atividades que dominam territórios inteiros, expulsam populações e submetem a terra e os rios, antes de uso compartilhado, à pura acumulação de capital.

Do garimpo à pastagem, da pastagem à plantação de soja, da plantação de soja à mineração estrangeira, da mineração estrangeira à produção do leite de búfala, o ciclo de expropriações na Amazônia prossegue sob marcha forçada. Os inúmeros tons de verde da floresta derivados dos povos originários e de suas culturas de convívio com a natureza, foram transformadas em pó e cinzas.

Para cada negócio do setor primário-exportador que se ergue são incontáveis os hectares de florestas derrubadas, dizimando junto os povos entrelaçados nelas. Não é por outra razão que 39% do território de Rondônia está desmatado, tampouco é por acaso que esse desmatamento é seguido por reintegrações de posse fraudulentas, por assassinatos de lideranças indígenas, quilombolas e camponesas e pela escalada de uma da tríplice destruição: extração de madeira, pecuária e soja.

Por isso o atentado de milicianos contra os agricultores da comunidade Seringal de Belmont é apenas o prelúdio daquilo que poderá ocorrer com outras ocupações campesinas. Se nossa solidariedade não for efetiva e ligeira, mais famílias campesinas serão desintegradas, perseguidas e eliminadas para que grileiros e latifundiários enriqueçam e tiranizem a população rondoniense mediante a fome, a sede e o desalento dos homens e mulheres da classe trabalhadora.

Notas

*Este texto foi uma produção coletiva das trabalhadoras e trabalhadores da comunidade Seringal Belmont

** Manifesto de apoio às famílias de Seringal Belmont: https://chng.it/rDnLnYmP8H

ou:

https://forms.gle/6TYw6GqPBo5aEXKaA

https://www.instagram.com/p/CjwG1HkMDHl/?igshid=MDJmNzVkMjY=