O colunista da Fórum Dennis de Oliveira escreveu um artigo onde critica a proposta de cotas do governo do Estado de São Paulo, intitulado "A demagogia da proposta de inclusão nas universidades estaduais paulitas". O texto está na edição impressa da revista de fevereiro (nas bancas e aqui).
Em resposta, o portal Afropress publicou um editorial afirmando que Dennis tenta "interditar o debate" sobre a proposta paulista e pede que a Fórum o republique. Leia a resposta de Dennis de Oliveira aqui.
Presando pela pluralidade informativa, Fórum republica abaixo o editorial da Afropress.
As cotas em SP, o inferno e as boas intenções
O debate em torno da proposta de adoção de cotas para negros e indígenas nas Universidades estaduais paulistas (USP, Unesp e Unicamp), feita pelo Conselho de Reitores (Cruesp), sob orientação do governador Geraldo Alckmin, está sendo interditado por grupos de diferentes origens político-ideológicas que se opõem a Alckmin, na sua maioria, candidatos derrotados nas últimas eleições municipais em S. Paulo e cidades da região metropolitana.
Paradoxalmente, os “contra” se auto-denominam Frente Pró-Cotas Raciais do Estado de S. Paulo.
O mesmo grupo, que procura suporte às suas posições em textos acadêmicos, adotou como estratégia evadir-se. Por mais de uma vez, esta Afropress pediu a um dos seus líderes que expusesse as razões pelas quais é contra o Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior Paulista (Pimesp), designação adotada pelos reitores.
Recebeu como resposta teses de três membros da Academia - Marcus Orione, Dennis de Oliveira e Silvio Almeida.
Os títulos – “A demagogia da proposta de inclusão nas Universidades estaduais paulistas”, “A Inconstitucionalidade da proposta” e “Um Projeto elitista e excludente” – já dispensariam a leitura, porque escancaram o propósito: doutrinar, ao invés de esclarecer. Desqualificam, liminarmente, a proposta para os que não a conhecem, ou seja: os milhões de pretos, pardos e indígenas, estudantes de escolas públicas, que até agora foram mantidos do lado de fora dos muros de Universidades, ditas públicas, mas que, na verdade, só tem sido públicas para alguns poucos, inclusive os autores.
Com boa vontade, espremendo muito, as teses dos doutores Orione, Almeida e Oliveira – distribuídas em várias páginas -, poderiam ser resumidas em apenas uma e levariam a uma única conclusão: o Programa de adoção das cotas em S. Paulo está sendo combatido, menos pelo que é e mais pela autoria da iniciativa.
O grupo, avesso ao debate, assumiu como questão de honra interditá-lo, mantendo afastados de qualquer reflexão os maiores interessados. A prova disso é que antes mesmo de serem conhecidas as propostas do Programa, os tais ideólogos já lançavam, em novembro passado, manifesto contrário, na linha do “não conheço, mas sou contra”, “não li, mas não gostei”; “se vem do Governo, não presta”.
Ora, desde quando fazer oposição a Governos – quaisquer Governos – dispensa lucidez, inteligência, abertura para o diálogo e o debate franco em torno de propostas de políticas públicas?
É claro que faltando um ano para as eleições de 2014, o debate sobre o Programa carregará, naturalmente, um componente eleitoral, uma vez que até os menos informados sabem que a disputa pelo Palácio dos Bandeirantes – que oporá PT e PSDB – está em jogo e é pano de fundo de qualquer iniciativa de política pública neste e no ano que vem.
O problema, porém, é que interditá-lo é impedir que se explicitem quais as vantagens e desvantagens – se as há - do Programa. E o pior: mata-se na raiz qualquer iniciativa nesse sentido.
Na semana passada, a tentativa de abrir a discussão sobre a proposta com o responsável, reitor Carlos Vogt, conduzida pelo Frei David Raimundo dos Santos (foto), diretor executivo da Rede Educafro – o maior cursinho de pré-vestibulares para negros no país -, resultou em completo fracasso porque uma "plenária" foi convocada para o mesmo dia, no mesmo horário na Câmara Municipal pelos “contra”.
