Um estudo da Universidade Federal de Goiás publicado na revista “Biological Conservation“ mostrou os impactos do Marco Temporal em Terras Indígenas (TI) e na biodiversidade. As áreas indígenas, que representam aproximadamente 13% do território nacional, estão concentradas na Amazônia Legal. Atualmente, várias TI são alvo de uma disputa judicial acerca do marco temporal, que determina que os povos indígenas só têm direito às terras ocupadas ou em conflito na época da promulgação da Constituição Federal de 1988.
Das 495 terras indígenas analisadas, abrangendo demarcações anteriores e posteriores à Constituição de 1988, além de territórios em disputa, 478 podem ser afetadas pelo marco temporal. Isso representa uma possível perda de direitos sobre cerca de 9 mil km² de terras.
Em entrevista à Fórum em agosto do ano passado, a presidenta da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep) que acompanha a Comissão de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, Rivana Ricarte destacou que a insistência na discussão do Marco Temporal traz riscos.
“É preciso ter em conta que eles se expressam em direitos coletivos onde a questão do tempo, do nascimento e da morte é significativamente alterada, na medida em que tais direitos nascem com o povo a que se referem sob o ponto de vista do reconhecimento de seu direito fundamental à vida e a existir conforme seus usos, tradições e costumes. Por esse motivo, não há sentido falar em marco temporal”, destacou especialista à época.
Leia a entrevista completa: “Não há sentido falar em marco temporal”, diz defensora dos direitos dos Povos Indígenas
Além da proteção humanitária e cultural dos povos indígenas, conforme previsto no artigo 231 da Constituição de 1988, as terras indígenas também desempenham um papel central na preservação da biodiversidade e no combate às mudanças climáticas. “No entanto, a aprovação da Lei do Marco Temporal pode potencialmente resultar em uma perda de direitos indígenas às terras necessárias para sua subsistência e persistência”, destacam os pesquisadores.
A pesquisa revela que as TIs são tão eficazes quanto unidades de conservação na proteção de espécies ameaçadas e na mitigação das mudanças climáticas. Dados mostram que 85,7% das espécies ameaçadas de extinção são preservadas em terras indígenas. Nessa conta, as homologadas até 1988 abrigam 35,5%, enquanto 80,27% estão em terras homologadas após a Constituição e 74,8% em áreas ainda não reconhecidas oficialmente.
Apesar de serem 8% menos extensas, as terras indígenas possuem diversidade de espécies comparável às unidades de conservação, com destaque para a maior concentração de espécies ameaçadas. Pablo Silva, ecólogo e coautor do estudo, explica: "Com base nos registros de ocorrência desses animais, reunimos informações sobre as condições ambientais ideais para sua sobrevivência e delimitamos um limite de tolerância onde elas conseguem habitar".
Usando dados do MapBiomas, pesquisadores mediram o estoque de carbono em áreas protegidas e em territórios indígenas, descobrindo que estes últimos acumulam volumes substancialmente maiores de carbono, o que reforça seu papel crítico na mitigação das mudanças climáticas.
O estudo completo e todos os resultados podem ser acessados por este link.
Espécies de anfíbios estão cada vez mais suscetíveis à extinção no Pantanal
Outro estudo recente conduzido por pesquisadores das universidades federais da Paraíba (UFPB), de Mato Grosso (UFMT), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em parceria com outras instituições, publicado na revista científica “Journal of Applied Ecology”, alertou para a grave ameaça que o colapso climático representa para os anfíbios do Pantanal e da Bacia do Alto Paraguai.
Até o final do século, mais de 80% dessas espécies podem perder seus habitats, especialmente as semiaquáticas, que podem desaparecer de toda a região. A rede de áreas protegidas (APs) cobre apenas 6% da área e não é suficiente para proteger esses animais, o que torna a situação ainda mais crítica, segundo a pesquisa. Menos de 5% das áreas habitadas por anfíbios seguem sob proteção ambiental, a maioria são Terras Indígenas (TI).
LEIA MAIS: Espécies de anfíbios estão cada vez mais suscetíveis à extinção no Pantanal
Desconstrução da visão colonialista pela integração dos ecossistemas
“Escrevemos esse texto para dar voz também àqueles que não tem, e fazer ecoar vozes de quem não conseguem reagir à destruição de seus territórios”, afirmou um dos trechos do artigo da Science “Indigenizando as Ciências da Conservação para uma Amazônia Sustentável", escrito pelo pesquisador indígena Justino Sarmento Rezende, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Defendendo a urgência da integração entre saberes ocidental e indígena, o texto destacou a relevância das práticas e teorias indígenas, que há mais de 12 mil anos têm contribuído para preservar e restaurar o meio ambiente.
Longe de ser uma utilidade para a sobrevivência do próprio Ocidente, o artigo aponta que o conhecimento indígena pode resultar em uma ciência mais integrada junto ao conhecimento ocidental, que compreenda a relação indissociável entre cultura e natureza, reconhecendo, assim, as contribuições dos povos originários na preservação dos ecossistemas.
“Uma das principais lições dos conhecimentos indígenas do Alto Rio Negro é compreensão de que as vidas se estabelecem em conexão. Nada existe sozinho, tudo está relacionado”, disse Carolina Levis, pesquisadora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). “Enquanto o pensamento ocidental está enraizado em visões utilitaristas e antropocêntricas da natureza, os povos indígenas amazônicos entendem que a natureza e seus elementos também são dotados de qualidades de pessoas e tudo faz parte de um sistema integrado”.
LEIA MAIS: Ciência ocidental precisa dialogar com conhecimentos indígenas