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Muita gente continua perplexa com o futuro que é hoje, uma realidade cíbrida, termo cunhado por pesquisadores de arte e da Web. Uma realidade em que estamos online e offline o tempo todo, em celulares e redes
Por Elizabeth Lorenzott, no Observatório da Imprensa
“Você me acha um homem lido, instruído?”
“Com certeza”, respondeu Zi-gong. “Não é?”
“De jeito nenhum”, replicou Confúcio. “Simplesmente consegui achar o fio da meada.” (Sima Qian, Confúcio. Do prólogo do livro de Manuel Castells,A Sociedade em Rede, Volume I, Editora Paz e Terra , 1999)
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Página da Mídia Ninja no Facebook (2/7/2013):
“A revolução será postelevisionada. Já são 72 horas de transmissão ininterrupta da Ocupação da Câmara Municipal de Belo Horizonte.”
Em 1970, Gil Scott-Heron lançou esta música, que marcou uma geração: “A revolução não será televisionada”.
Mais de 40 anos depois, entretanto, as novas mídias corrigem o artista: a revolução, seja ela qual for, será transmitida e retransmitida pela internet, esta outra grande revolução do território do nosso pensamento. Mas não o corrigem em tudo: “The revolution will be live/ A revolução será ao vivo”.
Enquanto isso, muita e muita gente continua perplexa com o futuro que é hoje, uma realidade cíbrida, termo cunhado por pesquisadores de arte e da Web, estudiosos da cibercultura (ver abaixo). Uma realidade em que estamos online e offline o tempo todo, em celulares e redes.
Lendo análises de alguns de nossos intelectuais sobre as jornadas de junho de 2013, chego à conclusão de que eles parecem desconhecer o novo mundo em que vivem no século 21. Que suas categorias de pensamento precisam ser urgentemente revistas, pois existe uma nova forma de vida em sociedade, desterritorializada e desespacializada. “A linearidade cognitiva, discursiva e ideológica do século 20 está posta em xeque”, como leio em João Telésforo, um jovem mestre em Direito, de 25 anos, na rede.
Na última edição da revista Teoria & Debate, a professora de filosofia Marilena Chauí, 71 anos, escreve sobre as manifestações de junho. Aqui, o objetivo não é discutir sua análise política da conjuntura, mas chamou minha atenção, e a de muitos usuários de redes sociais, esta afirmação:
“A convocação foi feita por meio das redes sociais. Apesar da celebração desse tipo de convocação, que derruba o monopólio dos meios de comunicação de massa, entretanto é preciso mencionar alguns problemas postos pelo uso dessas redes, que possuem algumas características que as aproximam dos procedimentos da mídia”.
Marilena Chauí enuncia os seguintes problemas [grifos meus]:
1. – “é indiferenciado: poderia ser para um show da Madonna, para uma maratona esportiva etc., e calhou ser por causa da tarifa do transporte público”;
2. – “tem a forma de um evento, ou seja, é pontual, sem passado, sem futuro e sem saldo organizativo porque, embora tenha partido de um movimento social (o MPL), à medida que cresceu passou à recusa gradativa da estrutura de um movimento social para se tornar um espetáculo de massa.(Dois exemplos confirmam isso: a ocupação de Wall Street pelos jovens de Nova York, que, antes de se dissolver, tornou-se um ponto de atração turística para os que visitavam a cidade; e o caso do Egito, mais triste, pois, com o fato de as manifestações permanecerem como eventos e não se tornarem uma forma de auto-organização política da sociedade, deram ocasião para que os poderes existentes passassem de uma ditadura para outra);
3. – assume gradativamente uma dimensão mágica, cuja origem se encontra na natureza do próprio instrumento tecnológico empregado, pois este opera magicamente, uma vez que os usuários são, exatamente, usuários, e portanto não possuem o controle técnico e econômico do instrumento que usam – ou seja, desse ponto de vista, encontram-se na mesma situação que os receptores dos meios de comunicação de massa. A dimensão é mágica porque, assim como basta apertar um botão para tudo aparecer, assim também se acredita que basta querer para fazer acontecer. Ora, além da ausência de controle real sobre o instrumento, a magia repõe um dos recursos mais profundos da sociedade de consumo difundida pelos meios de comunicação, qual seja, a ideia de satisfação imediata do desejo, sem qualquer mediação.”
