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Em debate no Fórum Internacional Software Livre, ativistas e desenvolvedores colocaram em xeque a ideia de liberdade que gira em torno das redes sociais privadas e esclareceram por que é mais do que necessário que os usuários e organizações dependam cada vez menos delas e migrem para redes livres. "O objetivo por trás dessas ferramentas não é te vender um produto ou prestar um serviço, é o controle absoluto do que você faz ou do que nós fazemos em sociedade"
Por Ivan Longo, de Porto Alegre
Atualmente é quase impossível encontrar alguma pessoa que não tenha um perfil no Facebook, certo? Errado. Ao menos no 16º Fórum Internacional Software Livre, realizado nessa semana em Porto Alegre (RS), boa parte dos participantes não utiliza a rede social de Marck Zuckerberg e não possui conta em outras redes conhecidas, como Youtube, Dropbox ou Twitter. Isso porque esses participantes são, em sua maioria, desenvolvedores e programadores que conhecem muito bem como, de fato, esses sites funcionam: são redes sociais privadas, desenvolvidas por meio de códigos fechados e que, fundamentalmente, monitoram e utilizam os dados de seus usuários de acordo com os seus interesses.
São verdadeiras empresas cujo objetivo óbvio é ganhar dinheiro, mas com um detalhe adicional: o usuário não é um cliente, mas sim o próprio produto. "A gente está falando de monopólio em escala global. De monitoramento de quem você é, de quem nós somos, do que representamos como sociedade, como cultura, como entendimento político. Esses caras [Facebook] estão a serviço de interesses muito mais amplos, onde eles começam a entender como interferir no nosso nível de cidadania e em como nós nos comportamos e enxergamos o mundo. É algo muito perigoso", alertou o ativista do movimento Software Livre Anahuac de Paula.
A fala de Anahuac se deu justamente no painel desta sexta-feira (10), intitulado "Redes sociais privadas e a concentração de informação: como elas afetam o SL?", que tinha como objetivo debater os desafios que os entusiastas do Software Livre têm que enfrentar diante de uma sociedade cada dia mais inserida nas redes por meio dos monopólios das redes sociais privativas.
Junto com Anahuac, participaram do debate os desenvolvedores e ativistas Antonio Terceiro e Felipe Saraiva, além de Gabriel Gilli, jornalista do Fórum Internacional Software livre. Para todos eles, as redes sociais - em especial o Facebook - utilizam-se da comodidade e da praticidade fornecida ao usuário como forma de passar a sensação de liberdade e, assim, concentrar boa parte dos dados que hoje estão disponíveis na internet. Neste sentido, a preocupação dos ativistas é a de encontrar uma maneira efetiva para que as pessoas, empresas, governos e veículos de comunicação dependam cada vez menos dessas ferramentas proprietárias e passem a se aproximar das tecnologias livres - que promovem autonomia, independência, liberdade de expressão e segurança em relação aos dados privados dos usuários.
As alternativas livres
[caption id="attachment_69049" align="alignleft" width="376"] Debate "Redes sociais privadas e a concentração de informação: como elas afetam o SL?" (Foto: Tárlis Schneider)[/caption]
"As pessoas caem na ilusão de que essas redes [Google, Facebook etc] são gratuitas, mas não sabem o preço que estão pagando com as suas informações", disse Antonio Terceiro. O desenvolvedor, inclusive, foi um dos brasileiros que contribuíram para a criação do servidor do Noosfero, uma rede social livre que nasceu, à época, para fazer um contraponto ao Orkut. Como o código do sistema é aberto, o usuário tem o controle total dos dados e garante sua privacidade, bem como tem a liberdade de criar páginas ou até outra rede social de acordo com com seus interesses e ainda interagir com outros sistemas.
O mesmo acontece com o Diaspora, outra rede social livre que contou com a ajuda de Anahuac para ser difundida no Brasil. Tanto o Noosfero como o Diaspora, ou ainda o RedMatrix - também uma plataforma de interação social livre - assim como qualquer plataforma de código aberto, se diferenciam das soluções proprietárias por trabalharem com o conceito de redes federadas, que são conjuntos ilimitados de servidores espalhados pelo planeta se comportando como um único organismo. Nessa lógica, qualquer pessoa ou organização, em qualquer lugar do mundo, pode subir uma instância de rede e se conectar com outros usuários e outros servidores, todos autônomos e independentes.
"A ideia é que ninguém vai conseguir ser monitorado no seu próprio servidor. Se não souber ou não querer, você pode optar por qualquer servidor no mundo que melhor atenda aos seus interesses. Por ser livre, você jamais será restringido porque o tema desse servidor foi você quem escolheu. Se você quer uma rede só para falar de maconha, mas não pode porque no Brasil é proibido, você pode abrir um servidor no Uruguai, onde não é, por exemplo", explicou Anahuac.
