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Estamos sempre acreditando que nas redes sociais, em especial no Facebook, estamos publicando para o mundo, mas na prática, estamos publicando para um público bem restrito, de 3% a 6% do seus “amigos” e seguidores.
Por João Carlos Caribé, no Entropia
A vitória de Trump deixou o mundo perplexo, não demorou muito para surgirem textos responsabilizando o Facebook e sua bolha pelo resultado inusitado, aliás um tema que circulava mais pela esfera acadêmica e mais especializada ganhou uma popularidade fora do comum nos últimos dias, nunca vi tantos textos sobre o assunto publicados em tão curto espaço de tempo, e nos espaços reconhecidos do jornalismo global.
Sejamos justos, esta bola começou a ser levantada aqui nas nossas recentes eleições, eu mesmo no projeto Eleições 2016 ofereci dois workshops que visavam não só esta mais outras estratégias. A popularidade do tema veio à tona no Brasil com um artigo escrito pelo professor Vinicius Wu e publicado no O Globo, onde ele falou que a maioria dos candidatos estava na prática fazendo campanhas para suas próprias bolhas nas redes sociais.
Mas afinal o que são as bolhas e como elas podem decidir eleições?
Antes de mais nada é preciso entender uma coisa, a bolha não é algo que você “entra” e muito menos coletiva, a bolha é pessoal e você mesmo a constrói em torno de si com a ajuda dos algoritmos.
O que são bolhas e algoritmos ?
É possível que você não compreenda o que é uma bolha ou filtro bolha e até mesmo o que é um algoritmo, e muito menos usar os dois para construir algo em torno de si, não se preocupe, vamos explicar. Vamos partir do princípio, Eli Pariser, um ciberativista que pesquisou o tema, e escreveu um excelente livro “O Filtro Invisível: O que a Internet está escondendo de você“, onde ele descreve didaticamente como surgiram os filtros invisíveis e dá a eles o nome de filtro bolha, também conhecido por bolha. Segundo Pariser, um dos visionários da tecnologia Nicholas Negroponte, pesquisador do MIT, já em 1994, pensava no que ele chamou de “agentes inteligentes”, que seriam algoritmos que funcionam como curador de conteúdo. As primeiras experiências com “agentes inteligentes” foram um desastre, mas Jeff Bezos desenvolveu o conceito do “agente inteligente” da Amazon com base no livreiro que te conhece e recomenda os livros que acredita lhe interessar. Para atingir este objetivo o algoritmo passou a registrar tudo que ocorria no site, quem via ou comprava um livro, e quais interessavam também, e rapidamente criou uma lógica de relacionamento capaz de apresentar com razoável margem de acerto sugestões de leitura com base em sua pesquisa, de onde acessa, e seu histórico de compra e busca, estava criada a primeira bolha eficiente.Duas pessoas com dispositivos idênticos acessando o Google pela mesma rede, com as mesmas palavras-chave nunca obterão os mesmos resultados.O Google também adotou um algoritmo com critérios que definem a relevância e aderência da busca com o que ele acredita que você esteja procurando, baseia-se em inúmeras variáveis, que envolvem desde seu histórico de busca até o local e dispositivo de onde está sendo feita a pesquisa. Duas pessoas com dispositivos idênticos acessando pela mesma rede, com as mesmas palavras-chave nunca obterão os mesmos resultados. O mesmo acontece no Netflix, Facebook e diversas outras redes e serviços que você acessa, que estão sempre registrando e comparando um número cada vez maior de informações sobre você, seus relacionamentos e interesses para tentar acertar de forma eficiente o seu desejo. O que ocorre com a linha do tempo do Facebook, que na prática não é ordenada cronologicamente, mas de acordo com o que algoritmo do Facebook julga relevante para você, é que você não percebe isto até prestar atenção nos detalhes.
Os problemas com as bolhas
A preguiça é da natureza humana, ter um algoritmo lhe oferecendo conteúdo e informação sob medida é quase um sonho, mas pode rapidamente se tornar um pesadelo.Bolhas são invisíveis
O primeiro problema com as bolhas é que elas são invisíveis, se você não sabe que elas existem, dificilmente irá percebê-las, e muitas vezes até mesmo consciente parece não perceber. As bolhas são algoritmos construídos para lhe oferecer conteúdo e informação que julgam mais adequadas para seus interesses.Bolhas são algoritmos
Bolhas são algoritmos, modelos matemáticos, baseados em lógica, e por esta razão não capazes de perceber elementos subjetivos como as suas emoções, linguagem corporal e contextos no qual são acionados… ainda… Cathy O’Neil, cientista de dados, apresenta em seu livro Weapons of Math Destruction, uma série de casos e levanta questões éticas e lógicas de diversos modelos matemáticos sobre big data, e como eles podem aumentar a desigualdade e ameaçar a democracia. Segundo O’Neil, modelos matemáticos são o motor de nossa economia digital e não são neutros e muito menos perfeitos, como ela apresenta nestas duas conclusões:- “Aplicações baseadas em matemática e que empoderam a Economia de Dados são baseadas em escolhas feitas por seres humanos falíveis”.
- “Esses modelos matemáticos são opacos, e seu trabalho é invisível para todos, exceto os cardeais em suas áreas: matemáticos e cientistas computacionais. Seus vereditos são imunes a disputas ou apelos, mesmo quando errados ou nocivos. E tendem a punir pobres e oprimidos, enquanto tornam os ricos mais ricos em nossa sociedade”.
