A gratuidade de redes como o Facebook e seu zero-rating (dados patrocinados) podem na verdade criar castas digitais, condenando pessoas à ignorância virtual com a descontextualização e o controle de informações que usuários podem receber
Por João Carlos Caribé, em Entropia!
A neutralidade da rede teve um dia especialmente dedicado durante o último Fórum de Governança da Internet em Istambul, três painéis foram dedicados ao assunto. O primeiro foi exatamente sobre Zero-Rating: Net Neutrality, Zero-Rating & Development: What’s the Data?, o segundo foi Network Neutrality: a Roadmap for Infrastructure Enhancement e, por último, a sessão principal Network Neutrality: Towards a Common Understanding of a Complex Issue. O tema zero-rating foi abordado nos três painéis.
Zero-rating, ou dados patrocinados, é a prática das operadores de redes móveis (MNO) e operadores móveis virtuais (MVNO) de não cobrar os clientes finais para um volume bem definido de dados de aplicações específicas ou serviços de Internet via rede sem fio da MNO em planos de dados limitados ou medidos e tarifas.
O preço desta gratuidade será muito elevado para os países em desenvolvimento.Eu percebo que os danos da taxa zero superam os benefícios, no Brasil, por exemplo, Facebook grátis refletiu numericamente as metas de inclusão digital do governo, mas, por outro lado, temos novos usuários condenados a ser analfabetos digitais eternos.
Imaginem as pessoas que sua primeira experiência com a Internet foi através de serviços zero-rating. Você deve admitir que há uma grande diferença entre a sua percepção da Internet, como imigrante digital, e a percepção de nativos digitais.Imaginem o tamanho da lacuna entre a percepção da Internet por alguém que foi “letrado digitalmente” com antolhos.
Os proponentes do zero-rating argumentam que o usuário tem livre escolha de conteúdos, mas como eles podem escolher entre opções que ele desconhece? Mais de 76% dos celulares são pré-pagos no Brasil, os menos favorecidos muitas vezes creditam valores baixos em seus celulares, e com pouca frequência, uma vez que eles podem continuar recebendo chamadas por meses sem qualquer valor de crédito. Mas com zero-rating podem acessar gratuitamente o Facebook, a sua visão de Internet. A qualquer momento, quando um link externo é clicado,uma mensagem informa ao usuário que se ele continuar será cobrado. Não é difícil imaginar o que este usuário vai decidir.
Por simplesmente limitar as possibilidades de acesso para um segmento da nossa sociedade, estamos criando um verdadeiro sistema de castas digital, onde os mais pobres serão condenados à eterna ignorância digital. Eli Pariser, em seu livro “The Filter Bubble”, mostra como a personalização (a bolha) afeta a criatividade: limitar o “horizonte de soluções”, descontextualizar informações e reduzir as possibilidades de busca e de aquisição de mais informações. É necessário ter muito cuidado com a generosidade oferecida pelo zero-rating, o provedor de conteúdo pode criar um sistema de curadoria, proporcionando uma inclusão digital falsa, mas mantendo o controle das informações que os usuários podem receber, o nome disto é controle social.
A outra face desta ameaça já está em andamento no Chile, onde as empresas de telecoms estão dizendo que a neutralidade da rede é a razão do Chile ter “matado” o livre acesso à Wikipedia e Facebook. A perplexidade sobre essa compreensão é a tentativa de naturalizar o zero-rating, como conceito de acesso gratuito à Internet. Esta batalha virá em breve no Brasil com a regulamentação do“Marco Civil“, que pode proibir o zero-rating.
Movendo-se para a arena dos empreendedorismo, zero-rating é muito perigoso para a inovação, uma vez que o usuário não pode ver e experimentar novos projetos e serviços on-line até que o empreendedor faça um acordo zero-rating.
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