“Sério que ela escreveu isso?”, perguntou um internauta no Facebook, na página de um dos coordenadores da Casa Fora do Eixo, que ancora a mídia digital independente POSTV (ver “POSTV, de pós-jornalistas para pós-telespectadores“).
O convite “poderia ser para um show da Madonna, para uma maratona esportiva etc., e calhou ser por causa da tarifa do transporte público”. Desta forma, a professora Marilena Chauí desconsidera não apenas os dez anos de existência e ativismo do Movimento Passe Livre. Ela desconsidera a força e o poder de multiplicação das mensagens nas redes sociais, especialmente neste caso, quando elas embutiram consonância com (vários) problemas da população e impactaram suas mentes.
As redes sociais foram criadas a partir dos anos 1980 pelos libertários do movimento da contracultura. (John Perry Barlow, letrista do grupo Greatful Dead, dos anos 1960, foi um dos pioneiros e a comunidade mais eficiente e duradoura, a The Well, de 1985. Sem essas comunidades, Facebook, Twitter e todas as outras talvez nunca tivessem existido. Um sonho libertário que hoje, apesar de todas as tentativas de controle, continua dando frutos.)
Tem razão a professora, os usuários “não possuem o controle técnico e econômico do instrumento que usam”. Mas nesta chamada “dimensão mágica”, não basta “apertar um botão para tudo aparecer”. Ligando-se o computador e acessando pela primeira vez uma rede, construindo seu perfil, o usuário poderá ficar para sempre na frente da tela em branco que lhe pede informações e adição de amigos. Tudo começará a acontecer quando ele encontrar amigos, interagir com eles e com os amigos de amigos. Compartilhar aquém e além-mar e ar seus gostos e desgostos, seus trabalhos, suas criações, trocar ideias, conhecer, desconhecer, deletar, adicionar, curtir, combinar, marcar encontros, falar bem ou mal de alguém e/ou das instituições, criar álbuns de fotos e de vídeos. Descobrir que pode ser censurado pelas regras difusas do dono do Facebook, a rede preferida pelos brasileiros, se postar fotos de nu frontal, se for denunciado por algum usuário ou pela rede de “revisores” contratados por Mark Zuckerberg – conforme a empresa mesmo tentou explicar recentemente (https://www.facebook.com/FacebookBrasil, ver post de 27 de junho) –, se “incitar a violência” etc., e mesmo se fizer muitos amigos “não conhecidos pessoalmente”.
Assim, não basta apenas apertar um botão, é preciso descobrir o fio da meada, como diz Confúcio.
Memória preciosa
No domingo (7/7), o portal iG publicou entrevista com o sociólogo Francisco Oliveira, 79 anos. Segundo Oliveira, professor emérito da Universidade de São Paulo (USP), um dos ícones do pensamento de esquerda no Brasil, bastante crítico ao PT, as manifestações não foram nada demais, talvez apenas um espasmo diluído na falta de demandas claras. O professor admitiu desconhecer os motivos que levaram milhões de brasileiros às ruas e afirmou, corretamente, entretanto, que não é o único. “Ninguém sabe. Estão todos chutando hipóteses”.
Entretanto, o professor não se referiu, nem lhe foi perguntado, à sociedade em rede e ao papel das redes sociais nas jornadas de junho. Na verdade, a maioria das entrevistas feitas pela mídia tradicional impressa e televisiva, ou não menciona, ou passa rapidamente pelo assunto.
