Crise climática: 6 em cada 10 municípios estão extremamente vulneráveis

Levantamento obtido pela Fórum mostra que maioria das cidades brasileiras do Norte e Centro-Oeste têm baixa capacidade de adaptação a ondas de calor e secas

Seca do Rio São Francisco.Créditos: Marcello Casal jr/Agência Brasil
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De acordo com a Plataforma AdaptaBrasil, do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), 65% dos 5 mil municípios do Brasil, ou seja, 3.679 cidades espalhadas pelo país, possuem uma capacidade de adaptação muito baixa ou praticamente inexistente para enfrentar desastres climáticos, como ondas de calor, secas prolongadas e chuvas intensas. Os eventos climáticos extremos se tornaram uma rotina, e o Brasil, em particular, está mal preparado para essa nova realidade.

A classificação fornecida pela ferramenta avalia o grau de preparo das cidades para responder a desastres naturais, considerando elementos como investimentos públicos municipais, renda, governança e gestão de riscos. As regiões Norte e Nordeste, além de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, apresentam, em média, baixa capacidade adaptativa. Maranhão, Piauí e Paraíba estão entre os estados com nível muito baixo.

Por outro lado, os estados do Sul, São Paulo e Mato Grosso do Sul têm índice médio de adaptação, enquanto Rio de Janeiro e Espírito Santo são classificados com um nível alto. O Distrito Federal é o único a apresentar um nível muito alto de adaptação.

No gráfico abaixo, extraído pela Fórum na plataforma AdaptaBrasil, é possível ver as regiões mais vulneráveis a todos os fenômenos climáticos já registrados:

Índice de vulnerabilidade por município brasileiro. Foto: Revista Fórum / AdaptaBrasil

Dados da Confederação Nacional dos Municípios Desastres mostraram que quase 95% dos municípios brasileiros já foram atingidos pelos efeitos climáticos nos últimos dez anos, como emergências ou calamidades decorrentes de fenômenos extremos, como tempestades, secas, estiagens e incêndios florestais, além de perdas culturais imensas. Leia mais neste link

Uma matéria da Fórum também mostrou que avaliar o grau nível de risco de uma cidade diante da crise climática é necessário. O ICM é o Indicador de Capacidade Municipal em Proteção e Defesa Civil que mede o nível de preparação dos municípios frente aos efeitos das mudanças climática e foi criado pelo Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, além de ser parte do programa Gestão de Riscos e Desastres, que integra o Plano Plurianual (PPA), iniciado em 2024 até 2027.

Ele utiliza 20 variáveis e mapeia ações estratégicas, agrupando as variáveis em três dimensões: (1) Instrumentos de Planejamento e Gestão, (2) Coordenação Intersetorial e Capacidades e (3) Políticas, Programas e Ações

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No último 12 de fevereiro, o Ministério do Meio Ambiente anunciou o Programa AdaptaCidades, uma ação que o governo já defendia há algum tempo. O programa visa apoiar estados e municípios na construção de planos locais e regionais de adaptação às mudanças climáticas, dado que a crise climática é um desafio presente em todos os aspectos da gestão pública.

O projeto é voluntário e tem como objetivo capacitar os gestores públicos na elaboração de planos para adaptação às mudanças climáticas. Até o momento, 18 estados e o Distrito Federal aderiram, enquanto Mato Grosso, Minas Gerais, São Paulo e Pernambuco estão em processo de adesão. No entanto, Pará, Roraima, Sergipe e Paraíba não se inscreveram. E a Paraíba, junto com Maranhão e Piauí, é um dos estados com baixa capacidade de adaptação, segundo a Plataforma AdaptaBrasil.

O AdaptaCidades possui um orçamento de R$ 18 milhões, com recursos do Fundo Verde para o Clima e outras fontes de financiamento. Cerca de 500 municípios já se comprometeram a iniciar seus planos de adaptação, mas ainda são poucos diante dos 3 mil municípios vulneráveis ao clima extremo. 

Estudantes, trabalhadores, pretos, mulheres e população de baixa escolaridade são principais alvos

As temperaturas extremas afetam mais pretos, pardos, idosos, mulheres e população de baixa escolaridade no Brasil, segundo um estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O impacto é letal: entre 2000 e 2018, aproximadamente 48 mil brasileiros morreram em decorrência de bruscas elevações de temperatura, superando o número de óbitos causados por deslizamentos de terra.

O físico Djacinto Monteiro dos Santos, responsável pelo estudo conduzido no Departamento de Meteorologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), destaca a desigualdade no impacto dos eventos climáticos extremos: "Os eventos climáticos extremos não são democráticos, eles atingem muito mais aqueles que não têm acesso a recursos de adaptação."

"Situações socioeconômica precárias, que atingem as faixas mais pobres, levam a acesso também precário a condições de moradia, sistema de saúde e meios de prevenção"

Além disso, Santos explica que fatores urbanos contribuem para que regiões mais pobres sejam ainda mais impactadas. Como exemplo, ele compara a sensação térmica em diferentes áreas do Rio de Janeiro: "Quando a sensação térmica é de 45ºC na Zona Sul do Rio de Janeiro [onde estão bairros de famílias mais ricas], aí é de 58ºC em Bangu, na Zona Oeste [área mais pobre]."

Os pesquisadores analisaram mais de 9 milhões de registros de óbitos ocorridos durante períodos de ondas de calor no Brasil para estimar o número de vítimas. Entre as principais causas das mortes estão distúrbios circulatórios, doenças respiratórias e o agravamento de condições crônicas provocado pelas altas temperaturas.

Em diversas regiões do Brasil, trabalhadores e trabalhadoras que saem de casa para o trabalho já estão vivenciando os impactos da crise climática, muitas vezes sem perceber. O calor extremo e as chuvas intensas afetam principalmente os locais mais frequentados pela população, as áreas periféricas e atinge de forma desproporcional as comunidades mais vulneráveis, pobres, quilombolas e indígenas. É a realidade do racismo ambiental e climático.

Um relatório do Grupo de Estudos Saúde Planetária da USP, intitulado “Avanço e integração das políticas de clima e saúde no Brasil: percepções de stakeholders brasileiros”, também alertou para o descompasso entre as políticas de clima e saúde no Brasil. Segundo o estudo, o Sistema Único de Saúde (SUS) está sendo cada vez mais sobrecarregado por pessoas afetadas por eventos climáticos extremos, como ondas de calor, secas e enchentes, propulsores de doenças como dengue, malária, zika e chikungunya e outros problemas que agravam a saúde pública.

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