Você constrói a sua bolha
As bolhas não existem sem você, as bolhas que apresentam o conteúdo que acessa no Facebook, Google, Amazon, Netflix e outras são exclusivamente suas, e você as construiu. Muitos algoritmos comparam seus hábitos com outras pessoas que julgam semelhantes, mas eles precisam aprender sobre você. No Facebook, por exemplo, o algoritmo chamado EdgeRank registra tudo que você faz, que postagens curte, comenta, compartilha, em quais clica, em quais passa mais ou menos tempo, e assim ele vai “aprendendo” a lhe agradar. O problema, como visto, é que bolhas são algoritmos, modelos matemáticos, que são recursivos, ou seja, estão sempre aprimorando e aprendendo com você, quando você não presta atenção a um post ou quando rejeita postagens e bloqueia pessoas ou simplesmente as ignora, o EdgeRank entende que você não quer mais este conteúdo e os suprime da sua linha do tempo, criando uma distorção da realidade, que Eli Pariser chama de “Síndrome do Mundo Bom”. A “Síndrome do Mundo Bom” é quando sua linha do tempo está tão “purificada” que só lhe apresenta conteúdos que alinham com você ideologicamente e lhe agradam, o mundo bom está justamente nesta percepção distorcida da realidade, onde “todos” pensam igual a você.As bolhas são seu senso comum
A forma como o ser humano percebe o mundo, é complexa, o cérebro usa de atalhos para tomar decisões, que em sua maioria são intuitivas. Leonard Mlodinow no livro Subliminar demonstra o quanto nossas decisões são baseadas em questões subjetivas, tanto que segundo o autor alguns cientistas estimam que só temos consciência de cerca de 5% de nossa função cognitiva. Os outros 95% vão para além da nossa consciência e exercem enorme influência em nossa vida. Podemos não perceber, mas estamos formando o entendimento de senso comum em todos os ciclos sociais, inclusive nas nossas bolhas. O senso comum formado dentro de uma bolha purificada, que atingiu a “síndrome do mundo bom” é totalmente distorcido da realidade, e pode levar ao radicalismo.Nós somos parte das bolhas dos outros
Assim como construímos nossas bolhas com conteúdos produzidos por outras pessoas, elas constroem suas bolhas com conteúdos que podem ser também os seus, as bolhas não são recíprocas, nem sempre o autor do conteúdo que te interessa, tem interesse por seu conteúdo. Como somos responsáveis pelo conteúdo que interessa a alguém, somos em algum nível influenciadores destas pessoas.As bolhas são a nossa Matrix
Estamos sempre acreditando que nas redes sociais, em especial no Facebook, estamos publicando para o mundo, mas na prática, estamos publicando para um público bem restrito, de 3% a 6% do seus “amigos” e seguidores. Suas publicações só conseguem um alcance maior quando alguém as compartilha. Ou seja, estamos quase sempre recebendo informações das mesmas pessoas que nos interessam, e compartilhando para as mesmas que têm interesse em você. Nos sentimos falando para um público de milhões de pessoas, mas na prática seus ouvintes caberiam na maioria das vezes na sua sala de estar. Se fôssemos fazer uma ilustração de como seria sua bolha, teríamos algo como um diagrama de Venn, mas seria um diagrama tridimensional, mostrando como sua bolha é construida com a conexão de outras bolhas. O tamanho do espaço de interseção seria proporcional ao nível de interesse por temas de determinada bolha. Mesmo assim é necessário destacar que as relações das bolhas do conteúdo que você consome e a do conteúdo que você produz podem ser totalmente diferentes.Como as bolhas podem influenciar uma eleição?
Agora que você já sabe o que são algoritmos, bolhas e seus problemas fica mais fácil compreender como elas podem influenciar não só uma eleição, mas em decisões importantes como aconteceu no golpe de estado sofrido no Brasil este ano. Vamos focar inicialmente no Facebook, uma rede social de tamanho nunca antes imaginado, um “veículo de mídia” com dois BILHÕES de usuários, que representam 2/3 de todos os usuários com acesso à Internet no mundo. Com esta dimensão é impossível dissociá-lo de fazer parte da equação que avalia mudanças globais de comportamento social, como a emergência da extrema direita e a onda de ódio e polarização. No início deste ano tornei público parte do meu projeto de pesquisa, com o qual estou tentando um mestrado – O poder político e ideológico do Filtro Bolha – nele constam alguns casos relevantes de como o Facebook pode influenciar os seus usuários, tanto o resultado de uma eleição quanto o próprio comportamento:Influenciando uma eleição
Para Zittrain (2014), o Facebook pode decidir uma eleição sem que ninguém perceba isto. Em seu texto ele demonstra que a simples priorização de um candidato na linha do tempo é suficiente para isto, principalmente frente aos usuários indecisos. Para sustentar sua tese, Zittrain cita um estudo desenvolvido em 2 de Novembro de 2010, onde uma publicação que auxiliava encontrar a zona de votação nos Estados Unidos apresentava a opção do usuário clicar um botão e informar a seis amigos que já havia votado. Isto produziu um aumento no número de votantes na região do experimento.
Influenciando o comportamento dos usuários
A controvérsia em relação ao filtro bolha ganhou uma dimensão significativa, e passou a chamar a atenção não só de pesquisadores, mas principalmente de ativistas, advogados e políticos, quando um estudo desenvolvido por pesquisadores ligados ao Facebook concluiu que era possível alterar o humor dos usuários por contágio emocional pela rede social. O experimento consistia em transferir emoções por contágio sem o conhecimento dos envolvidos, Kramer et al. (2014, p. 8788 tradução nossa) e foi bem sucedido:Em um experimento com pessoas que usam o Facebook, testamos se o contágio emocional ocorre fora da interação presencial entre os indivíduos, reduzindo a quantidade de conteúdo emocional na linha do tempo. Quando foram reduzidos expressões positivas, as pessoas produziram menos publicações positivas e mais publicações negativas; quando foram reduzidos expressões negativas, o padrão oposto ocorreu.