Já seu colega, o professor aposentado da USP e doutor pela Universidade de Paris X, Nanterre, Paulo Arantes, 70 anos, filósofo e importante pensador marxista brasileiro – que deu uma aula pública na frente da Prefeitura de São Paulo, convidado pelo Movimento Passe Livre –, entrevistado pelo Estado de S. Paulo (26/6/2013), afirmou que, quanto ao “caráter difuso” das demandas, trata-se de um bordão pejorativo porque, em sua infinita variedade, além de serem de uma espantosa precisão – nada menos do que tudo, como o Terceiro Estado em 1789 queria tudo por não ser nada – elas sugerem um limiar que no fundo ainda não se ousou transpor.
Ele também não falou, nem foi perguntado, sobre o papel das redes sociais. Porém ficarei com essa bela frase: [as demandas] “sugerem um limiar que no fundo ainda não se ousou transpor”.
Registro que não se trata de estigmatizar pensadores pela idade, mas de constatar o quanto representantes dessa brilhante geração de acadêmicos, que tanto contribuiu para jogar luz sobre complexas questões do século 20, está distanciada dos novos desafios propostos pela sociedade em rede. Aqueles que não vivem a rede não têm condições de entendê-la por ouvir falar. E, se apresentam dificuldade de manejar as novas ferramentas da comunicação, têm obrigação de fazê-lo enquanto quiserem continuar contribuindo com suas análises.
Por sua vez, o antropólogo Hermano Vianna, 62 anos, em sua coluna em O Globo (28/6/2013), apresenta-se como ex-usuário do Orkut e atual do Facebook, que considera um “território antipático”, com razão, ao acentuar o controle da empresa para a qual os usuários trabalham de graça.
“Por isso, fico assustado quando constato que as manifestações que tomaram conta das ruas brasileiras lutando por uma vida pública (tudo começou com a batalha pela melhoria do transporte público) mais democrática sejam ‘agendadas’ dentro de condomínio controlado por uma das corporações de mídia mais poderosas do planeta (e que bloqueia nossos perfis se publicamos fotos de mulher com os peitos de fora) [grifo meu].”
E continua:
“Imaginem se o Facebook decidir que quer ‘descontinuar’ sua rede social. Onde vai parar a memória deste momento central da história brasileira? Mesmo que o Facebook não acabe nunca: daqui a uma década, tente encontrar um evento da semana passada. (...) Que falta isso fará? Seremos muito felizes desmemoriados ou talvez vamos precisar da ajuda do FBI, que deve manter todos nossos ‘eventos’ arquivados em alguma pasta secreta, para lembrar dos nossos anos ciber-rebeldes.”
Vianna, que vive a rede, e com propriedade aponta seu controle, não deve temer quanto às convocações das manifestações dentro desse “condomínio controlado”. Pois ele não consegue ser suficientemente controlado para impedir, qualificar ou desqualificar chamamentos em todo o mundo, de São Paulo a Istambul, de Poços de Caldas a Barcelona etc. Mas seus usuários podem sim, como o fizeram em junho, dia após dia, denunciar uma convocação de “greve geral” por um perfil provocador e que já contava com cerca de 500 mil adesões – explicando, discutindo e esvaziando seu objeto.
Vianna também se esquece de que nesta mesma rede, pessoas e entidades as mais variadas estão documentando de forma impressionante os acontecimentos por meio de coberturas intensas de streaming, fotos, textos etc. Portanto, o resgate já está feito e, de qualquer forma, se o FBI e a CIA podem vasculhar, xeretar, arquivar, fazer de tudo com a vida virtual de bilhões pelo mundo, por que equipes de pesquisadores não podem também ser os guardiães dessa memória preciosíssima das jornadas de junho nas redes sociais, por exemplo? (Ver post "Matilha Cultural e parceiros organizam mostra 'Calar a boca nunca mais!'")
“Um limiar que ainda não se ousou transpor”
O cibridismo, estado de se estar online e offline simultaneamente, tem uma de suas conceituadoras na estadunidense Amber Case, que não é acadêmica, mas se apresenta como uma antropóloga ciborgue. Ela escreveu um Dicionário de antropologia ciborgue.
