PERSEGUIÇÃO IDEOLÓGICA

Professor é demitido após usar linguagem neutra: “Motivação homofóbica”

O professor de artes, William Quintal, relata perseguição e que o contexto de seu desligamento da instituição o levou a ter crises de ansiedade; instituição nega que tenha havido preconceito

Créditos: Reprodução/ redes sociais
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Era para ser mais uma conclusão de aula, mas se transformou em perseguição e demissão do professor de artes William Quintal da Escola Santo Agostinho, em Belo Horizonte (MG). 

Após o término de uma aula, que se deu através de uma plataforma digital, o professor William Quintal indicou para os alunos, como material complementar, alguns vídeos de seu canal no Youtube. Porém, em um dos vídeos o professor utiliza a linguagem neutra ao saudar os espectadores: "Sejam bem vindes". 

Alguns pais e mães dos estudantes, ao tomarem conhecimento da utilização da linguagem neutra por parte do professor William Quintal, iniciaram uma pressão sob a direção da Escola Santo Agostinho para que afastassem o educador. Em um dos e-mails enviados à instituição de ensino, os responsáveis por um dos estudantes afirmam que são "católicos e contra o uso da linguagem neutra".  

"Boa tarde [...] Tudo bem? Não gostamos da linguagem usada pelo professor William, somos católicos numa escola católica. Gostaria que vocês conversem [sic] com o professora [sic] e evitem esse tipo de abordagem às crianças, ainda em construção da sua personalidade. Att", diz um dos e-mails enviados à direção da escola Santo Agostinho.

Mas, nem todos os responsáveis pelos estudantes se colocaram contra. Um deles alertou o professor por meio de uma mensagem enviada em uma rede social de que alguns pais e mães estavam realizando "cancelamento puritano". 

"Oi, tudo bem? Vi que o senhor é o professor de artes no Santo Agostinho. Gostaria de lhe alertar, pois já há pais reclamando que em sua página pessoal tem pronome neutro. Já começaram o cancelamento 'puritano', pois o senhor indicou a página para as crianças no chat da escola. Venho com o intuito apenas de lhe alertar e não ser pego de surpresa, pois não concordo com isso", diz a mensagem enviada ao professor por um dos responsáveis.


Versão contemporânea de caça às bruxas 

 

"Quando surgiu o problema, eu recebi a denúncia através de uma mãe, mas imediatamente eu recebi um e-mail da minha colega que era responsável pela área de artes dizendo da preocupação da supervisora sobre o assunto", relata William Quintal à Fórum

Dessa maneira ficou combinado entre William e a supervisora que ele deixaria os vídeos que causaram tensão com os pais não listados, ou seja, deixaria as produções ocultas. "Aí tive uma reunião com a minha supervisora e nessa reunião ficou esclarecido que isso não era uma bandeira minha. A minha bandeira é por uma educação que seja libertadora e eu não tinha nenhuma intenção de afrontar a escola. Falei essas coisas para apaziguar. Isso foi numa quarta-feira (16/2)", revela o professor.

"Na quinta-feira (18/2) me chamaram para uma reunião de alinhamentos, eu sabia que ia ser demitido. Eu fui chamado numa quinta-feira à tarde para que eu estivesse lá numa sexta-feira (19/2), às 7h30 da manhã. Se eu estivesse melhor, eu teria gravado, mas eu tinha acabado de sair de uma licença de uma semana por ter contraído Covid. Me faltou forças para gravar a reunião", lamenta William Quintal.  

O professor conta que na derradeira reunião com a direção da Escola Santo Agostinho, lhe foi revelado que a instituição estava sofrendo muita pressão por parte de um grupo de pais e mães. 

"Na reunião de demissão a única informação relevante que eu tive foi que a pressão de gente rica estava demais para a escola e que eles não sabiam se a escola sobreviveria a mais um ataque dessa natureza [em 2016 a instituição viveu situação semelhante]. Eu vi que ali não existia espaço para discussão. Fui cordial, agradeci a oportunidade e saí", conta William.

 

Motivação homofóbica 

 

William Quintal não tem dúvidas de que foi vítima de alguns crimes. "Foi por conta da solidariedade de colegas que eu percebi que estavam acontecendo crimes ali. A demissão, no papel, não foi nada demais, mas a motivação foi criminosa, foi discriminatória e teve motivação ideológica desses grupos radicais. Além de ser um crime de homofobia, porque o foco foi a linguagem e o pronome neutro, o uso de uma linguagem inclusiva", comenta. 

Para o professor há três crimes que foram cometidos em sua demissão. "Homofobia, perseguição ideológica, porque é um grupo que se reúne para combater uma maneira de falar, e discriminação. Me condenaram e julgaram sem nunca ter falado comigo", critica. 

Diante de tal cenário, o professor William Quintal registrou um Boletim de Ocorrência na segunda-feira (22/2) seguinte à sua demissão. Além disso, Quintal também revelou à Fórum que vai processar a escola e que já está em conversas com advogado. 

O educador afirma que a situação toda, apesar de muito ruim, foi libertadora, todavia, a sua vida econômica foi afetada. "Economicamente me afetou muito, emocionalmente foi libertador, mas isso acabou totalmente com a minha possibilidade de independência financeira. Eu estou quebrado", lamenta.

Escola nega perseguição ideológica 


À Fórum, a direção do Colégio Santo Agostinho declarou que "é uma Instituição comprometida eticamente no trato dos direitos humanos, tendo em sua pauta o ensino da convivência e o reconhecimento às diferenças. Todas as temáticas, de todas as áreas, são trabalhadas considerando as faixas etárias". 

A instituição também afirma que dentro de seu espaço "ninguém é discriminado, humilhado, constrangido por raça/etnia, religião ou orientação sexual. O projeto pedagógico contempla a sociedade pluralista em que vivemos, abordando, de forma dialogal e respeitosa, os desafios do mundo contemporâneo". 

Sobre a demissão do professor William Quintal, o Colégio Santo Agostinho afirmou que por causa de "questões contratuais e de cuidado com os profissionais da Instituição, não expõe informações sobre professores ou ex-professores".  

"A instituição destaca que, seguindo critérios da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), os colaboradores das áreas pedagógica e administrativa passam pelo período de experiência, isto é, um acordo estabelecido entre contratante e contratado, em que ambos podem avaliar se o cargo atende às expectativas e aos objetivos do processo. Durante esse período, tanto colaborador quanto Instituição podem rescindir o contrato antes do prazo, amparados pela legislação. Esse é um processo natural de Recursos Humanos, em que o Colégio zela sempre pelo bom relacionamento entre as partes", finaliza o comunicado do Colégio Santo Agostinho.