MÍDIA

Racha na midiazona. O Globo e Folha batem cabeça em editoriais antagônicos sobre decisão do STF

Decisão recente do STF que inclui a possibilidade de punição a veículos que reproduzirem informações comprovadamente falsas racha a mídia

Créditos: Bundesarchiv, Bild 183-33464-0001 / CC-BY-SA 3.0, CC BY-SA 3.0 DE, via Wikimedia Commons
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A decisão do STF de que meios de comunicação podem ser responsabilizados civilmente no caso de publicação de entrevista que impute de forma falsa crime a terceiros, quando há indícios concretos de que as declarações são mentirosas, conseguiu o impensável: rachou o monolítico grupo da mídia comercial brasileira.

Ontem, Folha e O Globo lançaram editoriais antagônicos sobre o tema.

O Globo começou compreendendo o sentido da decisão do STF, já no título e na linha-fina:

 

Decisão do STF respeita caráter do jornalismo

Ao divulgar acusações falsas de terceiros, veículo de imprensa só poderá ser punido se houver má-fé

 

A Folha vai no sentido oposto já chutando a canela:

 

Capítulo sombrio

Contra a própria história, STF abre brecha para ataque à liberdade de informação

 

O primeiro parágrafo do Globo segue positivo com a medida:

 

Foi positiva a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que fixou uma tese para os casos em que veículos de imprensa publicam em entrevistas declarações com acusações falsas. Embora ainda haja dúvida sobre como será interpretada, a tese consagra de forma clara a plena liberdade de informação e expressão, determinando que uma empresa jornalística só pode ser considerada responsável por declarações caluniosas de seus entrevistados se tiver sido deliberadamente negligente na tentativa de apurar os fatos.

 

Já a Folha vai em sentido oposto, nos dois primeiros parágrafos:

 

Capitaneados por Alexandre de Moraes, os atuais ministros do Supremo Tribunal Federal mostraram-se dispostos, na última quarta-feira (29), a inaugurar um capítulo sombrio na história da corte.

Como se ignorassem que o STF tem longa tradição na defesa inequívoca da liberdade de imprensa, resolveram flexibilizá-la; como se desconhecessem a relação vital entre democracia e liberdade de informação jornalística, cercearam esta e arriscaram aquela; como se pudessem desconsiderar a Constituição, deram as costas para ela.

Mais adiante em seu editorial, O Globo vê a medida como positiva para o jornalismo:

 

 

A tese consensual, que deverá ser aplicada a pelo menos 119 outros casos, reitera a jurisprudência consagrada no Supremo sobre liberdade de expressão. Reafirma que a Constituição proíbe qualquer tipo de censura prévia, mas há possibilidade de responsabilização posterior pela publicação de informações “comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas”. No caso de um entrevistado atribuir falsamente crime a terceiros, o veículo de comunicação só poderá ser considerado responsável se duas condições forem satisfeitas. Primeiro, se na época da publicação havia “indícios concretos” de que a acusação era falsa. Segundo, se ele tiver deixado de “observar o dever de cuidado” ao verificar os fatos.

A principal virtude da tese é contemplar as circunstâncias singulares da atividade jornalística. A imprensa tem o dever de divulgar informações no calor dos acontecimentos e, embora deva ser responsável pelo que publica, não está à prova de erros. Se fatos ou declarações de terceiros depois se revelam equivocados, a única justificativa para punição é ter havido negligência ou má-fé. É esse o espírito da tese.

 

Já a Folha segue mostrando os dentes e atacando até a decisão do  STF no caso singular que gerou a medida mais ampla, a condenação do Diário de Pernambuco por publicar durante anos notícia sabidamente mentirosa e caluniosa, classificada pela Folha como absurda.

 

Não são outras as consequências do julgamento sobre um pedido de indenização feito ao Diário de Pernambuco por conteúdo publicado em 1995, no qual o STF deliberou que o veículo de comunicação pode ser responsabilizado na esfera civil pelas declarações de um entrevistado que impute falsamente prática de crime a terceiro.

O que seria apenas uma decisão absurda tomada por um órgão judicial adquiriu outra dimensão quando o Supremo, sem necessidade, optou por extrapolar do caso concreto para o universal, fixando uma tese geral a ser utilizada como baliza em situações semelhantes.

De acordo com o STF, na hipótese de um entrevistado atribuir a outrem a prática de um crime, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada se, "à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação" e, ao mesmo tempo, o veículo não tiver observado "o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos".

O que fica claro nos dois editoriais é que O Globo concorda com a medida e a Folha acha um absurdo que o STF possa vir a cercear seu direito de mentir.

O jornalismo declaratório praticado pela mídia comercial muitas vezes é usado para objetivos que não têm nada a ver com jornalismo.

Quando, por exemplo, seguem manchetando declarações mentirosas de Bolsonaro de que foi roubado nas eleições, o que é sabidamente tão falso que ele já está até condenado por isso, não estão praticando jornalismo, estão desinformando, o que é o exato oposto de jornalismo.

Ao defender que se possa divulgar apenas a declaração mentirosa sem contextualizá-la e não ser punida por isso, a Folha não está exercendo a liberdade de informação, mas o antijornalismo, com um objetivo que só ela pode esclarecer. 

A verdade é que o STF decidiu não contra a liberdade de imprensa, mas contra a liberdade de mentir.

O Globo entendeu o espírito da decisão. A Folha da ditabranda, da ficha falsa de Dilma defende que possa continuar a mentir impunemente.

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