Na noite do dia 28 de junho, de 1969, as frequentadoras do Stonewall Inn, um bar LGBT localizado na Greenwich Village, em Nova York, se cansaram dos constantes achaques da polícia e realizaram um motim contra as forças policiais.
A revolta de Stonewall, bar que era frequentado, em sua maioria, por LGBT latinas, imigrantes sem papeis, negras, também marca o surgimento do movimento LGBT, não que ele não tenha existido antes de fato histórico, porém, surge um tipo novo de atuação política, tais como a organização das Marchas de Orgulho LGBT e a necessidade da intersecção com os movimentos feministas e negro.
No âmbito do Stonewall e do que foi produzido a partir do levante, há duas personagens que serão responsáveis por levar adiante a luta política radical à esquerda do movimento LGBT nos anos 1970: Marsha P. Johnson e Sylvia Rivera.
Tanto Marsha quanto Sylvia, logo depois dos acontecimentos de Stonewall, entendem que há uma série de grupos sociais nos EUA que necessitam se unir para lutar por liberdade e evitar que sejam assassinados. Tal entendimento também se fazia presente entre os líderes dos Panteras Negras e do movimento Black Power.
Tanto a ambição política, quanto o trágico fim de Marsha e Rivera, principalmente quando olhamos em perspectiva e partir dos documentos disponíveis atualmente, foi um anúncio das transformações pelas quais o movimento LGBTQUIA+ atravessa neste momento.
O legado
Após os acontecimentos de Stonewall, Marsha Johnson e Sylvia Rivera, juntas de outras amigas, organizaram as primeiras marchas do orgulho, surge daí o movimento a ideia do Trans Power.
No entanto, a participação de trans e travestis na organização das marchas do orgulho, apesar delas terem aberto o caminho para aquilo que seria o "Movimento de libertação gay", não era aceito.
Durante a finalização de uma Marcha do Orgulho, em 1973, Sylvia Rivera, sob vaias e xingamentos de homens gays, discursa revoltada: "Se não fosse pelas trans, não haveria movimento de libertação gay. Somos a linha de frente".
Em 1975, Marsha e Sylvia fundaram a Street Travestite Action (STAR), que dava suporte e moradia para pessoas LGBTQIA+.
O movimento de trans e travestis sofreria um baque com a morte de Marsha em 6 de julho de 1992, aos 46 anos. Seu corpo foi encontrado dentro do rio Hudson e a polícia de Nova York encerrou o caso como "suicídio", versão que nunca foi aceita pelas companheiras de Marsha.
A história de Marsha P. Johnson e Sylvia Rivera está no excelente documentário "Morte e Vida de Marsha P. Johnson", que nos dá a dimensão política do que foi e do que continua a ser a noite do 28 de junho no Stonewall.
No documentário acompanhamos a reabertura da investigação sobre a morte de Marsha. Denso e triste, o filme consegue narrar com maestria como é a vida das pessoas LGBT não brancas nos EUA e também mostrar os motivos que fizeram com que a noite de Stonewall conseguisse reverberar para além das fronteiras dos EUA e por tanto tempo depois.
Apesar de toda opressão e perseguição policial – Marsha foi presa mais de 100 vezes – Marsha e Sylvia construíram a base para o movimento LGBTQIA+ contemporâneo, que entendeu que era necessário abrir o diálogo com o movimento negro, feministas e dos povos originários. Além disso, também conseguiram alertar para o fato de que a misoginia e o machismo são estruturantes e que nem as LGBT estão livres de tais tecnologias.
Por fim, dá pra afirma que com certa tranquilidade que as bases políticas imaginadas por Sylvia e Marsha encontram forte ressonância nos dias atuas, principalmente quando observamos o grande número de mandatos trans eleitos no Brasil em 2018 e com destaque para 2020. Como declarou à Fórum Erika Hilton, o legado de Sylvia e Marsha segue mais vivo do que nunca.