O Senado aprovou nesta quarta-feira (21), por 54 votos a 13, o Projeto de Lei 2.159/2021, conhecido por ambientalistas como “PL da Devastação”. A proposta institui a nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental (LGLA), que, segundo especialistas e organizações da sociedade civil, representa um dos maiores retrocessos ambientais da história recente do país. Com mudanças em relação ao texto original aprovado na Câmara, o projeto retorna agora à análise dos deputados.
Apresentado originalmente em 2004, o PL passou quase duas décadas tramitando no Congresso, mas foi nos últimos anos — em especial com o apoio da bancada ruralista e de setores ligados à mineração e à indústria — que ganhou tração. A relatoria em Plenário ficou com a senadora Tereza Cristina (PP-MS), ex-ministra da Agricultura do governo Bolsonaro e uma das principais vozes do agronegócio no Senado.
Autolicenciamento e dispensa de estudos ambientais
Um dos pontos mais criticados do projeto é a ampliação da chamada Licença por Adesão e Compromisso (LAC). Antes restrita a empreendimentos de baixo impacto, a LAC agora poderá ser aplicada a obras de médio porte, desde que não envolvam áreas consideradas frágeis — algo que, na prática, pode deixar de fora uma avaliação rigorosa sobre os impactos ambientais reais. Trata-se de uma forma de “autolicenciamento”, onde o próprio empreendedor se compromete, por autodeclaração, a cumprir regras estabelecidas, sem a necessidade de análise prévia aprofundada.
Segundo Suely Araújo, ex-presidente do Ibama, o texto aprovado fragiliza o papel das instituições de controle, como o próprio Ibama, que já enfrenta um déficit de 4 mil servidores e conta hoje com apenas 200 analistas ambientais para fiscalizar milhares de processos.
Amazônia e territórios tradicionais sob ameaça
Outro dispositivo alarmante é a criação de uma nova categoria de licença, a Licença Ambiental Especial (LAE), que simplifica drasticamente o processo de licenciamento para projetos considerados “prioritários” pelo Executivo. A medida, proposta por Davi Alcolumbre (União-AP), foi interpretada como uma tentativa de viabilizar a exploração de petróleo na Amazônia, especialmente na Margem Equatorial, na bacia do Rio Amazonas — uma área extremamente sensível do ponto de vista ambiental e climático.
Estudo do Instituto Socioambiental (ISA) aponta que o novo marco pode reduzir drasticamente o número de áreas protegidas na Amazônia Legal, de 277 para apenas 102. Cerca de 18 milhões de hectares — o equivalente a todo o estado do Paraná — ficariam vulneráveis à degradação. A proposta também exclui do processo de licenciamento um terço das Terras Indígenas e cerca de 80% dos territórios quilombolas, se essas áreas ainda não forem oficialmente demarcadas.
Obras sem avaliação de impacto
O novo texto prevê ainda a renovação automática de licenças ambientais com base em autodeclarações, desde que a atividade não tenha mudado de porte ou natureza. Além disso, amplia a lista de obras isentas de licenciamento, incluindo manutenções em rodovias e outros empreendimentos considerados de baixo risco, o que pode abrir brechas para degradações ambientais não monitoradas.
Mesmo setores historicamente aliados do projeto, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), defendem que é necessário garantir segurança jurídica e celeridade. No entanto, críticos alertam que o projeto desequilibra a balança em favor do setor produtivo, sem garantir instrumentos eficazes de proteção ambiental e participação social.
Próximos passos
Com a aprovação no Senado, o projeto volta à Câmara dos Deputados, onde as alterações feitas pelos senadores precisarão ser validadas. Ambientalistas, movimentos sociais e parlamentares de partidos progressistas, como PT e PSOL, prometem intensificar a mobilização contra a proposta, considerada parte de um processo sistemático de desmonte da legislação ambiental brasileira iniciado durante o governo Bolsonaro e aprofundado agora com apoio do Congresso.
Presidente da Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado, Fabiano Contarato (PT-ES) afirmou, após a aprovação do projeto, que "o que está em jogo é um direito constitucional".
"O Senado aprovou o PL 2.159/2021, que flexibiliza o licenciamento ambiental, mesmo diante de inúmeros alertas sobre seus riscos. O texto ignora critérios técnicos e abre brechas para liberar empreendimentos sem a devida análise de impacto, além de enfraquecer a participação da sociedade. Licenciamento não é entrave. É proteção. É o que garante que o desenvolvimento ocorra com responsabilidade, sem colocar em risco vidas, territórios e ecossistemas. Fragilizar esse instrumento é abrir espaço para retrocessos ambientais graves. O projeto agora retorna à Câmara. Que lá haja mais responsabilidade com o presente e compromisso com o futuro. O que está em jogo é um direito constitucional: o direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado", declarou o senador.