Em entrevista, pesquisador mexicano Peter Rosset fala sobre a atuação política do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN)
Por José Francisco Neto, do Brasil de Fato
No “dia em que o mundo ia acabar”, 12 mil mulheres, homens, jovens, idosos e crianças marcharam em silêncio pelas ruas e praças do México. “O dia 21 de dezembro de 2012 marca o fim de um ciclo longo do calendário maia e o início de um novo ciclo, com a profecia de que trará importantes mudanças para a humanidade”, esclarece Peter Rosset, pesquisador do Centro de Estudios para el Cambio en el Campo Mexicano (CECCAM) e integrante da Via Campesina do México.
Rosset acompanhou a marcha dos zapatistas e destaca a importância da participação da juventude no movimento. “É uma juventude forte, presente, que já não olha para baixo, que cada vez mais ocupa cargos de direção. A juventude foi muito forte e também muito presente no dia da marcha”, disse.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Rosset fala sobre a atuação política do EZLN, as principais conquistas do movimento e a relação entre a cultura maia e os zapatistas.
Brasil de Fato: Desde que foi fundado, quais as conquistas mais importantes do EZLN?
Peter Rosset - O EZLN foi fundado uns dez anos antes do levante de 1994, como um braço armado das Forças de Libertação Nacional (FLN). Sua explosão no cenário nacional e internacional em 1º de janeiro de 1994 restaurou a esperança da esquerda mundial desmoralizada pela queda do muro de Berlim e o aparente fim da era das guerrilhas latino-americanas. Inverteu a política mexicana, abrindo o espaço da disputa política mais além do PRI.
Mas talvez suas conquistas mais importantes residam na construção e na consolidação da autonomia em seus territórios sob o autogoverno, sobre os eixos da educação autônoma, da saúde autônoma, da administração autônoma da justiça e da organização autônoma da produção através de sociedades e cooperativas de produção e agroecologia, as cooperativas de transporte de pessoas e bens, os Municípios Autônomos Rebeldes Zapatistas e as Juntas de Bom Governo, que se baseiam na direção coletiva e rotativa. A autonomia zapatista é um exemplo para toda a humanidade.
Desde maio do ano passado, os zapatistas não iam às ruas das cidades de Chiapas. A "volta" (já que muitos diziam que o EZLN não existia mais) dos zapatistas tem a ver com a data do dia 21?
O dia 21 de dezembro de 2012 marca o fim do ciclo longo do calendário maia e o início de um novo ciclo, com a profecia de que trará importantes mudanças para a humanidade. Os zapatistas escolheram esse dia para fazer tomadas simbólicas – em silêncio total – das cidades chiapanecas de San Cristóbal de las Casas, Ocosingo, Palenque, las Margaritas e Altamirano. A mensagem é: “os povos maias e os zapatistas ainda existem e aqui estão, e com força”.
Qual a relação entre a cultura maia e os zapatistas?
As bases do EZLN são, em sua grande maioria, povos maias. E o pensamento zapatista é uma mistura entre a visão de mundo dos maias, o pensamento marxista e o pensamento revolucionário latino-americano.
Como o senhor vê a participação dos jovens no movimento?
Uma das grandes conquistas do zapatismo tem sido a formação de uma juventude rebelde nascida depois do levante de 1994, uma juventude produto das escolas autônomas zapatistas. É uma juventude forte, presente, que já não olha para baixo, que cada vez mais ocupa cargos de direção. A juventude foi muito forte e também muito presente no dia da marcha.
Houve inúmeras fraudes na eleição de Peña Nieto, que não foi reconhecido pelo povo mexicano. Por outro lado, o candidato de "esquerda", Andrés Manuel López Obrador, que chegou a tentar uma reconciliação com o EZLN, não foi apoiado pelos zapatistas. Qual opinião os zapatistas têm em relação ao Obrador? Ele ainda seria uma opção ou o EZLN defende a bandeira da "Outra Campanha"?
Para entender que opinião os zapatistas têm do PRD e de López Obrador, primeiro é necessário enxergá-los desde uma perspectiva chiapaneca. O governador atual foi eleito a partir de dois partidos, o velho PRI e o Verde Ecológico, que não tem nada de verde nem de ecológico. O governador anterior era militante do PRI, mas quando não lhe deram a candidatura desse partido pulou ao PRD, a suposta esquerda institucional e trouxe consigo 60% do PRI do estado. Ou seja, quem governava era o PRD, mas eram PRlistas. E o governador anterior a esse ganhou com uma coalizão entre o PRD (esquerda) e o PAN (direita troglodita). E todos teriam administrado a guerra de contrainsurgência e os paramilitares contra as comunidades zapatistas. Um dos autores intelectuais do massacre de Acteal é o assessor de López Obrador e outro está no novo governo nacional de Peña Nieto. Assim, há de ficar bem claro porque os zapatistas dizem que todos os partidos e todos os políticos são iguais.
O movimento conta com o apoio da população mexicana?
O movimento zapatista conta com muita simpatia entre a população mexicana, mas nos últimos anos de “silêncio zapatista”, dedicados à consolidação da retaguarda das comunidades autônomas e sua consequente ausência dos meios de comunicação, tem-se generalizado uma ideia errada de que os zapatistas já não existem. Algo que foi rebatido no dia da marcha com o impactante “aqui estamos”.