O programa Pânico, da rádio Jovem Pan, da última quarta-feira (9) exibiu, em tom de chacota, um vídeo de Rosa Laura, ativista trans não-binário, que fala sobre o uso da gramática neutra.
No vídeo de mais de cinco minutos, Rosa Laura questiona elementos da gramática e destaca que "a língua e a linguagem são demarcadores de gênero e o jeito que a gente vem usando o português, hoje em dia, é extremamente sexista". A partir dessa posição, faz orientações sobre o uso de pronomes neutros, que não demarcam gênero, e visibilizam pessoas não-binárias.
No entanto, a gravação incomodou conservadores. A bolsonarista Karol Eller republicou trecho da gravação em seu instagram em tom de deboche e diversos comentários começaram a aparecer atacando Rosa Laura.
Logo em seguida, o vídeo foi parar na abertura do Pânico, expondo Rosa Laura ao escárnio dos apresentadores e dos que acompanham o programa. "Agora nós temos vídeos tutoriais para entrar no mundo magnífico da 'lacração'. Vou dar uma pequena amostra da nova gramática da lacração. É longo mas é chato, vou interromper", disse o apresentador Emílio Surita antes de exibir trecho da gravação. Em seguida, a bancada debocha e ainda é feita uma imitação de Ciro Gomes criticando o vídeo.
A Jovem Pan, no entanto, não parou por aí e o vídeo voltou a ser exibido no Morning Show do dia seguinte, mesmo sem qualquer tentativa de contato com Rosa Laura. Aos risos, o comentarista Adrilles Jorge, o ex-BBB conservador, debochou e chamou a crítica de "histeria". "A gente vive no período menos opressivo da história da humanidade [...] Aí você cria uma histeria em relação a pronomes, corte de cabelo, a apropriação cultural de roupas, lugar de fala. Você cria uma censura. Isso é falta do que fazer, falta do senso de ridículo", afirmou.
Esses comentários teriam estimulados diversos ataques nas redes e feito com que o vídeo passasse a circular em grupos de ódio, conforme aponta a advogada Beatriz Branco, responsável por ação judicial que Rosa Laura pretende entrar.
À Fórum, Branco afirmou que está estudando apresentar uma ação indenizatória de danos morais contra a Jovem Pan e Karol Eller e abrir uma investigação dos perfis que promoveram os ataques virtuais. Ela cita o entendimento do STF de incursão da transfobia e homofobia na lei de crimes raciais para embasar o pedido.
Além disso, será apresentado um pedido de interdição da circulação do vídeo em grupos de ódio. "Na própria ação de danos morais, que correrá na vara cível, pediremos um pedido de tutela de urgência para o Twitter e outras redes sociais para retirar as postagens com cunho transfóbicos", afirmou. "O fato do vídeo dele ser público não impede que outras pessoas o compartilhe, a questão não é compartilhar o vídeo ou não, mas a questão de compartilhar com intenções transfóbicas, principalmente em uma rádio que deveria atender aos próprios objetivos da concessão pública dos meios de comunicação, de servirem à população, mas ao invés disso servem de forma antipedagógica e discriminatória", explicou.
A advogada ainda sustenta que a ação poder ser um passo importante como precedente para o reconhecimento de pessoas não binárias na decisão do STF sobre transfobia e homofobia. "Não entramos com as ações ainda porque estamos juntando os documentos, como foram muitos ataques, tem muito material para juntar e ele postou o vídeo há só 6 dias", finalizou.
A ativista Erika Hilton, que acompanhou o caso, disse à Fórum que a postura do programa é "um reflexo de como a sociedade enxerga o corpo transvestigênere". "O Pânico tem essa essência de reforçar o que há de pior na nossa sociedade. Esses ataques são um reflexo de como a sociedade trata gênero e sexualidade. Não à toa ainda estamos às margens, não à toa ainda nossas vidas são precarizadas. Estamos no país que mais mata, 90% das nossas recorre à prostituição para sobreviver. Então, realmente, eu enxergo como mais um reflexo. Uma reafirmação de uma classe dominante ridicularizando e reforçando esteriótipos conta", declarou.
Erika ainda foi categórica ao classificar a posição da Jovem Pan como transfóbica. "É, de fato, uma atitude transfóbica. Ridicularizar, expor, tratar como forma caricata pauta de pessoas transvestigênere é transforbia, é falta de respeito, é reforçar um lugar excludente do qual nós já vivemos. Não é só mais uma piada. É um desserviço a toda a sociedade. É uma transfobia explícita", afirmou.
"A sociedade não conseguiu enxergar enquanto pessoas humanas. Em qualquer oportunidade que meios de comunicação, que a cisgeneridade tem ela se aproveita para humilhar, para expor, para ridicularizar, para matar, para estuprar. A transfobia se reverbera em várias camadas. O ódio contra nossa pauta é profundamente frequente. Por que todo esse ódio, Programa Pánico e toda sociedade? A frequência de ataques é absurda", finalizou.
Confira o vídeo de Rosa Laura: