Para contrários à propostas, empresas de comunicação escondem os interesses comerciais por trás da campanha e dizem que se trata de um subterfúgio para acabar com o programa
Por Redação
As emissoras comerciais de rádio e TV estão em campanha pela mudança da legislação para que o horário do programa radiofônico A Voz do Brasil seja flexibilizado, permitindo que cada rádio defina o início de sua veiculação entre as 19h e 21h. Para os defensores do programa, se tal proposta for aprovada seria inviável que sua veiculação fosse fiscalizada pelo Estado brasileiro permitindo, consequentemente, seu fim.
Em função da Copa do Mundo, foi lançada uma campanha publicitária nas concessões públicas que convocam a população a assinar um abaixo-assinado, que até o momento possui pouco mais de 50 mil assinaturas (veja aqui). As rádios argumentam que os torcedores não conseguirão acompanhar os jogos, apesar de nenhuma partida da seleção brasileira acontecer no horário do programa e nem todas as emissoras realizarem a transmissão das partidas ao vivo. Ativistas de comunicação consideram que se trata de uma "campanha que não informa por completo o que está em jogo e ainda se aproveita do interesse do cidadão pelo futebol para tentar levá-lo a pressionar os parlamentares pela aprovação do projeto".
Existem cerca de 6 mil emissoras espalhadas por todo o país. Os críticos à proposta das rádios dizem que seriam necessários milhares de servidores públicos diariamente sintonizando localmente todas as rádios em cada canto do Brasil, entre 19h e 21h, para acompanhar se a lei estaria sendo ou não cumprida. Dizem ainda que em vez de defenderem abertamente o fim do programa, as empresas privadas de comunicação optaram por "este subterfúgio, uma espécie de disfarce para tentar convencer mais facilmente a sociedade, o Congresso Nacional e o Executivo e Judiciário com o discurso de que seria 'apenas uma flexibilização'".
Pesquisa recente da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República apontou que 68% da população brasileira conhece o programa (veja aqui). Dos 136 milhões de brasileiros que disseram conhecer A Voz do Brasil, 69% consideram o conteúdo ótimo/bom ou regular. Portanto, mais de 93 milhões de brasileiros o aprovam. Apenas 12% consideram o conteúdo ruim/péssimo. E 20% não sabem ou não responderam.
A pesquisa também revelou que 33% da população, ou seja, mais de 66 milhões de brasileiros escutam o programa ao menos uma vez por semana. Para ativistas, aqui está a chave para entender o interesse das emissoras por este horário. Em primeiro lugar querem ter o direito de inserirem comerciais às 19h ampliando seu faturamento publicitário. O objetivo, neste caso, é transformar os 66 milhões de “cidadãos ouvintes” em “consumidores” para ampliar a base de negociação com seus anunciantes e lucrar ainda mais com o serviço de comunicação.
Uma das perguntas apontadas é: “As outras 23 horas diárias de segunda a sexta-feira livres para a inserção de comerciais já não são suficientes para permitir a manutenção e lucro das emissoras?” São. Mas, de acordo com os contrários ao projeto das rádios, aí existe o segundo e principal interesse que não está expresso no discurso dos que defendem a mudança: as empresas privadas de comunicação não querem que o Estado brasileiro (poderes executivo, legislativo e judiciário) tenha um instrumento diário nacional de comunicação direta com a população, ou seja, conteúdos informativos que não passem pelo filtro editorial das empresas comerciais e que atinge semanalmente 66 milhões de brasileiros. Querem ser os únicos a construírem os discursos, narrativas e versões dos fatos que acontecem no Brasil.
Para essas empresas, o Estado somente pode levar informação ao cidadão por meio da publicidade oficial. É fácil entender: somente o Poder Executivo Federal garantiu em 2013 mais de R$ 2,3 bilhões aos veículos de comunicação do país. Se o Estado não pode ter um veículo informativo diário de comunicação por que pode produzir sozinho um conteúdo publicitário e veiculá-lo em rede nacional através das emissoras de TV, rádio, jornais, revistas e internet?
A tese central no discurso dos que defendem a mudança do programa é que A Voz do Brasil seria “uma aberração em uma democracia e diretamente ligada à ditadura já que foi criada na época em que Getúlio Vargas era o presidente”. Ao invés de analisarem o conteúdo, optam por reforçar a tese simplista de que tudo o que foi criado em uma época ditatorial é ruim “por si só”. Redes privadas de comunicação também foram criadas na época da ditadura militar no Brasil. Somente por isso também prestam até hoje um desserviço ao país?
Em 14 de abril de 2014 foram abordados os seguintes temas nos 25 primeiros minutos de A Voz do Brasil: combate às fraudes no programa Minha Casa Minha Vida; a inauguração de um petroleiro com capacidade para transportar um milhão de barris de petróleo; a conclusão de uma adutora que vai garantir o abastecimento de água potável vinda do Rio São Francisco para 177 mil pessoas em Pernambuco; os investimentos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que emprestou a agricultores familiares mais de R$ 16,5 bilhões para a Safra 2013/2014; a liberação de recursos para Unidades de Pronto-Atendimento, em 23 cidades de nove estados; a cheia histórica do Rio Madeira que afetou a população amazônica, o prazo para a Declaração do Imposto de Renda e a abertura das inscrições para o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (veja aqui).
Os assuntos não têm de relação com uma ditadura. Portanto, o programa é um instrumento de comunicação complementar no cenário da mídia nacional que também contribui para garantir a transparência das informações dos poderes, dos investimentos, ações e serviços colocados à disposição dos cidadãos, os seus direitos e das iniciativas e debates em curso nos três poderes. Os 66 milhões de brasileiros que acompanham o programa sabem disso. Estes podem e devem avaliar e criticar os assuntos e informações veiculadas colaborando para a melhoria do programa e a garantia da sua finalidade.
A Constituição brasileira garante que a informação é um direito do cidadão e prevê que os sistemas de comunicação público, estatal e privado sejam complementares. Este último domina quase que a totalidade do cenário midiático do país há décadas. Tal concentração já foi apontada em diversos estudos como prejudicial à pluralidade, à diversidade e à democracia, e é aqui muito superior ao registrado em diversos outros regimes democráticos no mundo. A Voz do Brasil é o último veículo de comunicação de massa independente dos interesses comerciais. Flexibilizar seu horário será, na prática, abrir o caminho para a extinção do programa.
A Voz do Brasil, o mais antigo programa radiofônico do gênero no mundo, completa 80 anos, em 2015. No Senado tramita outro projeto de lei (PL 19/2011) que transforma o programa radiofônico em Patrimônio Imaterial e Cultural do Povo Brasileiro.
Caberá aos Poderes da República e aos cidadãos brasileiros avaliarem o que será pior para a democracia e o direito à informação. Essa decisão não está sob o controle apenas das empresas diretamente interessadas no tema e seus representantes no Congresso Nacional. Ativistas alertam para a falta de debate plural com as diversas opiniões e informações ocupando o espaço midiático de forma equilibrada. Por enquanto, apontam, há a defesa unilateral de uma tese e de interesses comerciais e políticos.