Em artigo, o vereador Ricardo Alvarez, que faz parte de mandato coletivo do PSOL em Santo André, analisa os dois primeiros capítulos da série produzida pela Globo sobre o assassinato de Celso Daniel.
Documentário Celso Daniel: repaginando teses e alguns pitacos mais
Por Ricardo Alvarez
Assisti os dois primeiros capítulos da série documental sobre o prefeito Celso Daniel brutalmente assassinado em 2002. O relato abaixo é, portanto, uma impressão parcial dado que os demais capítulos não estão disponíveis.
Confesso, incialmente, que de novo não há nada, ao menos para mim. As entrevistas são boas, o material coletado também, mas é o eterno ruminar do assunto. Fica no ar, porém, um cheiro azedo de oportunismo político com o qual terminarei este post. Seguem algumas ponderações preliminares.
O sequestro e a morte
Eu era vereador do PT naquele ano de 2002. A notícia do sequestro (18/1) nos pegou de surpresa e dai em diante foi um stress só. Fui para a prefeitura e lá passei boa parte do tempo naquele fatídico final de semana, até que no domingo (20/1) recebemos a terrível notícia de que seu corpo havia sido encontrado.
Desde o primeiro momento eu tinha comigo a certeza de que se tratava de um engano e ele seria solto, porém, a cada hora que se passava o quadro se agravava e o tempo é inimigo nestes casos. Errei na previsão. Seguiu-se uma catarse coletiva: choradeira geral, sentimento de impotência, misto de revolta e dor pela perda, enfim, foi um momento muito difícil, assim como os anos seguintes.
Celso era diferenciado
É inquestionável sua capacidade em pensar políticas públicas, gestão urbana, participação popular e, principalmente, olhar para frente e o futuro. Evidente que não era imune a erros, mas sua práxis gerencial e política era sempre acompanhada de muita reflexão e foco.
Por suas qualidades Celso era quase uma unanimidade no partido, dentre as lideranças políticas e na sociedade andreense. Aprendi muito com ele sobre gestão pública e o trabalho parlamentar, seja apoiando suas iniciativas, criticando-as e mesmo votando contra, pois era difícil enfrentar a hegemonia política que ele construiu. O contraponto de seus projetos exigia sólida argumentação e por tabela muita preparação, leitura e apresentação de alternativas.
Crime comum ou político?
A séria da Globo mostra que os sequestros estavam em alta naquele momento e outras personalidades haviam passado por esta indesejável experiência.
A versão oficial indica que Celso foi vítima de um sequestro comum, porém há várias perguntas sem resposta, “coincidências” estranhas e uma forte politização do crime que acabaram por deixar o caso sempre em suspenso.
Deixo estes senões para quem for assistir o documentário. Sigo outra trilha daqui pra frente sobre a série em si:
1. Deram um baita espaço ao Klinger que trata inclusive de questões da história do PT em Santo André que ele definitivamente não viveu. Há uma centena de outras pessoas que poderiam falar sobre isso com muito mais propriedade;
2. Fazem um contraponto entre a cúpula do PT cobrando o governador Geraldo Alckmin por ações mais efetivas nas investigações e elucidação do caso. Moro deve ter gostado bastante desta parte;
3. A senadora Mara Gabrilli (PSDB) fala da corrupção do PT mas não explica que sua família participava do caixa de contribuição, ou seja, era parte do esquema. Dizer que Sombra intimidava com arma para justificar seus pagamentos é frágil como pluma. A denuncia não veio com a crítica da caixinha, quando todos se locupletavam, e sim quando a linha que sua família operava de longa data (Estação/Terminal Vila Luzita) corria riscos de trocar de mãos por pressão do secretário Klinger em favor do empresário Ronam Pinto;
4. Se Celso foi morto num crime político é necessário dizer quem foram os mandantes. A tese de que ele descobriu corrupção, se opôs e foi vitimado por isso, a meu juízo não tem fundamento (inclusive falei isso para os promotores quando depus no caso e em outras conversas). Mas é verdade também que tiros na boca, tortura e demora na execução apontam para um crime político. E ai?
5. Quais seriam os grupos políticos ou econômicos que estariam sendo prejudicados pelo prefeito e tramaram seu assassinato? Era preciso derivar a investigação para este caminho para buscar uma motivação mais robusta para a sustentação da tese do crime político;
6. Celso sabia que Sombra manipulava recursos e neste caso é preciso entender o momento histórico: as campanhas eleitorais eram feitas com dinheiro privado empresarial e estas arrecadações as sustentavam. Só o PT arrecadava desta forma? Hipocrisia quem acha isso. O problema é que em SP o PSDB domina o MP, o judiciário, a polícia, enfim, protegidos estão de longa data e isso cria uma falsa ideia de um purismo tucano. Este é um dos motivos de sua longevidade no poder do estado (25 anos);
7. Celso fazia campanhas caras e mantinha relações com empresários que as sustentavam. Isso era a regra naquele momento e os grandes partidos operavam assim, do Oiapoque ao Chuí. O diferencial é Celso quase não deixou bens, era um agente político que não buscava riqueza pessoal e nem tampouco ostentação. Queria ganhar eleições para colocar seu projeto de gestão em movimento;
8. O documentário traz à tona um caso eivado de dúvidas, é verdade, mas como a Globo já deu outros golpes no PT (edição do debate com Collor, o sequestro de Abílio Diniz, apoio ao golpe contra Dilma, dentre outros) fica estabelecida uma associação automática entre documentário e eleições. Pode ser que os produtores não tivessem esta intenção, mas Globo com certeza tem. E ela apoia Moro;
9. Bruno Daniel, como irmão, tem todo o direito de questionar os resultados do processo criminal e sua entrevista no UOL News deixou clara sua posição: a politização do caso atrapalhou e atrapalha as investigações e que há muitas perguntas em aberto;
10. Por fim, o vai e vem do caso serviu e continua servindo para associar corrupção à esquerda. Essa narrativa desaguou na ascensão da extrema direita e na eleição de um fascista para presidente da República no Brasil. O tema é recorrente: candidatos mais frágeis, sem programa, partido ou quadros apelam para a retidão pessoal e a corrupção como produto de indivíduos gananciosos. Simplificação grotesca de um problema estrutural. Collor e Bolsonaro são os dois grandes exemplos após a retomada da democracia;
No aguardo dos demais capítulos para avaliar onde desembocará tudo isso. Abraços!