MEMÓRIA

A extinta imprensa LGBT pelo olhar do cineasta Lufe Steffen

O documentarista acaba de lançar o filme "Uma Breve História da Imprensa LGBT+ no Brasil", que está na seleção oficial do Festival Mix Brasil de cinema

A extinta imprensa LGBT pelo olhar do cineasta Lufe Steffen.Créditos: Andres Costa
Escrito en LGBTQIAP+ el

No segundo semestre de 2023, recebi o cineasta Lufe Steffen em casa, mas não para entrevistá-lo, e sim para ser entrevistado. Ele estava a todo vapor gravando depoimentos para o seu novo documentário, "Uma Breve História da Imprensa LGBT+ no Brasil".

Eu e o cineasta Lufe Steffen dividimos, em duas ocasiões, a redação dos portais mais importantes da imprensa LGBT+: Mix Brasil e A Capa, que foram as principais fontes de informações sobre a comunidade LGBT no final dos anos 1990 e na primeira década do século XXI.

Porém, com a ascensão das redes sociais e com a entrada da pauta LGBT nos grandes portais, os sites segmentados foram engolidos e perderam a relevância que tiveram por muito tempo. Dessa maneira, não é incorreto afirmar que a imprensa LGBT não existe mais. Quando falamos de imprensa LGBT, estamos tratando de veículos de jornalismo que eram produzidos por pessoas LGBT.

É este cenário de melancolia e mudança que Lufe Steffen examina em seu documentário "Uma Breve História da Imprensa LGBT no Brasil", que apresenta um panorama que inicia nos anos 1960 até os dias atuais.

O longa conta com depoimentos de jornalistas, sociólogos, antropólogos, historiadores, pesquisadores, escritores e ativistas. Através dessas falas, o documentário resgata as pioneiras publicações abertamente homossexuais dos anos 1960, 70 e 80. Eram produções artesanais e distribuídas de mão em mão, em círculos restritos do país, como O Snob, criado pelo pernambucano Agildo Guimarães no Rio de Janeiro e publicado entre 1963 e 1969, e o zine ChanacomChana, dos coletivos paulistas Lésbico Feminista e Ação Lésbica Feminista, do qual faziam parte Rosely Roth e Miriam Martinho. Miriam relata o episódio, em agosto de 1983, que ficou conhecido como o Stonewall brasileiro, quando as ativistas lésbicas, apoiadas por feministas e figuras políticas como o então deputado Eduardo Suplicy, invadiram o icônico point lésbico Ferro’s Bar para ler um manifesto contra a censura do bar, que não permitia a venda do zine no local.

O próprio cineasta Lufe Steffen tem sua trajetória profissional como jornalista ligada à história da imprensa LGBT+ no Brasil. Lufe trabalhou por 7 anos no primeiro e maior portal latino-americano direcionado para este público, o Mix Brasil, incluindo a época em que se usava a sigla GLS (Gays, Lésbicas e Simpatizantes). Depois, foi jornalista do site e revista impressa A Capa, também focada no universo LGBT+, e chegou a colaborar como freelancer para a G Magazine.

O documentário é mais um filme de resgate jornalístico histórico de Lufe, que estreou em longas com o documentário A Volta da Pauliceia Desvairada (2012, sobre a noite LGBT+ paulistana daquele momento), realizando em seguida o hoje clássico e cultuado São Paulo em Hi-Fi (2013/2016, sobre a noite LGBT+ paulistana dos anos 1960, 70 e 80). Uma Breve História da Imprensa LGBT+ no Brasil vem, portanto, colocar mais uma peça nesse mosaico da cultura LGBTQIAPN+ brasileira.

O documentário “Uma Breve História da Imprensa LGBT+” inicia a sua trajetória em grande estilo e foi selecionado para a mostra oficial do Festival Mix Brasil de Cinema, que começa na próxima quarta-feira (13). O filme terá três exibições: na próxima quinta-feira (14), no CineSesc às 20h30, e no domingo (24), no Instituto Moreira Salles, às 18h. Mais cedo, o filme também será exibido no Museu da Diversidade Sexual (MDS), às 15h, e, após a exibição, haverá um debate com Lufe Steffen.

A seguir, você confere uma entrevista exclusiva de Lufe Steffen à Fórum.


Fórum - O que te motivou a fazer um documentário sobre a história da imprensa LGBT?

Lufe Steffen - O que me motivou foi, primeiro, uma coisa pessoal, minha, porque como eu trabalhei como jornalista durante muitos anos, em muitos lugares de mídia LGBT, desde 1999 no Mix Brasil, passando pela própria G, escrevi umas matérias para a G impressa, depois fiz uns freelas para a G online, trabalhei no site da revista impressa A Capa, então eu tinha uma memória da minha própria experiência dentro desse meio, de falar da imprensa LGBT a partir de um viés pessoal das minhas memórias.

