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Geógrafo e escritor norte-americano radicado no Brasil há 20 anos se surpreende com a utilização da publicação da Abril como fonte no The New York Times e na Reuters. "Em um país com leis débeis sobre calúnia e difamação e de baixas indenizações, Veja é uma das menos confiáveis das grandes fontes de notícias", diz
Publicado no site da Fundação Perseu Abramo
Tendo trabalhado em uma série de organizações não-governamentais, como ActionAid e Plan and Care e atuando com a União Nacional por Moradia Popular, o geógrafo, escritor e produtor norte-americano Brian Mier, também colaborador do think tank de Washington Centro para Pesquisa Econômica e Política (CEPR), vive no Brasil há 20 anos.
Jornal não usa Fox News como fonte... Veja deveria receber o mesmo tratamento
Mier ainda se espanta com a forma com que a mídia estrangeira utiliza fontes jornalísticas do Brasil e cita o caso da revista Veja em um artigo recente. Para ele, é um mistério que essas empresas façam uso do material da revista, quando não utilizam de canais como a TV Fox News ou ou jornal Daily Mail, famosos não apenas por seu conservadorismo, mas pelo enviesamento político de suas pautas.
Confira abaixo o texto traduzido e aqui o original.
A questão Veja...
A TV Fox New e o jornal The Daily Mail não são utilizados como fontes confiáveis por agências de notícias anglófonas sérias. Então, por que elas continuam a citar a revista Veja?
Por Brian Mier, editor da BrasilWire*
Semana passada, a lenda do futebol, hoje senador, Romário Faria, fez um anúncio especial para seus dois milhões de seguidores no Facebook. “Descobri na quinta-feira, pela revista Veja, que tenho milhões de reais numa conta na Suíça”, disse. “Obviamente, eu fiquei muito feliz com a notícia e assim que possível irei até o banco para confirmar se eu tenho essa conta, sacar o dinheiro e informar a Receita Federal... mas como estamos falando da Veja, se essa informação for falsa não será surpresa pra ninguém. Se você ler a notícia verá que não há uma fonte confiável citada... É difícil encontrar qualquer coisa crível nessa revista.”
Romário, que apoiou Aécio Neves na última corrida presidencial, voou até Genebra, na Suíça. E postou uma selfie no Facebook, dizendo: “Chateado! Acabei de descobrir aqui em Genebra, na Suíça, que não sou dono dos R$ 7,5 milhões”. Após confirmar que a informação publicada por Veja era falsa, ele pediu a seus fãs que procurassem o perfil no Facebook dos jornalistas que escreveram a matéria e perguntassem a eles quem foi sua fonte. Cômica trolagem feita e em 24 horas dois dos três jornalistas cancelaram seus perfis no Facebook. Imediatamente após retornar ao Brasil, Romário entrou com processo de calúnia e difamação contra a Veja.
A reação de Romário divertiu muitos brasileiros, mas o fato de que a história foi fabricada numa aparente tentativa de manchar a imagem do principal candidato à Prefeitura do Rio de Janeiro não surpreendeu muitas pessoas. Em um país com leis débeis sobre calúnia e difamação e de baixas indenizações, Veja é uma das menos confiáveis das grandes fontes de notícias. A revista, que fomenta os interesses da classe média conservadora, tem um longo histórico de criar factóides sobre corrupção contra rivais políticos enquanto adula aliados sabidamente corruptos, a maioria deles, como Veja, com ligações com a ditadura militar de 1964-1985.
Veja foi criada em 1968 e rapidamente se tornou a mais popular revista de notícias do país. Ela se referia à ditadura militar como um “governo revolucionário” e aos líderes estudantis e sindicalistas, postos na ilegalidade, como “terroristas”. Foi uma das principais responsáveis pela eleição do primeiro presidente neoliberal do Brasil, Fernando Collor. Há décadas é reconhecida como apoiadora do Consenso de Washington, na economia, assim como por suas posições conservadoras quanto a políticas sociais e raciais, cruzadas anticorrupção seletivas e estreitos laços com o corrupto e ultraconservador partido PFL/Dem.
