PARAÍSO DO TUIUTI

Xica Manicongo: Quem foi a primeira travesti brasileira homenageada pela Tuiuti

Escravizada, perseguida e condenada à morte, Xica Manicongo é considerada símbolo de resistência da comunidade LGBTQIAPN+

Desfile da Paraíso do Tuiuti, que homegeia Xica Manicongo e a comunidade trans.Créditos: Tomaz Silva/Agência Brasil
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Nesta terça-feira (4), a escola de samba Paraíso do Tuiuti, do Rio de Janeiro, desfilou com o samba enredo "Quem tem medo de Xica Manicongo?", uma homenagem à primeira travesti não-indígena do Brasil. O desfile contou com a presença da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), que fez um forte discurso contra a transfobia e a LGBTfobia.

Assinado pelo carnavalesco Jack Vasconcelos, o samba-enredo conta a luta de Xica Manicongo, traficada do Congo, na África, no século 16, e trazida para Salvador. Saiba mais da história da primeira travesti que se tornou um dos principais símbolos da comunidade trans abaixo.

Quem foi Xica Manicongo

Traficada do Congo no século 16, Xica Manicongo, registrada como Francisco, chegou ao Brasil em Salvador e foi perseguida por se recusar a usar trajes masculinos e a utilizar seu nome de registro. 

Por utilizar roupas femininas, Xica foi acusada de sodomita, termo que se refere a uma passagem bíblica sobre atos considerados imorais. Julgada pelo  Tribunal do Santo Ofício, instituição eclesiástica responsável por punir judicialmente crimes de “heresia”, Xica foi condenada a ser queimada viva na fogueira. Para evitar a condenação, Xica teve que abdicar do seu modo de viver e passou a utilizar roupas masculinas e adotou o estilo de vida dos homens da época. 

A história de Xica como uma pessoa travesti só foi descoberta em 2000, quando Majorie Marchi, então presidente da Associação de Travestis e Transexuais do Rio de Janeiro (Astra-Rio), investigou documentos da época, que consideravam Xica um homem homossexual. Desde os estudos de Majorie, Xica passou a ser considerada uma referência para a comunidade trans e travesti

Em 2022 vereadoras de São Paulo (SP), Elaine do Quilombo Periférico, Luana Alves e Erika Hilton, todas do PSOL, propuseram um PL para nomear uma rua de Xica Manicongo, no Distrito do Grajaú, na Zona Sul da capital paulista. Apesar de aprovada na  Câmara Municipal, o projeto foi vetado pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) com a justificativa de que “a descrição da via não é suficiente para identificação do logradouro a ser denominado”. 

“Xica Manicongo foi a primeira travesti não indígena do Brasil. Trazida sequestrada da região do Congo, pertencente à categoria das quimbandas de seu povo, sua expressão de gênero era lida pelo colonizador como feminina”, afirmava a justificativa do PL. “Xica Manicongo representa a luta das travestis brasileiras pelo seu direito à memória e ao reconhecimento; e por isso é importante homenagear sua luta e existência.”

Samba enredo da Tuiuti

Samba-enredo da Tuiuti homenageia Xica Manicongo. Foto: Paraíso do Tuiuti

Só não venha me julgar  
Pela boca que eu beijo
Pela cor da minha blusa
E a fé que eu professar
Não venha me julgar
Eu conheço o meu desejo
Este dedo que acusa
Não vai me fazer parar
Faz tempo que eu digo não
Ao velho discurso cristão
Sou Manicongo
Há duas cabeças em um coração
São tantas e uma só
Eu sou a transição
Carrego dois mundos no ombro 

Vim Da África Mãe Eh Oh
Mas se a vida é vã Eh Oh
Mumunha
Jimbanda me fiz
N Ganga é raiz
Eu pego o touro na unha 

A bicha, invertida e vulgar
A voz que calou o “Cis tema”
A bruxa do conservador
O prazer e a dor
Fui pombogirar na Jurema 

Chama a Navalha, a da Praia e a Padilha
As perseguidas na parada popular
E a Mavambo reza na mesma cartilha
Pra quem tem medo o meu povo vai gritar 

Eu travesti
Estou no cruzo da esquina
Pra enfrentar a chacina
Que assim se faça 

Meu Tuiuti
Que o Brasil da terra plana,
Tenha consciência humana
Chica vive na fumaça 

Eh! Pajubá!
Acuendá sem xoxá pra fazer fuzuê
É Mojubá
Põe marafo, fubá e dendê (Pra Exu) 

O discurso histórico de Erika Hilton no desfile da Tuiuti 

A deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) fez um discurso histórico contra a transfobia durante a concentração da Paraíso do Tuiuti na noite desta terça-feira (4), a terceira de desfiles das escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro. 

Erika desfilou como destaque na comissão de frente da escola de samba, que este ano saiu com um enredo sobre a história de Xica Manicongo, a primeira mulher trans documentada da história do país. 

Em sua fala, Erika Hilton relembrou que o Brasil é o país que mais mata mulheres trans no mundo e, ao final, fez referência ao filme brasileiro ganhador do Oscar: "Nós ainda estamos aqui!"

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