De acordo com o ativista, o direito ao anonimato, a liberdade de expressão e a garantia de que sua conta não será deletada só é possível dentro de um conceito de redes federadas. É o caminho oposto ao da centralização defendida pelo Facebook, pelo Google e por outras plataformas proprietárias, como o WhatsApp.
"Em qualquer uma dessas redes, seja WhatsApp, Telegram, Viber ou Skype, você tem que estar dentro do cercadinho que os desenvolvedores determinaram. Se eu tenho WhatsApp e você tem Telegram, nós não conseguimos nos comunicar. E estamos em 2015. Isso é um absurdo", afirmou Felipe Saraiva, dando como exemplo de alternativa a plataforma livre Jabber, que pode se conectar com qualquer outro sistema.
O paradoxo dos ativistas
Ainda que as redes livres trabalhem na lógica colaborativa do software livre e proporcionem inúmeras vantagens ao fortalecimento da democracia ao descentralizar as informações, a tarefa de fazer com que as pessoas migrem para essas redes é árdua, tendo em vista as inúmeras 'falsas' comodidades que as soluções privativas oferecem. Se aventurar em uma rede livre exige paciência e preparo, já que é o próprio usuário - autônomo - quem constrói suas próprias ferramentas, além de uma boa dose de militância, já que quase todas as informações da internet estão concentradas nas redes privadas.
"É preciso se manter longe das redes privadas. Muitos falam que preferem as redes tradicionais porque ganham 'comodidade'. Amigo, eles
[caption id="attachment_69050" align="alignright" width="371"] Para Anahuac, ativistas, especialmente, não devem usar o Facebook (Foto: Tárlis Schneider)[/caption]
ganharam sua vida. Essa conta não fecha", disparou Anahuac como forma de tentar convencer os demais palestrantes a abandonarem seus perfis no Facebook e similares.
"Como ativista, usar qualquer rede como essa é contribuir para ajudar a escravizar cada vez mais as pessoas. O objetivo por trás dessas ferramentas não é te vender um produto ou prestar um serviço, é o controle absoluto do que você faz ou do que nós fazemos em sociedade", completou.
Esse é um paradoxo entre os ativistas do software livre. Alguns, como Anahuac, são mais radicais pois acreditam que não há como militar pela causa utilizando essas redes pelo simples fato de que sua utilização legitima a lógica proprietária, que é justamente contra o que estão lutando. Outros já acham que não há como se comunicar de forma efetiva - mesmo para militar - se abandonar o Facebook completamente.
"É um paradoxo mesmo. Ou você posta as coisas em um local onde as pessoas vejam e compartilhem, ou a sensação é que não estamos nos comunicando direito. Por isso, incentivamos as pessoas a utilizar outras redes sociais e outras plataformas como forma de promover um equilíbrio e tentar descentralizar", disse Gabriel Gilli, utilizando como exemplo a comunicação do Fórum Internacional Software Livre, que não abandonou o Facebook para se comunicar, mas que utiliza inúmeras outras plataformas - incluindo o site do Fórum desenvolvido em uma plataforma livre - para disseminar seus conteúdos.
"A gente precisa, de alguma forma, atingir as pessoas que não compartilham das nossas ideias. No mundo real, você pode escolher as redes sociais proprietárias e levar a ideia do software livre para as pessoas, com todas as contradições que isso carrega, ou simplesmente não usar", provocou Antonio Terceiro.
Anahuac, porém, explicou que publicar um conteúdo em uma rede social privada não é o grande problema. As graves consequências, na prática, estão no momento em que uma organização ou uma pessoa passa a vivenciar, como um todo, a experiência da rede social privada que, nas palavras do ativista, são as 'redes devassas'.
"São redes devassas. Devastação é um percurso que envolve traição, desrespeito e atitudes amorais e imorais. Quando faço um chamamento para não usá-las, é um chamamento para não vivenciá-las. O FISL ter no Facebook mais um ponto de publicação não é um problema imediato. O problema é a vivência da rede. Começou a responder uma mensagem, curtir algo, replicar uma postagem... Pronto. Seu PC está infectado, seu sistema está infectado e você está infectado", afirmou, disparando toda a sua artilharia contra a empresa de Zuckerberg.
"Temos que pensar o Facebook como um Estado ditatorial. Tem um ditador que é o dono, tem poder de polícia para te cercear e te privar com um conceito moralista e ético muito particular". Ainda que os desafios desses militantes seja grande, é unânime o entendimento de que, no mundo do Software Livre, está se trilhando o caminho certo para uma internet mais democrática e plural, conforme pontuou Felipe Saraiva.
"O que a gente tenta fazer é meio a história da esquerda: nós temos um ideal, uma utopia e estamos caminhando para lá".
Para conhecer mais sobre o mundo das tecnologias livres e as alternativas disponíveis para os usuários, acesse a página do projeto Software Livre Brasil.
Foto: Reprodução