Estimulados por Bolsonaro, ataques à liberdade de imprensa batem recorde em 2020

“Esse crescimento tornou-se assustador”, diz Maria José Braga, presidenta da Fenaj, que divulgou o relatório “Violência Contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil”

Foto: Reprodução/GloboNews
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Os ataques à liberdade de imprensa bateram recorde em 2020: foram 428 casos, o ano mais violento desde que existe o levantamento promovido pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e iniciado na década de 1990.

O avanço de hostilidade aos profissionais do setor tem como principal explicação o comportamento de Jair Bolsonaro em relação à mídia, de acordo com o relatório “Violência Contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil”, publicado nesta terça-feira (26), pela Fenaj.

“A explosão de casos está associada à sistemática ação do presidente da República, Jair Bolsonaro, para descredibilizar a imprensa e à ação de seus apoiadores contra veículos de comunicação social e contra os jornalistas. Ela começou em 2019 e agravou-se em 2020, quando a cobertura jornalística da pandemia provocada pelo novo coronavírus foi pretexto para dezenas de ataques do presidente e dos que o seguiram na negação da crise sanitária”, diz um dos trechos do relatório.

“A Fenaj já havia identificado um expressivo crescimento dos ataques à liberdade de imprensa de 2018 para 2019. Esse crescimento tornou-se assustador, em 2020. E, na avaliação da Fenaj, é reflexo da ascensão do Bolsonaro à presidência, com a consequente disseminação do bolsonarismo pelo país”, avalia Maria José Braga, presidenta da Fenaj.

Para ela, o bolsonarismo é uma expressão política da extrema direita, “que difunde a cultura da violência, nega valores humanísticos e busca levar a sociedade brasileira ao obscurantismo”.

A quantidade de ataques registrada em 2020 representa mais do que o dobro de 2019, que contabilizou 208 ocorrências. O aumento é de 105,77%.

“A descredibilização da imprensa foi, portanto, a violência mais frequente. Dos 428 casos, 152 (35,51%) foram de discursos que buscavam desqualificar a informação jornalística. Afirmações como ‘a mídia mente o tempo todo’, ‘a mídia é uma fábrica de fake news’, ‘vocês são lixo’ e ‘TV Funerária’, referindo-se a empresas jornalísticas e a jornalistas foram repetidas reiteradas vezes, a maioria delas pelo próprio presidente”, diz o documento.

“Bolsonaro e seus seguidores têm total responsabilidade sobre a explosão da violência contra jornalistas. Ele, sozinho, foi o responsável por 175 ataques e sua postura autoriza que seus seguidores também ajam violentamente”, opina Maria José.

Foto: Reprodução/Fenaj

Mortes e racismo

De acordo com o relatório, não houve aumento de casos de assassinatos e de racismos ou injúrias raciais, com duas ocorrências de cada em 2020, o mesmo número registrado no ano anterior.

Porém, alerta a Fenaj, o registro de duas mortes de jornalistas, por dois anos seguidos, “é evidência concreta de que há insegurança para o exercício da profissão no Brasil”.

Os jornalistas assassinados em 2020 foram Léo Veras, que denunciava o crime organizado na fronteira com o Paraguai, e Edney Neves, que trabalhava na campanha à reeleição da prefeitura de Peixoto de Azevedo, no Mato Grosso, e chegou a avisar que estava recebendo ameaças.

Os números

Os casos de ataque à imprensa em 2020 estão assim distribuídos, de acordo com o relatório:

Assassinatos, 2; agressões físicas, 32; agressões verbais/virtuais, 76; ameaças/intimidações, 34; ataques cibernéticos, 34; atentado, 1; censuras, 85; cerceamentos à liberdade de expressão por meio de ações judiciais, 16.

Descredibilização da imprensa, 152; impedimentos ao exercício profissional, 14; injúrias raciais/racismo, 2; sequestro/cárcere privado, 2; violência contra a organização dos trabalhadores/sindical, 6.

Censura

Outro destaque do documento é a explosão no número de casos de censura (750%) e de agressões verbais/ataques virtuais (280%) de 2019 para 2020. As razões novamente recaem no estímulo de Bolsonaro a essas práticas.

“A censura interna nas redações é o ataque à liberdade de imprensa mais difícil de ser mensurado, porque é pouco denunciado. Em 2020, conseguimos registrar os casos de censura na EBC, que também são uma consequência do bolsonarismo. O governo Bolsonaro transformou uma empresa pública de comunicação numa empresa do seu governo, o que significou uma grande perda para a sociedade”, conta a presidenta da Fenaj.

“Para enfrentar tantos retrocessos precisamos de mais organização. Os jornalistas brasileiros precisam reforçar suas entidades. Nós vamos continuar fazendo a denúncia pública dos ataques à imprensa e aos jornalistas e vamos continuar cobrando das demais instituições da República que cumpram seu papel e ajam para cessar os desmandos do presidente”, acrescenta Maria José.

Além da denúncia pública, Fenaj e os sindicatos de jornalistas apoiam diretamente os profissionais agredidos. “Esse apoio é político, para dizer aos agressores que os jornalistas têm quem os defenda, mas é também jurídico, desde que seja solicitado”, conta a presidenta da entidade.

“A Fenaj já tomou iniciativas diretas, como a proposição de uma ação por dano moral coletivo contra o presidente e já o denunciou internacionalmente. Por fim, a Fenaj e os sindicatos estão nos movimentos coletivos pelo impedimento do presidente”, completa.

De acordo com o relatório, jornalistas passaram a ser agredidos nas ruas e os ataques virtuais, por meio de redes sociais e aplicativos de mensagens, tornaram-se comuns. Apesar do aumento significativo, alerta o documento, é muito provável que ainda haja subnotificação dos casos, porque muitos profissionais não chegam a denunciar o ataque sofrido.

Regiões e gênero

Ainda conforme indica o relatório, o Sudeste é a região com mais casos de violência direta contra jornalistas. Porém, o Centro-Oeste soma o maior número de atentados à liberdade de imprensa.

O levantamento também conclui que os jornalistas do sexo masculino são as maiores vítimas de agressões, com 147 ocorrências. Entre as mulheres, 64 sofreram algum tipo de agressão.

Veja aqui o relatório completo da Fenaj