Mas não era só isso, era também legal contar essa história, porque eu achei que ninguém tinha contado. Quando eu fiz o meu documentário São Paulo em Hi-Fi, eu pincelei um pouco esse tema, porque a gente fala ali do Lampião da Esquina e da Coluna do Meio, do Celso Kuri, então ali já tinha um embrião, mas como o filme era sobre a noite LGBT, esse assunto ficou mais rápido, não ficamos aprofundando muito.

Depois foi feito o documentário sobre o Lampião, do Lampião da Esquina, da Lívia Pérez, que é muito bom, dedicado especificamente ao Lampião, mas eu sentia que faltava contar um pouco essa linha do tempo da imprensa LGBT no Brasil, então resolvi fazer o filme. Comecei fazendo, primeiro eu fiz um vídeo aperitivo no YouTube, no meu canal no YouTube em 2021, e aí as pessoas adoraram e falaram que aquilo tinha que virar um documentário, e aí eu comecei a desenvolver o projeto. Então foi isso, a vontade de registrar e imortalizar essa história no audiovisual brasileiro.

João Silvério Trevisan


 

Fórum - Qual é a importância de estar na competição oficial do Festival Mix Brasil?

Lufe Steffen - O Mix Brasil, para quem conhece a minha história, eu comecei no Mix Brasil, meu primeiro curta-metragem foi exibido no 5º Festival Mix Brasil em 1997, há 27 anos, e agora eu estou de volta ao festival com o meu 4º longa-metragem.

Claro que nesses anos todos eu participei do festival várias vezes, como cineasta e tal, então para mim o Mix Brasil é um festival que também tem uma coisa afetiva na minha memória. Foi onde eu comecei a exibir meus filmes porque na época, nos anos 90, os festivais brasileiros de cinema...

Bom, primeiro que só existia o Mix Brasil como festival LGBT de cinema, de audiovisual, e segundo que os outros festivais não aceitavam. Eu lembro que era muito difícil, você mandava os filmes para os festivais não temáticos e não eram aceitos nunca, existia um preconceito, eu acho, com essa temática, era uma temática ainda maldita, você não via, tinha pouquíssimas pessoas no Brasil fazendo coisas LGBTs e quem fazia só tinha o Mix Brasil para exibir, não tinha outro espaço.

Então o Mix foi um lugar super importante, foi um lugar importante para mim e acho que continua sendo, apesar de hoje a gente ter vários outros festivais brasileiros LGBTs de audiovisual, o Mix continua sendo o mais importante, é o mais antigo e o mais importante. Existem outros grandes hoje que são muito importantes também, mas acho que o Mix continua sendo o principal. Então é uma vitrine muito importante para o meu trabalho, é importante estar com o filme na competitiva do Mix Brasil, é um reconhecimento ao meu trabalho e à minha trajetória, vamos dizer assim.
 

Fórum - Qual é a situação da imprensa LGBT hoje?

Lufe Steffen - A situação da imprensa LGBT no Brasil hoje é quase inexistente, e justamente o filme fala disso. O documentário toca o dedo nessa ferida. Então a imprensa LGBT começou a nascer no Brasil nos anos 60, se desenvolveu nos anos 70, teve um boom nos anos 80 e principalmente a partir dos anos 90, quando começa também essa questão da visibilidade gay no Brasil, o surgimento das paradas, o movimento renasce depois da hecatombe do HIV, não sei o quê. Então os anos 90 é o grande salto e acho que vive um auge ali entre mais ou menos 1995 até 2010, vamos dizer assim, uns 15 anos do auge do que seria uma imprensa LGBT, tanto impressa como internética.

Mas depois ele cai e, como eu disse, o filme vai mostrar isso, vai expor essa queda. E por que cai? Tem vários motivos também, mas o fato é que hoje a gente não tem propriamente uma imprensa LGBT. Eu arriscaria a dizer que são dois motivos principais. As grandes mídias, os veículos não temáticos se apropriaram também dessas pautas e isso virou notícia nesses lugares, o que foi uma coisa importante, mas ao mesmo tempo sufocou porque daí os veículos LGBTs deixaram de ter relevância. Se o tema é tratado nos veículos não temáticos, para que precisa existir um temático? Deve ter sido isso que as pessoas pensaram. Mas acho que o golpe final são as redes sociais, porque com as redes sociais as pessoas passaram a expor essas questões de uma forma direta lá.

Então é como se a mídia LGBT não precisasse mais existir. E eu acho que é uma pena que não exista, porque mesmo que o assunto tenha que estar nas grandes mídias e tem que estar mesmo, nada substitui você ter a mídia específica, feita por e para. Acho que hoje em dia quase nenhuma linguagem, nenhum grupo identitário, por exemplo, conseguiria ter uma coisa específica justamente por isso. Porque as redes sociais dão espaço para que as pessoas se manifestem diretamente ali. Então elas não precisam mais de um veículo. Então elas não vão mais consumir um veículo. Então é difícil para os próprios veículos. Agora, existem alguns sites e algumas coisas de internet interessantes que são relevantes hoje dentro do que seria uma mídia LGBT, mas não é claro que não é no mesmo contexto que foi, por exemplo, há 20 anos atrás.

