Já reparou que a mídia brasileira tem evitado usar o termo "nazismo" para falar do protesto absurdo ocorrido no último sábado em Charlottesville (EUA) e escolheu, como termo principal para se referir aos manifestantes, a palavra "supremacistas"?
Não é à toa. A imprensa pode até tentar se justificar dizendo que não quer generalizar, já que a manifestação neonazista reuniu diferentes grupos, que iam desde neo-confederados, passando por adoradores da KKK, nacionalistas até os ditos "supremacistas".
O protesto, no entanto, tinha uma voz uníssona: contra negros, judeus, LGBTs, pela "pátria" e exaltando a superioridade branca - elementos que fazem parte da base fundadora da ideologia nazista.
Neste sentido, a manifestação de Charlottesville tinha caráter, sim, neonazista. Em artigo, o deputado federal Rogério Correia fez o alerta: "Reivindicavam a 'supremacia branca', daí serem chamados de 'supremacistas' pela mídia. São mais do que isso: são racistas. Fascistas. Neonazistas. Charlottesville merece mais do que o repúdio. De nós, brasileiros, serve como alerta. Pois infelizmente está mais perto do que imaginamos".
Todo o mundo já sabe. Nos jornais internacionais, até se fala dos "supremacistas", mas os termos "nazistas" e "neonazistas" ganham destaque nas manchetes.
No Brasil, a mídia trata o neonazismo apenas como um dos elementos da manifestação, e "supremacistas" é a palavra da vez. O que está por trás dessa escolha, afinal?
No levante neonazista de Charlottesvile uma das principais palavras de ordem era: "Não vão tomar o nosso lugar". Algo bem parecido com um "a nossa bandeira jamais será vermelha" tupiniquim, não? Pois é, mas a questão ainda vai além.
Todos sabem que no Brasil existe um forte sentimento antipetista que é usado para disfarçar o racismo, a homofobia, a xenofobia e a exaltação da "pátria", exatamente os mesmos elementos presentes no protesto neonazi da Virginia.
Isso ficou muito claro durante as manifestações de direita que antecederam o impeachment da ex-presidenta Dilma. O ódio contra petistas era, na verdade, o ódio contra negros, nordestinos, LGBTs e, claro, "comunistas", como eles gostam de dizer, que, em tese, defendem tudo aquilo que os neonazistas são contra.
O jornalista Pedro Alexandre Sanches, por exemplo, fez esse alerta em seu Twitter.
Não disfarcem, o antipetismo de vocês é fascismo igual ao dos EUA. Em antipetismo vocês enrustem racismo, classismo, misoginia, homofobia. — Pedro A. Sanches (@pdralex) 13 de agosto de 2017
É nesse Brasil que a juventude negra é exterminada diariamente sob os aplausos da elite, é nesse Brasil que um refugiado sírio é vítima de ódio por vender esfirras em Copacabana, aos gritos de "esse é o meu país, não vai tomar o nosso lugar".
Alguma ligação direta com as ideias nazis de Charlottesvile ou mera coincidência? É nesse Brasil que um deputado federal que elogia torturadores e que tira fotografias ao lado de "cover" de Hitler tem o segundo lugar nas intenções de voto para a presidência.
É nesse país que manifestantes de verde e amarelo, pedindo o fim do "comunismo", erguem o braço direito em manifestações em uma clara referência à saudação nazista.
Todos esses acontecimentos, ao longo dos últimos anos, passaram sob as vistas grossas dessa mesma mídia que chama os neonazi norte-americanos de "supremacistas".
Neste sentido, fica fácil saber o motivo pelo qual a palavra "supremacistas" é mais adequada para se referir aos racistas que ocuparam a Virgínia. Se os classificarem como "nazistas", essa mídia terá que classificar muito "cidadão de bem" de verde e amarelo como nazista também. Para eles, aí já é demais.
O nazismo não se faz presente apenas na suástica, mas em pequenos gestos. Para a mídia tradicional brasileira, no entanto, nazismo só existe em livro de história.