O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) encerrou nesta quinta-feira (17) a sua participação na COP-27, onde foi convidado junto de Marina Silva para representar o Brasil, mesmo sem ter tomado posse, dado a vergonha internacional que foi o conjunto de participações do atual presidente Jair Bolsonaro (PL) nos últimos anos. Lula foi muito celebrado por uma comunidade internacional que vê na preservação da Amazônia um fator crucial para um futuro respirável, mas a região passou nos últimos anos por um processo de aceleração do desmatamento e da devastação ambiental sem precedentes.
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Conversamos com Rodolfo Salm, PhD em Ciências Ambientais e professor de Ecologia na Faculdade de Biologia na Universidade Federal de Pará, em Altamira, para entender a real situação do bioma amazônico. Afinal de contas, é preciso ter a dimensão de como estará a Amazônia em primeiro de janeiro de 2023, dia que o novo governo tomará posse. E bem, a situação é complicada.
“Em termos ecológicos temos uma Amazônia que já sendo afetada pelas mudanças climáticas, justamente por estar muito próxima do chamado ‘ponto de não retorno’, ou que talvez até já tenha passado do ‘ponto de não retorno’ - que é aquele ponto em que a partir de sua ultrapassagem, a floresta não consegue mais se recuperar sozinha e precisa de ajuda ação humana para se recompor. É aquele ponto em que o desmatamento foi tão longe que as alterações climáticas degradam a floresta sem a interferência humana”, explica o biólogo.
Para Rodolfo, já é possível observar, mesmo nas áreas mais protegidas, que árvores muito grandes estão morrendo numa taxa mais elevada do que as taxas históricas. “Isso ocorre devido às mudanças climáticas causadas pelo desmatamento”, diz.
O pesquisador explica que por mata preservada entende-se o território florestal que mantém seu componente faunístico, sobretudo das espécies mais sensíveis à caça. Para Salm é impossível medir o percentual da floresta que esteja realmente preservada, a partir dessa perspectiva.
“Suspeito que é uma coisa muito abaixo de 50% que ainda haja de mata realmente preservada. Há uma quantidade imensa de floresta que foi perturbada por atividades madeireiras. A cobertura florestal ela está ainda em torno de 80% mas isso inclui matas secundárias e matas que já sofreram pelo fogo. Então, ecologicamente é uma mata muito perturbada. Além disso, a floresta agora vem sendo agora destruída pelo centro. Tínhamos tradicionalmente nos anos 70, 80 e 90, aquele chamado Arco do Desmatamento, que eram as áreas periféricas da floresta. Ou seja, a Amazônia vinha sendo destruída pelas bordas. Agora as frentes de colonização e de ocupação cruzaram o centro da floresta”, alerta o pesquisador.
Ele ainda explica que no sul do Estado do Amazonas estão abrindo diversas frentes “poderosas” de ocupação em direção a Manaus, sobretudo a BR-319 que busca ligar Manaus a Porto Velho, com ampla área de desmatamento, além de uma faixa que vai do Acre e Rondônia. Rodolfo define que a floresta está “recortada” e “quebrada”, e que esse avanço sobre o centro do bioma seria a principal razão. Para o especialista, o governo Lula não pode, de jeito nenhum, dar sequência às obras da BR-319.
“O Lula vai encontrar também obras, questões muito sensíveis, por exemplo a BR-319 que se propõe a ligar Manaus a Porto Velho e, consequentemente ao resto do país, pela via rodoviária. É muito importante que Lula não prossiga com essa obra. Essa é uma obra que Bolsonaro quase concluiu, e agora está na mão do PT e de Lula. Nós não temos condições em termos de governança, de controle, pra levar essa obra adiante. Então é fundamental que ela seja interrompida nesse momento”, alertou.
O professor ainda conta que até mesmo a preferência política dos povoados e pequenas cidades da região, têm uma ligação direta com sua geografia. Diferente das grandes cidades onde eleitores de Lula e de Bolsonaro costumam viver nas mesmas ruas e bairros, na região amazônica é comum que as aglomerações humanas em beira de estrada sejam ferrenhamente bolsonaristas, enquanto que as aglomerações de beira de rio – lembrando que não são poucas e que é comum o transporte aquático no Norte do Brasil - costumam ser a favor do PT e de Lula.
“É uma região está radicalizada. Temos os fazendeiros, inclusive os grandes proprietários rurais, que estão todos com Bolsonaro e de uma forma muito radical. São antiindígenas e antipobres. Há distinção muito grande, é importante separar isso, entre beira de rio e beira de estrada. As populações de beira de estrada são bolsonarizadas, enquanto que na beira de rios, sobretudo indígenas e ribeirinhos, estão com a esquerda".
Outro grande desafio para o próximo governo, na opinião do professor, será recuperar as terras indígenas invadidas por garimpeiros. “São legiões de garimpeiros e, para tirá-los será preciso uma ajuda das Forças Armadas porque a polícia não tem como dar conta. Só em Roraima há cerca de 20 mil garimpeiros. Isso é uma verdadeira guerra, é um desafio gigantesco tirar todos esses garimpeiros dali”, concluiu.