Cilmara Bedaque


 

Fórum - Como você avalia a abordagem das pautas LGBT na imprensa como um todo?

Lufe Steffen - É, essa questão é meio complexa, porque é difícil, a gente hoje em dia, a gente não consegue, primeiro que a gente não consegue acompanhar tudo mais, justamente porque é muita coisa, tem as redes sociais, uma pluralidade de coisas na internet, a mídia impressa já ficou muito difícil de acompanhar, não sei quando você vê, quando eles replicam na internet, então por exemplo, nossa, sei lá, eu não leio mais jornal, impresso, nem revista, então é difícil acompanhar as coisas, é muita coisa, muita informação, a gente não consegue dar conta, então eu nem conseguiria responder direito assim, como que está sendo tratado o assunto, agora quando eu vejo, geralmente eu acho que a imprensa em geral, não só em relação a esse assunto, ela está superficial, é difícil ter matérias profundas de reflexão, de debate de uma questão, eu acho que ficou tudo muito superficial pelo desespero de ter o clique, tudo ficou caça clique, então eu acredito que a abordagem LGBT nas mídias acaba sendo por um viés de quando interessa por uma questão de celebridades, quando tem alguma celebridade envolvida na notícia, ou no assunto, então por exemplo, se eu, Lufe Steffen, sou um cineasta independente, lanço um documentário sobre a imprensa LGBT, isso não é um assunto para a grande mídia, para a mídia mainstream, mas se esse mesmo documentário for dirigido, sei lá, por uma celebridade, pelo Gil do Vigor, por exemplo, aí vai sair em todos os lugares, Gil do Vigor dirige documentário, entendeu?

Então eu acho que a mídia peca porque ela vai, no geral, eu acho, que não é só o tema LGBT, qualquer tema, está sempre vinculado a celebridades, como se a notícia só interessasse se ela tiver a ver com alguém que já é famoso, então o que interessa não é a notícia, e sim o famoso, para ele atrair cliques, isso é um problema geral, eu acho, da imprensa, você vê programas de entrevista na televisão, talk shows, em qualquer televisão, aberta e a cabo, antigamente você tinha programas de entrevistas em que pessoas anônimas iam dar entrevista por alguma razão, não sei quem, lançando um livro sobre a fotossíntese, entendeu?

Agora não, para você ser entrevistado na televisão, aberta ou fechada, você tem que ser uma celebridade, senão você não é entrevistado, então eu acho que a imprensa está muito escrava, dependente do clique, por quê? Porque tudo foi pela internet, então tudo tem que dar clique, então isso é triste, então eu acho que é um problema que não tem nem a ver com o tema LGBT, tem a ver com a imprensa em geral, a imprensa está agonizando e para não morrer de vez, ela precisa ficar vinculada a celebridades, sejam essas celebridades políticas, artísticas, sei lá o que, mas são pessoas famosas, ou então notícias do cotidiano que interessam a todos, escândalos, problemas climáticos, desastres, tragédias, aí tudo bem, mas assim, não existe mais direito na mídia mainstream, eu digo, uma cobertura de questões gays relevantes, ou questões LGBTs culturais, sociais que interessariam, entendeu?
 

Fórum - Tem previsão de estreia no circuito comercial do documentário?

Lufe Steffen - O documentário está estreando agora no Festival Mix Brasil. Já tem alguns outros festivais em vista em outras partes do Brasil, e ao longo de 2025 ele deve circular por festivais e mostras, e quem sabe até já no ano que vem aparecer em algum streaming, né? Mas, assim, lançamento no circuito comercial, por exemplo, em salas de cinema, acho que não teremos. É uma produção independente, produzida pela Xanadu Filmes e pela LL Produções, e é uma produção pequena. A gente acha que o ideal é essa circulação em festivais e mostras e o streaming mesmo, que pode ser um caminho interessante para as pessoas verem o filme. Mas entrar em cartaz em circuito, de salas, eu acho que não. De qualquer forma, o filme está chegando agora, vamos ver aí o que 2025 nos aguarda. 
 

Confira abaixo o trailer de "Uma Breve Historia da Imprensa LGBT+ no Brasil": 

Serviço: 

Exibições de "Uma Breve História da Imprensa LGBT+ no Brasil": 

Festival Mix Brasil de Cinema 

QUINTA-FEIRA 14 / 11 - 20h30 no CineSesc
DOMINGO 24 / 11 - 18h no IMS ( Instituto Moreira Salles )

Ingressos e mais informações, clique aqui. 

Exibição no Museu da Diversidade Sexual: 

DOMINGO (24/11)
15h - Filme
17h - Debate com Lufe Steffen

Para mais informações e ingressos, clique aqui,