DURANTE A DITADURA

Dono da Folha se escondeu na sede do jornal com medo de morrer

Livro detalha relações carnais entre Frias, Caldeira e a repressão

Esconderijo.Depois de colaborar com a ditadura, Frias foi protegido por agentes da repressão na sede de seu jornal.Créditos: Wikipedia
Escrito en MÍDIA el

O que era uma "lenda urbana" entre militantes de esquerda é fato confirmado pela pesquisa realizada por seis acadêmicos que durante dois anos se debruçaram sobre as relações do Grupo Folha com a ditadura militar (1964-1985): Octávio Frias de Oliveira, um dos pioneiros do Grupo Folha, escondeu-se em um apartamento privativo na sede do jornal, na alameda Barão de Limeira, centro de São Paulo, com medo de ser "justiçado" pela ALN, a Ação Libertadora Nacional.

Os pesquisadores escreveram o livro A Serviço da Repressão, Grupo Folha e Violações de Direitos Humanos na Ditadura, recém-lançado pela editora Mórula, que servirá de base para um documentário que será lançado em janeiro, dirigido por Chaim Litewski, o mesmo do documentário Cidadão Boilesen.

Escrito por Ana Paula Goulart Ribeiro, Amanda Romanelli, André Bonsanto, Flora Daemon, Joëlle Rouchou e Lucas Pedretti, o livro investigou vários aspectos da relação dos sócios Frias de Oliveira e o empresário Carlos Caldeira Filho com os golpistas de 1964 e a ditadura que durou 21 anos.

A dupla comprou o título da falida Folha de S. Paulo em 1962 e Caldeira seguiu na sociedade até 1992, antes se elegendo prefeito de Santos pelo partido auxiliar do regime, a Aliança Renovadora Nacional (ARENA).

Emboscada e morte

O livro traz revelações importantes, como a confirmação da presença de veículos da Folha em uma emboscada onde morreram três integrantes da ALN.

Eventualmente, o grupo de resistência armada queimou três veículos da Folha em dois episódios distintos, contou à Fórum, em entrevista, a jornalista e historiadora Ana Paula Goulart Ribeiro, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, uma das autoras do livro:

Todos os militantes [da ALN] sabiam que onde tinha um carro da Folha de São Paulo era suspeito, era uma informação que circulava em toda a militância e num determinado momento a ALN faz uma ação contra os carros da Folha [que foram queimados] justamente para denunciar que estavam sendo usados pela repressão.

Octávio Frias de Oliveira reagiu com um editorial de primeira página com o título de "Banditismo".

A ALN respondeu em seu próprio periódico, com uma ameaça de "justiçamento".

O dono da Folha, então, ficou escondido na própria sede do diário:

A partir desse momento ele [Frias] muda para um um apartamento que tinha dentro do jornal, que tinha sido construído pelo Caldeira, e ele e o Caldeira e suas famílias passam a ser escoltados justamente pelos agentes da repressão. Então, os funcionários lá do DOI-Codi passam a acompanhá-los. Não só eles mudam para morar no jornal, mas passam a ser acompanhados pela segurança pessoal, que é feita pelos agentes da ditadura durante um tempo.

Folha empregou agentes da repressão 

Um detalhe até então pouco conhecido é que a Folha empregou em sua alta hierarquia ao menos dois policiais diretamente ligados à repressão (a Fórum publicará detalhes em breve, como parte desta série de reportagens).

À época funcionava em São Paulo o maior centro de torturas da ditadura militar, o Destacamento de Operações de Informações -- Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), subordinado ao Exército.

Ele nasceu na Operação Bandeirantes, uma "fase de testes" financiada por empresários paulistas. Lá operou o único agente da repressão já condenado por torturar, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. 

O livro foi resultado de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado entre o Ministério Público Federal e a Volkswagen, violadora dos Direitos Humanos no Brasil durante a ditadura militar.

O TAC originou financiamento para investigar outras empresas, como o Grupo Folha.

Como resultado da pesquisa, o MPF abriu um inquérito. Os herdeiros de Octávio Frias de Oliveira se negaram a dar entrevista sobre o tema aos autores.

O jornal considera que já fez e publicou sua própria investigação interna, comandada pelo herdeiro Octávio Frias Filho, já falecido, em que a empresa se afasta de qualquer tipo de dolo.

Ana Paula explica:

Existe um inquérito já aberto no Ministério Público Federal contra o Grupo Folha [como resultado da pesquisa que originou o livro]. E eu acho isso muito importante. Eu acho uma pena, realmente, a Folha não rever criticamente o seu lugar no passado. Eu acho que isso não seria nada absurdo. Outras empresas de comunicação no mundo, inclusive, já estão fazendo isso, revendo o seu lugar no passado. Eu acho que isso só fortaleceria, inclusive, a própria Folha, fortaleceria a sua contribuição -- como ela gosta de dizer -- no papel de "um jornal a serviço da democracia".

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