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Caso se tornou emblemático pela participação do capitão do Exército que agiu como agente infiltrado. “A nossa vida parou. A vida desses meninos parou", disse Rosana Cunha Risaffi, mãe de um dos jovens
Por Luciano Velleda, na RBA
A primeira audiência dos 18 jovens detidos em São Paulo, em setembro de 2016, durante os protestos contra o governo de Michel Temer (PMDB), alterou a rotina do Fórum Criminal da Barra Funda nesta sexta-feira (22). Marcada para iniciar às 14h30, uma hora antes do horário estipulado pessoas interessadas em acompanhar a audiência eram logo colocadas de lado e orientadas a aguardar.
“Passamos do primeiro portão. No segundo, de identificação, foram pegando o RG das mães e separando os meninos, e disseram que a gente não podia entrar, porque 'não tem necessidade'. Estamos mais uma vez sendo torturadas", contestou Rosana Cunha Risaffi, mãe do Gabriel, de 19 anos.
O procedimento adotado pelos policiais militares com as mães dos 18 jovens foi, contudo, bem diferente daquele dispensado a pessoas que diziam ir a outra audiência que não fosse a da 3° Vara. Para esses, bastava apresentar a identidade, abrir um bolsa ou mochila e a entrada estava autorizada.
Foi assim que pais, parentes e amigos dos 18 jovens acusados de formação de quadrilha começaram a ser barrados na entrada do tribunal. Nas horas seguintes, a incerteza, a angústia e a falta de informação do que ocorria na audiência marcaria a tarde de diversas mães, cujos filhos se tornaram réus num processo repleto de denúncias de abusos.
Um ato com cerca de 200 pessoas se formou no lado de fora do Fórum, unindo familiares dos réus, estudantes, advogados e ativistas em direitos humanos. Camisas brancas com a frase “Armaram para os 18” davam o recado do sentimento dos presentes, enquanto do lado de dentro, cerca de 30 policiais militares e nove viaturas eram a imagem do dia atípico no Fórum.
Por volta das 17h, a notícia de que a audiência havia terminado agitou mães, familiares e amigos. Foi quando Gabriel Cunha Risaffi, de 19 anos, um dos réus no processo, surgiu para dizer o que havia acontecido. Apenas três policiais militares que participaram da prisão dos jovens prestaram depoimento. Para Gabriel Cunha, a contradição dos policiais foi a marca das oitivas. “São descrições que não batem. Eles contaram que alguém, sempre com uma discrição diferente, fez a denúncia. Falaram que ora havia uma viatura, ora estavam várias juntas.”
Percepção semelhante teve o réu Érico Santana Perrela, de 25 anos, para quem o discurso dos PMs, nos pontos importantes, se desencontrou quase completamente. Como exemplo, citou divergências sobre a origem da denúncia anônima que acusou os jovens; enquanto um policial disse que era uma pessoa branca, outro disse que era negro, e um terceiro não declarou nem sequer que lembrava. Os policiais ainda divergiram sobre quem estava no comando da operação.
“Ficou um negócio meio embolado. Na minha visão, o processo é uma farsa, é um absurdo o que está acontecendo”, afirmou Érico Perrela.
Arrolado como testemunha de defesa, o vereador Eduardo Suplicy (PT-SP) disse crer que as contradições dos policiais “enfraqueceram a acusação”. Já o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) defendeu a criação de uma campanha nacional para denunciar as inconsistências do processo criminal contra os 18 jovens. “É fundamental mostrar que esses jovens estão sendo vítimas do Estado brasileiro.”
A audiência será retomada no dia 10 de novembro, quando então serão ouvidos mais dois policiais envolvidos na ação e as testemunhas de defesa.
Consequências
Rosana Cunha Risaffi é direta ao afirmar que o estado emocional e psicológico do seu filho Gabriel está "detonado". Ela revela que o rapaz entrou em depressão – "como muitos desse grupo de 18" –, começou tratamento com psicólogo e está tomando medicação. “A nossa vida parou. A vida desses meninos parou, muitos perderam emprego e não conseguem se recolocar", conta Rosana. Segundo ela, três dos jovens já tentaram suicídio e alguns dizem preferir morrer se forem condenados.
Rosana e Gabriel Cunha chegaram a imaginar que o caso havia sido encerrado, até que em dezembro de 2016 veio a denúncia da promotoria. Quando no último mês de agosto a juíza aceitou a denúncia e o rapaz se tornou réu, o baque foi grande.
"Desde o dia que anunciaram que teria essa audiência, ele se trancou no quarto. Está há mais de um mês trancado no quarto", diz a mãe. Para ela, não há dúvida de que o caso é “baseado em mentiras, sem provas, e com provas plantadas".
“Sei que ele não fez nada, acredito no meu filho e em cada um desses 18 meninos que estão sendo acusados injustamente", afirmou Rosana, destacando o apoio que tem recebido de alguns amigos e movimentos sociais. "Muitas das pessoas que vêm, nem conhecem a gente.”
Entre agradecida e revoltada, a mãe de Gabriel não esqueceu do capitão do Exército William Pina Botelho, que atuou como agente infiltrado e forneceu à polícia as informações que levaram à prisão dos jovens. Conhecido como Balta Nunes, ele não foi nem sequer arrolado no processo e ainda ganhou uma promoção na carreira militar, nomeado a major.
"Como pode isso se tem muitas fotos dele junto com os meninos detidos?", é uma das perguntas que Rosana e outras mães dos jovens passaram a tarde se fazendo sobre as irregularidades do processo em curso.
Para o deputado federal Ivan Valente (Psol-SP) é nítido que os jovens foram vítimas de uma "emboscada" armada entre o Exército, a Polícia Civil e Militar do estado de São Paulo, com o objetivo de sabotar as manifestações contra o governo Temer.
"Não podemos admitir a criminalização dos movimentos sociais, a intimidação, ainda mais de pessoas que foram emboscadas e nem chegaram na manifestação", denunciou o deputado. "Não é à toa", alertou.