Detalhe revelador: os “prós” e “contras” são todos negros, o que dá uma ideia do grau de confusão política e a quem aproveita esse tipo de diálogo de surdos.
No auditório da Fatec do Metrô Tiradentes, Frei David, que já acusou os “contra” de tentarem manipular a boa fé de pessoas e entidades foi, por sua vez, acusado de ter se transformado em “militante tucano”. Um dos ativistas chegou a dizer ter o frei “aderido ao 45”, numa referência ao número do PSDB para efeito de registro eleitoral. Um outro líder dos “contra” passou a assinar comunicados e a distribuir insultos à esmo nas redes sociais chamando de “aliados de Alckmin” os que propõe o debate.
Frei David não precisa de defensores, nem temos procuração para fazê-lo, porém, a afirmação, transformada em xingamento, e os insultos, são reveladores do grau de sectarismo e irracionalidade.
O que é o PIMESP
O Programa se propõe a garantir 50% das vagas nas instituições a estudantes oriundos da escola pública e, dentro desse percentual, reservar 35% para pretos, pardos e indígenas, precisamente o percentual de afro-brasileiros em S. Paulo, segundo o Censo do IBGE 2010, num sistema de metas a ser cumprido em três anos.
Prevê ainda a criação do Instituto Comunitário de Ensino Superior (ICES), inspirado no modelo “college” norte-americano, com estrutura de curso superior, que reservará a negros e indígenas mil vagas (50%), das duas mil vagas que serão criadas. Como se sabe, a presença negra nas Universidades Estaduais paulistas hoje é insignificante.
Pelo ICES - que tem status de curso superior -, os concluintes do primeiro ano, com aproveitamento mínimo de 70%, terão ingresso direto nas FATECS. Os que tiverem 70% de aproveitamento no 2º ano terão ingresso garantido em qualquer uma das três universidades estaduais.
Em cada Universidade será criado um Plano Institucional de Recrutamento de Estudantes: no primeiro ano, dos 2.158 estudantes recrutados, 1.299 serão pretos, pardos e indígenas; no segundo ano, dos 3.272 estudantes, 1.870 devem pretos pardos e indígenas; e no terceiro ano e subsequentes dos 4.520 estudantes, 2.543 serão pretos, pardos e indígenas.
Também será criado um Fundo Especial para apoio a estudantes pobres e negros, o que garantirá aos alunos oriundos de famílias com renda de até 1,5 SM uma ajuda de custo de R$ 311,00 – meio salário mínimo. Os investimentos públicos do Programa começam com R$ 27.017 milhões, no primeiro ano, e chegarão a R$ 94,679 milhões no terceiro ano.
Quaisquer que tenham sido as intenções de Alckmin ao propô-lo (é óbvia a intenção do governador de não ficar atrás de iniciativas similares do Governo federal petista), não se pode ignorá-las. Fazê-lo, beira às raias da estupidez. Há um dado objetivo que os ideólogos dos “contra” fingem não ver: há uma proposta sobre a mesa que precisa ser discutida, melhorada, aperfeiçoada ou até rejeitada. Mas, não sem antes ser discutida pelos verdadeiros interessados.
A maioria dos negros de S. Paulo e do Brasil não está interessada na disputa político-eleitoral que opõe PT e PSDB, nem na briga por espaço dos seus sócios ou oponentes menores no condomínio partidário, muito menos na verborragia juvenil e inconsequente dos que, de forma autoritária, querem silenciar - aos gritos, palavras de ordens vazias e clichês inspirados em um fundamentalismo messiânico déjà vu -, o saudável e necessário debate democrático.
Até porque, como bem ensina o ditado popular, as intenções dos protagonistas desse verdadeiro “motim fundamentalista” contra o debate de uma proposta que terá um enorme impacto sobre milhares de estudantes pobres e negros, não bastam.
Também é a sabedoria popular que ensina: o inferno (para quem acredita na existência) está cheio de bem-intencionados, como todos sabemos.