Amber explica que...
“...nossa maneira de socialização está passando por mudanças. Com certeza um nativo digital (pessoa que nasceu e cresceu com as tecnologias digitais presentes em sua vida) já possui uma plasticidade cerebral adaptada à interação com gadgets e enxerga nas redes sociais não uma novidade, mas uma tecnologia de rotina.”
Em São Paulo, a artista digital, pesquisadora e professora da FAU-USP Giselle Beiguelman (ver aqui) lembra que...
“...a TV nos possibilitou consumir ao mesmo tempo imagens – porque sons o rádio já fazia – independentemente do espaço de localização. A internet esmigalhou com essas questões de ponta a ponta. Você pode produzir para além da confluência do tempo e do espaço. Trabalhar coletivamente em espaços diferentes e em temporalidades assincrônicas.”
O sociólogo espanhol Manuel Castells, que tem se dedicado a entender os novos movimentos sociais planetários, em entrevista a O Globo (29/6/2013) afirmou que “as mídias sociais só permitem a distribuição viral de qualquer mensagem e o acompanhamento da ação coletiva”. E que, ao contrário do que estudávamos em Marshall McLuhan, na década de 1970, “o meio não é a mensagem. Tudo depende do impacto que uma mensagem tem na consciência de muitas pessoas”.
Segundo Castells, o que existe em comum entre os movimentos sociais contemporâneos...
“...são as redes na internet, presença no espaço urbano, ausência de liderança, autonomia, ausência de temor, além de abrangência de toda a sociedade e não apenas um grupo. Em grande parte os movimentos são liderados pela juventude e estão à procura de uma nova democracia.”
Sobre o legado do movimento Occupy, nos EUA, Castells afirma que “deixou novos valores, uma nova consciência para a maioria dos americanos”.
E os indignados espanhóis? Conseguiram “muitas vitórias, especialmente em matéria de direito de hipoteca e despejos de habitação e uma nova compreensão completa da democracia na maioria da população”.
O catedrático de sociologia e planejamento urbano e regional da Universidade da Califórnia respondeu desta forma à pergunta “países que controlam a internet, como a China, estão livres dessas manifestações?”
Castells– “Não, isso é um erro da imprensa ocidental. Há muitas manifestações na China, também organizadas na internet, como a da cidade de Guangzhou (no sul do país), em janeiro passado, pela liberdade de imprensa (o editorial de um jornal foi censurado e isso motivou as primeiras manifestações pela liberdade de expressão na China em décadas. Pelo menos 12 pessoas foram detidas, acusadas de subversão)”.
O italiano Paolo Gerbaudo, sociólogo e jornalista, é doutor em Mídia e Comunicação pelo Goldsmith College, professor de Cultura Digital e Sociedade do King's College, em Londres. Em entrevista à Folha de S.Paulo (8/7/2013) afirmou:
“A ascensão das redes sociais permite que a sociedade se organize de forma mais difusa, especialmente as classes médias emergentes e a juventude das cidades. Isso desorientou os políticos e os velhos partidos, que estavam acostumados a buscar consensos através dos meios de comunicação de massa.
“Os partidos têm pouco a fazer diante das novas formas de comunicação mediadas pelas redes sociais. A não ser que mudem completamente as suas práticas, baseadas no velho sistema de quadros e caciques locais, e se abram para novas formas de participação popular.”
Segundo Gerbaudo...
“...devido à ausência de uma estrutura formal, esses novos movimentos populares tendem a sumir com a mesma velocidade com que aparecem. É impossível manter uma mobilização de massa a longo prazo, como se viu nos indignados da Espanha ou no Occupy Wall Street.
“Mas, assim como aconteceu lá, é de se apostar que o outono brasileiro vai ressurgir em novas ondas e novas formas. Estamos vivendo tempos revolucionários, em que as pessoas voltaram a sentir que podem mudar o mundo (...)”.
