Mesmo após o Rio Grande do Sul sofrer com a sua pior tragédia ambiental da história do estado e as consequências deixarem nítida a necessidade da preservação ambiental e da atenção aos alertas de entidades ambientais para a crise climática, o governador Eduardo Leite (PSDB) deixou essas organizações de fora do Conselho do Plano Rio Grande - Programa de Reconstrução, Adaptação e Resiliência Climática do Rio Grande do Sul.
A posse para o Conselho aconteceu na última quinta-feira (13) e o governador anunciou a participação de 180 representantes do Poder Público, da sociedade civil e dos gaúchos atingidos pelas enchentes. Mas uma falta chama atenção: nenhuma entidade ambientalista compõe o grupo. Ao todo, apenas quatro organizações têm relação com a temática ambiental.
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De acordo com o documento de membros do Conselho, as entidades que representam a seção Meio Ambiente são apenas representantes dos poderes estadual e municipal. São elas: CONSEMA - Representante do Conselho Estadual; SANEAMENTO - Representante do Conselho Estadual; RECURSOS HÍDRICOS - Representante do Conselho Estadual; FGCBH - Fórum Gaúcho de Comitês de Bacias Hidrográficas.
A ausência das entidades que representam a luta pela preservação ambiental e o debate sobre crise climática foi criticada por algumas organizações, como a Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul (Apedema), pioneira em alertar para as mudanças climáticas e seus efeitos, além de lutar por políticas públicas para a prevenção do meio ambiente, mitigação do racismo e das injustiças climáticas.
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Para a organização, "a composição proposta pelo governo Leite para o Conselho do Plano Rio Grande está prejudicada por vício da desproporcionalidade, sendo uma flagrante violação da Constituição Federal e Estadual com a exclusão, injustificável e ilegal, das ONGs ambientalistas/ecologistas".
"Ressaltamos que o Conselho Estadual de Meio Ambiente não representa as entidades ambientalistas e não tem legitimidade ambiental para participar em nome dessas, o que é um ataque ultrajante à nossa história, visto que o referido Conselho tem atuado, com exceção das poucas entidades da Apedema que o integram, de forma contrária aos interesses de proteção ambiental, sendo, inclusive, parte do grupo responsável pela atual situação que os gaúchos enfrentam".
A Apedema ainda classificou a escolha do Conselho como "tendente ao negacionismo" e alertou que, se a composição permanecer a mesma, "o Conselho do Plano Rio Grande corre sérios riscos de seguir o modelo que, apesar de membros que configuram exceções, foi o responsável, diretamente ou por omissão, por criar as vulnerabilidades no RS aos eventos climáticos extremos. Os causadores, diretos ou indiretos, do colapso climático, sozinhos, já demonstraram que não desejam e/ou não podem enfrenta-lo com justiça, democracia e defesa ambiental".
Por fim, a entidade finaliza a nota afirmando está mobilizando apoiadores e a sociedade em geral para "revertermos mais um retrocesso ambiental do governo Leite e garantir que a democracia e a proteção ambiental não sejam excluídas, novamente, da construção desta política pública fundamental para todo o RS".
Presença de setores que levaram à tragédia ambiental
Um ponto que chamou a atenção de especialistas na área ambiental foi a forte presença dos setores empresarial e governamental, justamente àquelas que, com algumas exceções, foram os responsáveis por promover circunstâncias para os eventos climáticas no Rio Grande do Sul.
O professor do Departamento de Botânica da UFRGS e coordenador-geral do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá), Paulo Brack, destacou essa questão em entrevista ao jornal Sul21, além de criticar a ausência de ambientalistas.
“Por que não convidam as pessoas que são ligadas ao tema, como ambientalistas ou o Conselho de Biologia?”, questiona o professor. “Os convidados que estão ali, mais de 80% são do setor empresarial. Chama a atenção também que parte dos convidados, das federações que estão presentes no Conselho Estadual do Meio Ambiente, em sua maioria votam pela flexibilização e inclusive auxiliaram o governador no novo Código Ambiental, que retirou mais de 480 itens que se refletem em retrocessos na área ambiental”, acrescenta.
O coordenador técnico do Instituto Curicaca, Alexandre Krob, também em declaração ao Sul21, destacou a importância da criação do conselho, mas também criticou a ausência de entidades ambientalistas. Ele reforçou que o desastre ambiental no estado foi provocado pelo modo de produção e consumo insustentáveis que geram emissões de gases de efeito estufa que, por sua vez, levam ao aquecimento global e a eventos extremos.
Para Krob, a maior preocupação em relação ao Conselho é que os atores usem o aquecimento global e a crise climática apenas como "bandeira de fachada", que ajuda na captação de recursos e na construção de imagem de engajamento com a Convenção do Clima. "E essa preocupação se materializa na composição do Conselhão com 180 componentes, dentre os quais não há nenhuma organização da sociedade civil ambientalistas ou mesmo que possa representar um compromisso claramente ambiental, já que as quatro vagas do setor de Meio Ambiente são para conselhos cuja composição é setorialmente mista e cuja maioria de seus integrantes são também dos setores de produção ou de governos”, afirmou o coordenador.
O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Caí, Rafael José Altenhofen, também pontuou que o Conselho repete o modelo que, com exceções de alguns indivíduos, setores, instituições e movimentos, foi o responsável, diretamente ou por omissão, por criar no Rio Grande do Sul as vulnerabilidades aos eventos climáticos extremos e colocar o estado na contramão das tendências mundiais de resiliência e de ações com vistas a sua reversão.
"Em resumo, repete-se o mesmo modelo e mesmas instituições, com louváveis exceções, que levaram o Rio Grande do Sul ao caos para fazer o quê? Pensarem e agirem diferente do que sempre fizeram em sua história? Ou se organizarem para decidir como fazer mais lavagem e maquiagem verde e climática?”, criticou o presidente.
Objetivo do Conselho
Segundo o governo do Rio Grande do Sul, "o objetivo do Conselho é receber demandas relacionadas ao restabelecimento do Estado e propor soluções. A iniciativa faz parte do Plano Rio Grande, que atua em três eixos de enfrentamento aos efeitos das enchentes: ações emergenciais, ações de reconstrução e Rio Grande do Sul do futuro. O papel dos conselheiros é propor, avaliar e monitorar as problemáticas recebidas, além de participar das câmaras temáticas que serão criadas para análise e discussão dos assuntos indicados".