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Debate em Brasília reuniu parlamentares, estudiosos, familiares de pacientes e ativistas que lutam pela regulamentação
Por Agência Senado
A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) promoveu nesta segunda-feira (25) mais um debate sobre a regulamentação do uso recreativo, medicinal ou industrial da maconha – desta vez sob a ótica da ciência e da saúde pública. Apesar de evidenciar a falta de consenso sobre a liberação da droga para uso recreativo, avançou uma percepção de que é urgente a liberação da maconha para fins medicinais.
O senador Cristovam Buarque (PDT-DF), relator da sugestão popular para a regulamentação (SUG 8/2014), informou que deve separar a discussão em duas frentes: o uso recreativo e o medicinal. Depois da audiência, ele disse que vai apresentar relatório sobre o uso medicinal "nas próximas semanas".
– Nesse aspecto eu vou ter pressa, mesmo que o resto demore – disse Cristovam.
A liberação do uso medicinal foi defendida por pais de filhos com recomendação médica para fazerem uso de medicamentos derivados da droga, pelos especialistas convidados e até por quem é contra liberar a maconha com finalidades recreativas. O debate durou mais de quatro horas e abriu espaço para a manifestação de cerca de 30 pessoas.
Segundo o parlamentar, separar as duas questões não implica criar uma barreira para o debate do uso recreativo.
– A proposta [popular] veio para os dois. Apenas, por uma questão de urgência, nós vamos trabalhar primeiro, se o regulamento permitir, o caso medicinal – explicou.
Estudos científicos
O pesquisador e neurobiólogo Renato Malcher Lopes, da Universidade de Brasília (UnB), apresentou uma série de estudos que, conforme sua avaliação, comprovam os efeitos medicinais de elementos presentes na planta e os benefícios no tratamento de sintomas de diversas doenças e síndromes, como câncer, esclerose tuberosa, Síndrome de Rett e autismo.
De acordo com Renato Malcher, o tetraidrocanabinol (THC, principal psicoativo da maconha) é antiinflamatório, analgésico, estimulador, sedativo, além de ajudar na redução da pressão intraocular. O pesquisador acrescentou que a maconha também é rica em canabidiol (ou CBD), substância que ajuda a combater convulsões e epilepsia.
Renato Malcher reconheceu que o uso abusivo da maconha traz problemas como a redução passageira da memória de curto prazo, durante o efeito da droga, que pode durar até seis horas. Ainda segundo ele, o uso da substância é contraindicado para psicóticos, jovens em crescimento e gestantes. De acordo com Lopes, os índices de dependência em maconha são inferiores aos de outras drogas.
Para o neurocientista, o Estado não deveria proibir a venda e o consumo de uma planta que traz alívio para o sofrimento das pessoas. Segundo ele, existe um moralismo equivocado que acaba punindo famílias que poderiam ser beneficiadas pelo uso da substância.
– Os problemas que o abuso da Cannabis podem causar são problemas administráveis e muito menos graves do que o abuso de algumas drogas inclusive que vendem na farmácia – disse.
'Só monstros seriam contrários'
Para o ex-deputado federal Luiz Bassuma (PV-BA), a exposição de Renato Malcher foi de um ativista e não de um pesquisador. Bassuma chegou a ser censurado por Cristovam por afirmar que Malcher tinha feito "apologia" da maconha. O senador disse que o ex-deputado poderia ter "até 50 minutos" para defender suas opiniões, mas deveria respeitar o professor, que havia sido convidado para dar o seu parecer como cientista e estudioso do tema. Apesar disso, Bassuma concordou com o uso terapêutico do canabidiol.
– Só alguns monstros seriam contrários ao canabidiol, somos contra o THC, que leva à dependência. Ele [Malcher] falou em segundos que a maconha leva à dependência 9% das pessoas que usam. E disse como um ativista, de forma secundária, que jovens não devem usar porque causa danos – criticou.
O policial federal Nazareno Feitosa também admitiu o uso terapêutico da maconha, mas pediu cuidado na regulamentação. Segundo ele, nos Estados Unidos, pessoas que não têm nenhum tipo doença compram maconha para “dor nas costas”.
Já o senador Fleury (DEM-GO) disse que a liberação da maconha vai destruir o país.
– Se querem legalizar uma droga, devem procurar outros meios, não essa forjada tentativa de convencimento de tratamento e saúde – afirmou.
Tratamento
Mães e pais paraibanos que ganharam por decisão liminar da Justiça o direito de importar o canadibiol, composto químico proibido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), participaram da audiência pública realizada na manhã desta segunda-feira. Eles deram o seu depoimento sobre como a substância tem ajudado no tratamento de patologias neurológicas que têm como característica comum um quadro de epilepsia.
A liminar para o tratamento de 12 crianças, 2 adolescentes e 2 adultos foi concedida pelo juiz João Bosco Medeiros, da 1ª Vara da Justiça Federal de João Pessoa. Segundo esses pais e mães que participam da audiência, desde o início do uso do canadibiol já é visível a melhora da situação de saúde dos seus filhos.
– O Estado está sendo omisso. Temos não apenas o desejo, mas a urgência dessa regulamentação. Que se estenda a discussão sobre o uso recreativo, mas que esse uso medicinal seja o mais rapidamente possível regulamentado – disse Sheila Geriz.
Durante a audiência pública, mães relataram o progresso na saúde dos seus filhos após o uso de medicamentos derivados da maconha.
Abordagem
Uma mudança de abordagem sobre a questão das drogas e da dependência química foi levantada por Vladimir de Andrade Stempliuk, membro da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia, e pela assessora do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC) Nara Santos. Segundo eles, o Brasil precisa focar a prevenção, não a proibição.
– Há percepção de que a atual política sobre drogas não tem produzido os resultados esperados e tem agravado a situação da violência e superlotação dos sistemas prisionais, principalmente nos países pobres e em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, e contribuído para a perpetuação de preconceitos e o aumento da exclusão social das parcelas mais vulneráveis das populações – avaliou Stempliuk.
Sugestão
Pela sugestão (SUG 8/2014) em análise na CDH, deverá ser considerado legal “o cultivo caseiro, o registro de clubes de cultivadores, o licenciamento de estabelecimentos de cultivo e de venda de maconha no atacado e no varejo e a regularização do uso medicinal”. Durante o debate, a comissão recebeu centenas de manifestações favoráveis e contrárias de internautas.
Foto de capa: Edilson Rodrigues/Agência Senado