É preciso sair do século 20
No dia 1º de julho, o programa de TV Capital Natural, idealizado e produzido pela AIUÊ, uma produtora de documentários estratégicos criativos, ancorados pelo jornalista Fernando Gabeira (ver aqui), entrevistou Augusto de Franco, físico e criador da Escola-de-Redes (uma rede de pessoas dedicadas à investigação sobre redes sociais e à criação e transferência de tecnologias de netweaving)e o jornalista Bruno Torturra, da POSTV.
De acordo com Franco, em mais de mil cidades, as pessoas “enxameando” sem convocação centralizada foi algo nunca visto na história do Brasil. “É preciso sair do século 20 para entender o que estamos falando”, bradou. “A rede é um ambiente propício para a multiliderança. Não precisa líder profissional, porque caiu o princípio que você não pode organizar a ação coletiva sem líderes. O Movimento Passe Livre não liderou, foi o estopim, como na Turquia foi a praça”, afirmou.
Segundo Franco, “os governos de sociedade em rede terão de ser cada vez mais governos em rede, não ficar nos gabinetes, pois se tornarão obsoletos. E a vontade coletiva não vai se dar mais a partir da soma de pequenas opiniões de indivíduos. Entra em cena uma coisa que não é a soma. São tantas interações, que compõem outra realidade”.
Para o professor Evandro Vieira Ouriques,pós-doutor em Cultura de Comunicação da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, “as redes sociais são uma forma ótima de mostrar ao governo e às pessoas no poder o que você pensa. Mas elas são apenas uma ferramenta, não a transformação em si. A transformação real ocorre no território mental. Na reedição gradativa que você faz, sozinho ou com ajuda profissional – e sempre em rede – dos estados mentais (pensamentos, afetos e percepções) que utiliza como referência para sua ação no mundo. Trata-se portanto de eliminar do fluxo mental – sendo a mente entendida como o organismo todo –, os estados mentais que fazem parte do ‘regime de servidão’ e que você, na maior parte das vezes, de maneira inconsciente, repete”.
Os jornais e as redes sociais: autoridade sem centralidade
No dia 5 de julho, a Folha de S. Paulo começou a publicar textos com o objetivo de provar que a mídia tradicional é autoridade nas redes sociais (ver aqui). Em resposta, o professor Fábio Malini, do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) daUniversidade Federal do Espírito Santo – criado em 2007 para realização experimental de produtos digitais e a promoção de pesquisas e atividades de extensão sobre o impacto da cultura digital nos processos e práticas de comunicação contemporânea – postou em sua página no Facebook:
“Li agora a reportagem da Folha sobre o jornalismo. Na verdade, recebi um telefonema da Folha há alguns dias. O tema era o papel do jornalismo no protestoBR. Eu disse o que eu sempre digo, há anos: o jornalismo (as empresas) possui muitos RTs de seus posts por um motivo óbvio: possuem acesso rápido ao poder. Exemplo: o prefeito não quer abaixar a tarifa. E, de repente, por pressão popular, abaixa a tarifa. O jornal tem lá a fonte que bebe cafezinho com o prefeito e publica a notícia exclusiva. O que acontece depois nas redes sociais? Um monte de gente retuita a notícia publicada no jornal. Essa métrica leva a uma autoridade (afinal, gente de diferentes grupos retuitará a notícia). Isso também acontece com os perfis oficiais das mobilizações (eles viram autoridades por ter a exclusividade de notícias factuais). Mas, completei: o problema é que esse jornalismo (das empresas) possui autoridade, mas não centralidade. Aí isso deu um ‘nó’ no editor. Eu disse: a centralidade está com os ativistas. Porque a centralidade mensura a capacidade de um ‘nó’ (perfil) ser capaz de atrair conexões, distribuir conexões, ser ponte para outras pessoas, articular mundos. Coordenar uma ação. Não adianta você ser autoridade e estar isolado do mundo. O núcleo da interação (a densidade das relações) fica com os ativistas. A periferia das conversas com o jornalismos e seus fãs que tudo republicam.
