O jornal Folha de S. Paulo acusou o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de praticar "censura" ao impedir a realização de uma entrevista com Filipe Martins, ex-assessor para assuntos internacionais de Jair Bolsonaro. Martins foi preso por seis meses, acusado de participação na tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022.
Em matéria publicada na coluna "Painel" na noite desta terça-feira (27), o periódico paulistano traz o título: "Moraes censura entrevista da Folha com ex-assessor de Bolsonaro". No entanto, juristas consultados pela Fórum afirmam que a decisão do ministro não configura censura.
Filipe Martins, conhecido pelo gesto supremacista feito no Senado em 2021 e por atuar como diplomata informal de Bolsonaro, foi preso em fevereiro deste ano durante a operação "Veritatis" da Polícia Federal (PF). A operação foi motivada pela delação do tenente-coronel Mauro Cid, que revelou que Bolsonaro teria recebido de Martins a minuta de um decreto golpista para convocação de novas eleições logo após o resultado do pleito de 2022, vencido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A Folha solicitou a entrevista com Martins em junho, quando ele ainda estava preso. A resposta de Moraes, proibindo a entrevista, veio em 22 de agosto, pouco após a libertação do ex-assessor.
Martins foi solto sob a condição de cumprir diversas medidas cautelares, entre elas a proibição de se comunicar com outros investigados, como Jair Bolsonaro e ex-ministros do governo anterior, como Walter Braga Netto e Augusto Heleno. Moraes justificou a proibição da entrevista argumentando que ela poderia servir como meio de comunicação entre Martins e outros envolvidos, comprometendo as investigações em andamento.
"No atual momento das investigações em virtude da proibição de comunicação com os demais investigados, a realização da entrevista jornalística com o investigado não é conveniente para a investigação criminal, a qual continua em andamento", afirmou Moraes em sua decisão.
Além disso, outras medidas cautelares impostas a Martins incluem a proibição de deixar o país, a obrigatoriedade de se apresentar semanalmente à Justiça de Ponta Grossa (PR) e o uso de tornozeleira eletrônica.
É censura?
À Fórum, o advogado Lenio Streck, pós-doutor em Direito, professor de Direito Constitucional e tido como um dos maiores juristas do país, explicou que a decisão de Alexandre de Moraes de impedir Filipe Martins de conceder entrevistas não configura censura.
"Não há dificuldades para entender o caso. Há medidas restritivas contra o indiciado Filipe Martins. E uma delas não permite comunicação com demais coparticipes [da tentativa de golpe de Estado]. Portanto, o STF não está censurando", afirma Streck.
"Veja: se uma das medidas é entregar o passaporte e o indiciado não pode, por isso, viajar, caberia a manchete 'STF cerceia liberdade de ir e vir de fulano'? Claro que não. Não há diferença entre medidas restritivas de comunicação com medidas restritivas de locomoção", prossegue o jurista.
O advogado Fernando Augusto Fernandes, doutor em Ciência Política mestre em Criminologia e Direito Penal, também avalia que Alexandre de Moraes não censurou a Folha. Em entrevista à Fórum, o jurista afirma que Moraes foi o "responsável por uma série de decisões corretas que garantiram a eleição e a democracia" e que tanto o ministro quanto o STF estão sendo "vítimas de uma campanha constante e injusta que visa a destruição institucional".
"A medida [proibição de conceder entrevistas] está direcionada ao investigado, e não à Folha de S. Paulo. Por isso, não é censura. O investigado é que, descumprindo as medidas alternativas à prisão, pode voltar a ela", explica.
Fernandes pondera, contudo, que as medidas cautelares, como a proibição de Filipe Martins de conceder entrevistas, devem ter limite de prazo, citando como exemplo a ocasião em que o STF proibiu o presidente Lula de dar entrevista enquanto estava na prisão.
"Durante a prisão de Lula, o Supremo Tribunal Federal concedeu à Mônica Bergamo e ao Florestan Fernandes a garantia de entrevistá-lo, em um momento em que estava 'sequestrado' e sob a mordaça da operação Lava Jato. Assim, a medida imediata não é censura, mas se estendida no tempo pode se tornar", emenda.
Quem é Filipe Martins
Filipe Garcia Martins, preso pela Polícia Federal em fevereiro deste ano, é ex-assessor especial para assuntos internacionais de Jair Bolsonaro. Ele foi citado em depoimento do tenente-coronel Mauro Cid, que fechou acordo de delação premiada.
Cid contou à PF que Bolsonaro recebeu das mãos de Filipe Martins a minuta de decreto golpista de convocação de novas eleições, logo após do pleito de 2022 vencido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Filipe ficou conhecido após ser acusado de ter feito um gesto de supremacia branca em uma sessão do Senado Federal, em março de 2021. A investigação por crime de racismo cometido pelo bolsonarista Filipe Martins foi reaberta em novembro do ano passado pelo desembargador Ney Bello.
O desembargador reformou a sentença e considerou que há evidências de crime contra Martins: "O que temos são indícios. Fortes indícios, diria eu. Por serem fortes indícios, não é cabível a manutenção da absolvição sumária do apelado".
O caso será investigado, sob pena de "o Judiciário ser leniente em sua atuação com a prática de condutas racistas". Em outubro de 2021, o juiz da 11ª Vara Criminal do Distrito Federal encerrou o processo por avaliar que o gesto denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) não configura crime e absolveu o réu.
Filipe é seguidor ferrenho de Olavo de Carvalho e próximo de Donald Trump, e está no centro das investigações sobre os ataques golpistas que culminaram no 8 de janeiro.
Em junho de 2021, Martins ingressou com ação judicial contra o editor da Fórum, Renato Rovai, solicitando indenização de R$ 45 mil e a retirada do ar de dois tuítes em que o jornalista comentava o episódio ocorrido em 24 de março de 2021. O ex-assessor perdeu o processo.