Como Emir Sader, diretor do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, diz, “todo país tem esse tipo de publicação extremista que prioriza a defesa de ideias dos novos conservadores estadunidenses. Eles herdaram ideias do período da Guerra Fria, se especializaram em atacar a esquerda e repetir as mesmas manchetes internacionais, além de artigos tolos, supostamente científicos, sobre novas medicinas, tratamentos de pele e de problemas psicológicos para que possam fingir serem revistas para a família.”
Na semana passada, o ex-presidente Lula entrou com um processo por danos morais contra a Veja por esta se utilizar do recurso de fontes não declaradas para acusá-lo de aceitar propinas da construtora Odebrecht. A reportagem foi acompanhada da característica capa de Veja, onde Lula, nas sombras, franze o cenho. Em junho, a jornalista Joice Hasslemann, da revista, foi acusada de plagiar 42 diferentes jornalistas da mídia impressa. Em outubro do ano passado, Veja foi condenada por fraude eleitoral e obrigada a retirar do ar qualquer referência online a uma edição especial lançada na véspera das eleições presidenciais e que acusava erroneamente Dilma Rousseff e Lula de envolvimento direto no escândalo da Petrobras.
Apesar dos sérios problemas de credibilidade, Veja segue como uma das fontes mais citadas sobre as notícias do Brasil. A [agência de notícias] Reuters e o [jornal] The New York Times não tratariam a [rede de TV] Fox News como uma fonte confiável, contudo, no mês passado, Reuters citou a Veja por sete vezes. Na semana anterior ao 26 de outubro, dia das eleições presidenciais, The New York Times citou a revista em seis artigos, incluindo a repetição das acusações a Dilma Rousseff feitas pela edição especial tornada ilegal por decisão judicial. Uma busca por palavra-chave no site do Times revela 121 reportagens citando a revista Veja. O aparentemente progressista The Guardian não usaria o Daily Mail como fonte confiável, mas cita a Veja regularmente também.
Por que importantes publicações do Norte continuam a citar Veja com uma fonte objetiva sobre o noticiário brasileiro? Como alguém que tem andado com muitos jornalistas estrangeiros em meus 20 anos de Brasil, eu gostaria de acreditar que isso acontece por conta dos baixos salários e dos prazos curtos de entrega das reportagens. Com algumas das principais companhias de notícias pagando para freelancers algo tão baixo quanto US$ 100 por artigo para conteúdo online eu posso entender porque alguém iria ler apenas uma fonte de notícias, de grande circulação, para montar uma rápida nota sobre uma atualidade qualquer. Outra razão possível é a de que o segmento da população a que Veja se destina – a classe média alta conservadora – é também o grupo mais provável a ser fluente em inglês e interagir com correspondentes estrangeiros vivendo no Brasil.
A empresa dona da Veja, Editora Abril, é um dos maiores grupos no cenário da mídia brasileira, uma das citadas no relatório dos Jornalistas Sem Fronteiras, Brazil, the Country of Thirty Berluconis. Eu não estou dizendo que Veja possa ou deva ser completamente ignorada pelos correspondentes internacionais cobrindo o Brasil – ler as opiniões da revista é uma ótima maneira de conhecer o ponto de vista conservador da classe média sobre qualquer assunto. O que eu sugiro, entretanto, é que a qualidade da cobertura jornalística sobre o Brasil iria ganhar em qualidade se a mídia de língua inglesa parasse de utilizar a Veja como fonte primária de seu noticiário.
*Brian Mier, nascido em Chigaco (EUA), é geógrafo, escritor e produtor, tendo trabalhado por mais de uma década com organizações não-governamentais de desenvolvimento internacional, como a ActionAid. Vive no Brasil há 20 anos.