“O que vocês acham que foi publicado? O jornalismo é uma autoridade nas redes sociais. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk”
Em uma coluna no domingo (7/7), o editor-executivo da Folha Sérgio Dávila (ver aqui), a partir de levantamento feito pelo jornal, afirma que “80% dos links compartilhados no Twitter com ‘hashtags’ ligadas aos protestos durante o auge do movimento tinham origem na mídia dita tradicional – quer dizer, era conteúdo produzido pela imprensa profissional, levando em conta os preceitos do bom jornalismo. Ainda de acordo com a pesquisa, páginas ligadas à imprensa no Facebook tiveram o compartilhamento de seu conteúdo pelo menos triplicado”.
No texto “Imprensa nas redes sociais: autoridade sem centralidade”, o professor Fabio Malini explica com detalhes o que resumiu no Facebook. Ele acentua que “quando computado o volume de RTS que os jornais recebem em relação ao número total de tweets, o resultado é mínimo”. Para o especialista...
“...não adianta a @folha ser autoridade e estar isolada do mundo social que interage intensamente. O núcleo da interação (a densidade das relações) fica com os ativistas, porque eles conversam, compartilham, republicam uns aos outros. Eles estão em contato e em contágio permanente, enquanto perfis como o da @folha ficam só difundido informações para seus milhares de seguidores”.
Então, conclui:
“O comportamento de alguns perfis de imprensa é o mesmo de muitos políticos. Publica a notícia, mas não escuta, não interage, não conversa com outros perfis nas redes, porque, afinal, querem ver tudo de longe. A regra não vale para todos os veículos de imprensa, alguns se aventuram nas ruas virtuais (e ganham centralidade). Mas são poucos”.
Mas a Folha de S.Paulo não publicou a explicação completa do professor na entrevista. Por isso, seu editor-executivo pode continuar confortavelmente, em berço esplêndido à la Luiz 14, acreditando na autoridade da imprensa tradicional.
Seria de interesse desta mídia avaliar melhor a conjuntura, em vez de se proteger com meias verdades. Este pensamento mágico não impedirá as mudanças, que já estão ocorrendo.
Há paradigmas demais sendo quebrados, como analisa a jornalista Ana Lagoa, especialista em gestão da inteligência empresarial:
“As novas ferramentas digitais, incluindo-se aí a Web, são estruturantes do pensamento e da ação, e estão forjando, dando forma e apontando roteiros da nova sociedade informacional. Nessa perspectiva, não é apenas uma mudança de foco ou de métodos. O paradigma mais importante que está sendo quebrado – não agora, com as manifestações de rua e seus efeitos colaterais, mas já há algum tempo, de forma quase invisível – é o lugar do poder. O que se observa é o deslocamento dos sujeitos, de seus lugares de conforto, para os não lugares, muitas vezes extremamente desconfortáveis, sobretudo para aqueles habituados a centralizar os poderes, nas mais variadas instâncias da vida social e não percebem que as ‘gavetinhas’ e as ‘hierarquias’ estão sendo demolidas e caminhamos para uma sociedade fractal, quântica, em que palavras como poder, controle, responsabilidade, cidadania e democracia assumem outras conotações ainda imprevisíveis. Isso tudo não é exatamente uma novidade. Está lá no Piaget, no Maturana, no Lévy, no Castells, mas só agora parece sair do estrito ciclo dos estudiosos.”
E por fim, notícia de última hora. Entre as muitas medidas tomadas por autoridades após as jornadas de junho, há mais uma novidade. O governo federal anunciou diálogo com jovens por meio de redes sociais. A Secretaria da Juventude informou que lançará um “observatório participativo”.
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Elizabeth Lorenzotti é escritora e jornalista, autora de Suplemento Literário – Que Falta ele Faz (ensaio),Tinhorão, o Legendário (biografia) e As Dez Mil Coisas (poesia)