Dissociação coletiva impede combate à crise climática

Estudo mostra que sentimento comum de impotência diante dos fenômenos climáticos gera recusa na busca por soluções para a adaptação climática

Passageiros em ônibus no RJ.Créditos: Ricardo Borges / Folhapress
Escrito en MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE el

Para muitos brasileiros, enfrentar a crise climática parece impossível diante das manchetes diárias e trágicas (reais) sobre os efeitos climáticos ou até mesmo após sobreviver a algum impacto gerado pelos mesmos, ou por causa da rotina diária de trabalho ou porque o governo local não dá conta dos impactos. A certeza sobre as consequências de cada novo evento extremo também alimenta a chamada "ansiedade climática", um fenômeno descrito por psicólogos como a expectativa constante relacionada às chuvas intensas ou às ondas de calor ou qualquer fenômeno climático intenso.

A tendência com tudo isso é que o pensamento de urgência tende a se dissipar com o tempo, tornando a crise climática um tema que muitos preferem evitar pelo sentimento de impotência. É o que concluiu um estudo da Universidade de Cambridge, publicado em janeiro deste ano.

Pesquisadores observaram que a incompreensão do problema gerado pelo forte apelo emocional e traumático faz as pessoas se sentirem incapazes, levando a um sentimento de futilidade em relação a sua capacidade de contribuir para mudanças significativas de adaptação climática, a chamada dissociação coletiva, uma espécie de negacionismo climático.

A dissociação é um mecanismo de defesa em nível social, onde um grupo de pessoas se desconecta da realidade para evitar lidar com frustrações e traumas minimizando ou ignorando informações que desafiam suas crenças e assim, criando uma realidade compartilhada que os protege do sofrimento. “A ameaça existencial representada pelas mudanças climáticas à biodiversidade global e a identidade compartilhada afeta profundamente a mente humana”, diz o estudo.

“Preocupações sobre os riscos de mitigação e adaptação às mudanças climáticas evocam várias emoções, incluindo ansiedade, estresse e desconforto psicológico. Esses sentimentos ligam-se a riscos percebidos – funcionais, físicos, financeiros, sociais ou psicológicos – associados às mudanças climáticas”

Segundos os autores, ela se manifesta como apatia política, falta de engajamento comunitário e resistência a mudanças estruturais necessárias para mitigar os efeitos, sendo crucial que governos locais, estaduais ou federais promovam políticas públicas de enfrentamento e abordem tanto as causas quanto os efeitos psicológicos da crise climática.

“O ativismo climático empático, focado na proteção da saúde planetária e populacional, é essencial para combater a inação e a negação [...] Proteger a saúde da população é essencial para quebrar o ciclo de trauma climático. É necessária uma abordagem integrada para abordar a dissociação coletiva global”

O estudo aponta algumas estratégias, como:

  • Transparência e prestação de contas: É essencial que formuladores de políticas adotem maior transparência no financiamento político e na tomada de decisões, garantindo que as ações governamentais estejam alinhadas com o interesse público por medidas climáticas eficazes.
  • Sustentabilidade e Monitoramento: Práticas sustentáveis devem ser priorizadas, com um rigoroso acompanhamento dos avanços e a flexibilidade necessária para incorporar novas descobertas científicas e tecnológicas no combate às mudanças climáticas.
  • Educação e Conscientização: Campanhas de informação sobre os impactos da crise climática na saúde mental são fundamentais para ampliar o conhecimento da população e mobilizar apoio para ações concretas. Ao promover uma compreensão mais profunda do trauma climático, essas iniciativas ajudam a fortalecer a resiliência coletiva.
  • Atenção às populações vulneráveis: As políticas públicas devem priorizar as comunidades mais afetadas pelas mudanças climáticas, promovendo inclusão social e fortalecendo mecanismos de adaptação e proteção.

Acesse a pesquisa completa neste link.

A abordagem saúde-clima

Diferentes reportagens da Fórum mostraram que falar de crise climática e saúde no Brasil ainda é um tema pouco debatido. O Sistema Único de Saúde (SUS) está sendo cada vez mais sobrecarregado pelas consequências de eventos climáticos extremos - ondas de calor, secas e enchentes - propulsores de doenças como dengue, malária, zika e chikungunya e outros problemas que agravam a saúde pública.

As cidades não são preparadas para lidar com os efeitos da crise climática, facilitando o surgimento de problemas de saúde física e mental, mortes, lesões ou infartos decorrentes das temperaturas extremas, deslizamentos ou alagamentos. Já é certo que a cada evento climático extremo curto ou prolongado a população periférica seja o alvo, assim como trabalhadores e grupos mais vulneráveis.

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