Um vazamento estimado em 90 litros de água contaminada por radiação ocorreu na usina nuclear de Angra 1, na cidade de Angra dos Reis (RJ), em 16 de setembro de 2022. Os sistemas de operação e de segurança da usina não identificaram a falha, descoberta casualmente, três dias depois, quando foi detectada radiação no sistema de águas pluviais. A Eletronuclear – empresa estatal responsável por operar e construir usinas termonucleares no Brasil – não informou os órgãos controladores sobre o vazamento.
“No dia 30 de setembro, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) recebeu uma denúncia anônima relatando um grande vazamento de material radioativo em Angra 1”, afirma Eduardo Wagner, coordenador de licenciamento ambiental de energia nuclear, térmica eólica e outras fontes alternativas do Ibama. Em resposta ao questionamento do Ibama, a Eletronuclear negou que tivesse acontecido qualquer vazamento em Angra 1 e que um relatório completo seria enviado em breve, o que não ocorreu.
“O que nos surpreendeu foi a Eletronuclear negar que tivesse ocorrido esse acidente”, afirmou Régis Fontana, da Diretoria de Licenciamento Ambiental do Ibama. “Somente em janeiro de 2023, após novo ofício, a empresa confirmou que havia acontecido o acidente mas que seria de pequena monta”, concluiu Fontana. Por ter descartado material radioativo em desacordo com as normas da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), a Eletronuclear foi multada em R$ 2 milhões.
Eletronuclear explica o vazamento
“A usina estava desligada, estava sendo feita uma operação para retornar o sistema. Ocorreu uma sobre-pressurização que causou a falha de uma válvula, com a liberação de 90 litros para um terraço de um dos prédios, onde a água ficou empoçada", explicou Ricardo Santos, diretor de operação e comercialização da Eletronuclear, na audiência pública realizada pela Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados, no dia 16 de maio.
“Dois ou três dias depois, a chuva levou a água contaminada para a rede de água pluvial e para a praia de Itaorna, sendo verificado pelo pessoal de monitoração radiológica. Todas as ações decorrentes foram tomadas”, concluiu Santos.
Também presente na audiência pública, Eduardo Grivot, diretor-presidente da Eletronuclear, minimizou a ocorrência. Segundo ele, foi um incidente, sem danos para as pessoas e para o meio ambiente, e não um acidente, evento em que há danos. Por esse motivo, os órgãos de controle (CNEN e Ibama) não foram notificados. “Na nossa opinião, não há nenhuma gravidade, nenhum problema real”, concluiu Grivot.
Uma ocorrência não prevista e não detectada que gerou vazamento de material radioativo, com certeza, é algo grave. A liberação de material contaminado poderia ter sido maior, o que geraria graves consequências para os trabalhadores da usina, para a população e para o meio ambiente.
“Nada justifica o vazamento de um litro ou de mil litros. Não pode ter vazamento de quantidade alguma”, afirmou o deputado federal Max Lemos (PDT-RJ), que dirigiu a audiência pública na Câmara dos Deputados.
A Diretoria de Radioproteção e Segurança Nuclear (DRS) da CNEN solicitou “modificações de projeto para agilizar a detecção de vazamentos e medidas para contenção de água contaminada na possibilidade de ocorrência de um evento semelhante. A CNEN incorporará novo requisito para que sejam comunicados, também, os eventos de liberação não planejada dentro dos limites de isenção”.
O vazamento de material radioativo acabou ficando em segundo plano na audiência pública. A reunião virou um bate-boca entre o prefeito de Angra dos Reis, Fernando Jordão, e Eduardo Grivot, sobre os repasses de verbas da estatal para a prefeitura. Enfurecido, o prefeito ameaçou: “Enquanto não pagar o município de Angra, vamos continuar embargando Angra 3. O senhor sabe contingenciar, eu também saberei fazer”, disse para Grivot. A obra está embargada pela prefeitura desde 19 de abril.
Testes apontam baixa radiação
O Ibama e a CNEN fizeram uma vistoria conjunta na Usina Angra 1, na primeira semana de abril. “De fato, não verificamos maiores impactos. Apenas algumas amostras coletadas apresentaram baixos índices de radioatividade”, afirmou Eduardo Wagner.
Alegando indisponibilidade de porta-voz para dar entrevista, a Eletronuclear informou, por e-mail, que “o Laboratório de Monitoração Ambiental (LMA) da empresa analisou amostras de água do mar e sedimentos marinhos coletados próximos às saídas de água de Angra 1, e não encontrou radionuclídeos artificiais na água do mar”.
