“Tardia, porém absolutamente acertada, flagrantemente justa e urgentemente necessária”. O secretário-geral da Associação de Profissionais por Aplicativos (APP), Livio de Andrade Luna da Silva, conhecido como Uber de Esquerda, definiu desta forma a medida adotada pelo Ministério Público do Trabalho de São Paulo (MPT-SP).
O órgão ajuizou quatro ações civis públicas contra empresas de aplicativo de transporte, acusadas de fraude trabalhista: Uber, 99, Rappi e Lalamove.
O MPT requer que as empresas registrem, imediatamente, seus motoristas na carteira de trabalho. Em caso de não cumprimento, a ação reivindica que haja multa de R$ 10 mil por trabalhador em situação irregular.
“A categoria há tempos tenta dialogar com as empresas, todas as tentativas de diálogo partem de nós, apresentamos soluções e propomos saídas para os problemas acumulados ao longo dos anos. Há muita demanda represada, mas o debate é sempre interditado pelos apps, que nem chegam a nos ouvir, simplesmente se recusam a buscar uma resolução negociada e de bom senso”, afirma Livio.
“Logo, a orientação do Ministério Público vem ao encontro de tudo aquilo que temos buscado em nossas lutas, que já se tornaram históricas. E o que buscamos? Nosso reconhecimento como sujeitos de direitos, não meras peças descartáveis numa engrenagem que se alimenta de moer gente, triturar vidas”, destaca o Uber de Esquerda.
Os procuradores Eliane Lucina, Tatiana Simonetti, Rodrigo de Castilho e Renan Kalil, em articulação com a Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho (Conafret), solicitam, também, que as empresas paguem indenização por dano moral coletivo, equivalente a 1% do faturamento bruto de cada empresa, segundo o Brasil de Fato.
Realidade atual é dura para trabalhadores de aplicativos
“A realidade hoje desses profissionais é de cargas horárias de trabalho extenuantes, custos operacionais altíssimos, ganhos irrisórios, cansaço, depressão, doenças laborais e por aí vai. Isso sem contar a Covid que, sob o olhar complacente dos apps, ceifou vidas e mutilou famílias”, revela Livio.
“São anos sem reajustes, de imposição de termos de serviço com cláusulas abusivas, desumanizantes, anos de uma relação que beira à servidão, em que só os aplicativos ganham enquanto, sem dó, dilapidam vidas, patrimônios, famílias”, prossegue o dirigente da associação.
O Uber de Esquerda exemplifica o panorama. “Tem camarada devolvendo o carro porque ou paga prestação (ou aluguel) ou come. Para muita gente deixar os apps é mais vantajoso que insistir em rodar, a conta nunca fecha, pagamos para trabalhar. Em resumo, estamos adoecendo, vendo a vida passar atrás de um volante para levar comida para casa, isso quando dá para comprar comida. O preço dos combustíveis tem corroído o pouco que sobra”.
A associação, segundo Livio, nasceu sob a perspectiva classista e com a missão de organizar a classe trabalhadora do século XXI, “uma classe escancaradamente invisibilizada pelas telas dos celulares ‘inteligentes’”.
O dirigente alerta para a necessidade de união. “A APP busca dialogar com camaradas das mais variadas plataformas de serviços, não somente motoristas, pois entende que a luta tem que ser unificada e dialoga, também, com associações coirmãs, com sindicatos país afora e com a federação, buscando incluir e organizar, sobretudo, quem ainda não está se organizando. Fazendo pressão junto a legislativos, executivos, judiciário, MP e afins, pois entendemos que a luta precisa também passar pela institucionalidade”, diz.
Resultados práticos da luta contra precarização
Livio destaca alguns resultados práticos dessas ações, como o Projeto de Lei 713/2021, do vereador Lindbergh Farias (PT), que tramita na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, e que institui o ganho mínimo por corrida.
“Certeza de que é só o primeiro de muitos que virão, pois temos uma proposta de regulamentação completa e que foi construída desse diálogo intenso e constante com o todo da categoria precarizada”, espera.
Livio faz um apelo: “Todo mundo deve se engajar nessa luta que, hoje, pode parecer só nossa, mas que no futuro não muito distante perceberemos ser de toda classe trabalhadora. Não podemos nos deixar enganar, empresas como Uber, 99 e iFood são financiadas pelo grande capital para pensar e inovar nas estratégias de superexploração da mão de obra, desregulamentação do trabalho e coisificação de vidas humanas”, completa.