Mudanças no sistema
“O que ocorreu não é aceitável. A Eletronuclear vai tomar todas as ações para evitar que esse tipo de evento volte a ocorrer”, prometeu Ricardo Santos. Segundo o diretor, a liberação foi de 3,85 microsievert (µSv), unidade usada para avaliação do impacto da radiação ionizante sobre os seres humanos. Essa quantidade equivale a 1,5% do limite definido pelo Manual de Controle Radiológico do Meio Ambiente (MCRMA), aprovado pela CNEN.
Como o vazamento só foi detectado casualmente, a Eletronuclear decidiu alterar o sistema de Controle Químico e Volumétrico – CQV para evitar novas ocorrências semelhantes. Entre as ações corretivas, está a substituição dos casulos das válvulas onde houve vazamento e o aprimoramento dos processos de comunicação.
Energia nuclear é limpa e segura?
“Uma das maiores mentiras propagandeadas pelos defensores da energia nuclear é chamá-la de limpa. Diferentemente do que afirmam os nucleopatas, o Brasil não precisa da energia nuclear para garantir sua segurança energética. O atendimento do consumo de energia elétrica pode ser ofertado apenas com fontes renováveis de energia sem recorrer a usinas nucleares”, afirma o professor Heitor Scalambrini Costa, membro da Articulação Antinuclear Brasileira.
Projetada na década de 1970 e inaugurada em 1985, Angra 1 tem vida útil de 40 anos (até 2024). A assessoria da Eletronuclear informou que “o objetivo da Eletronuclear é estender a operação da unidade por mais 20 anos. Para isso, a companhia implementou o Programa de Extensão de Vida útil da unidade, que vai efetuar as medidas necessárias para que Angra 1 possa continuar a operar, com segurança, até 2044”.
Desde 2019, a CNEN avalia a documentação enviada pela Eletronuclear, incluindo inspeções e auditorias para verificação das ações já implementadas antes do fim da licença de operação da usina. “Até o momento não há questões impeditivas para a extensão de vida, mas a avaliação final só será emitida após a conclusão da revisão da Reavaliação Periódica de Segurança a ser entregue à CNEN em dezembro de 2023”, afirma a DRS,
“Queremos saber que programa de extensão de vida útil é esse. Quanto será gasto para garantir que não ocorram novos vazamentos?”, questiona o deputado Max Lemos. “Temos que acompanhar isso de perto, porque energia nuclear não é simples como uma placa solar para gerar energia”, destacou o parlamentar.
"Temos que concluir Angra 3 para não desperdiçar bilhões de dólares já investidos. Mas não podemos tratar de Angra 4. Sou contra”, prosseguiu.
Histórico de tragédias
Três graves acidentes demonstraram que as usinas nucleares não são totalmente seguras e que podem ter consequências econômicas, sociais e ambientais devastadoras.
Em 1979, uma falha no sistema de refrigeração do reator causou superaquecimento e vazamento de vapor radioativo da usina nuclear de Three Mile Island (Estados Unidos), recém inaugurada. 100 mil moradores da região tiveram que deixar suas casas. A limpeza e descontaminação da central durou até 1993 e custou US$ 973 milhões. Depois desse episódio, nenhuma nova usina nuclear foi construída no país.
Em 1986, o reator da usina de Chernobyl (Ucrânia) se rompeu, também por causa de um superaquecimento. Duas explosões e um incêndio que durou dias lançaram enorme quantidade de radiação na atmosfera que se espalhou pela Ásia e Europa. 50 mil habitantes de Pripyat, distante 20 km da usina, foram evacuados e a cidade foi completamente abandonada. Rússia e Bielorrússia, países vizinhos, também foram muito atingidos pela radiação. O prejuízo ultrapassou US$ 235 bilhões e a região de Chernobyl deverá permanecer inabitada por até 20 mil anos.
No ano de 2011, um terremoto de 9 graus, o maior já registrado no país, gerou um tsunami que atingiu a usina de Fukushima, inundou as instalações, interrompendo o sistema de resfriamento dos reatores. A falta de resfriamento levou a quatro explosões causaram e a liberação de vapor radioativo na atmosfera por seis dias. Por causa do acidente em Fukushima, 160 mil pessoas que moravam nas imediações foram retiradas e a área inabitável ao redor da cidade atinge 340 quilômetros quadrados. O prejuízo, contabilizado até 2014, ultrapassou os US$ 100 bilhões.