Por Fabrício Longo, em Os Entendidos
Eles são discretos, respeitáveis e não partilham de algumas das vivências que formam a identidade gay. Não foram perseguidos na infância e só passaram a desejar uma Barbie depois que aprenderam que homens musculosos também são chamados assim. Se não fosse o fato de se relacionarem com outros homens, poderiam até passar por heterossexuais! Não é essa a igualdade, a validação que todos buscamos? Contudo, se um indivíduo não está “nem lá e nem cá”, onde se localiza? Quem é esse “gay invisível”?
A heterossexualidade nasceu da homossexualidade. Práticas sexuais homo, bi e hétero sempre existiram e sempre existirão, mas foi apenas quando uma identidade social foi inventada e atrelada a um tipo de desejo que o oposto dela pôde ser catalogado também. E dessas definições vieram os juízos de valor. Se uma coisa é a CERTA, a outra é inexoravelmente a ERRADA, e ninguém pode – em sã consciência – querer estar do lado torpe da comparação.
O erro, logicamente, está em transformar dados em uma identidade. É claro que essas “caixinhas” tem serventia política, quando é preciso falar em direitos, mas qualquer definição é pobre quando o assunto é diversidade. O mundo não é preto-e-branco, mas frequentemente cinza e em nosso caso, arco-íris. É legítimo que exista uma “cultura gay”, da mesma forma que existem várias subculturas no mainstream, como torcidas organizadas ou oceanógrafos… O problema é que a homossexualidade é definida por uma prática sexual, e tudo que envolve sexo esbarra no moralismo. É estigmatizado. É sujo.
Para que um homem tenha sua masculinidade reconhecida, para que lhe seja permitido carregar esse título, é preciso que não exista a “ameaça” da viadagem. A figura da “bicha” é abjeta, não tem lugar na sociedade. Quem não é hétero está automaticamente à margem, não importando suas qualidades ou defeitos, porque ser ou não ser heterossexual serve de “passe” para o trânsito social. Antes de qualquer ataque mais violento, a homofobia procura apagar o indivíduo LGBT. Acontece que isso acaba por destacá-lo pela exclusão, o que cria um espaço social definido e – que paradoxo – visível!
Nesse cenário, não é de espantar que tanta gente não se aceite. São gays invisíveis!
Ora, o “ideal de gay” é higienizado. Quando se pensa na “bichinha”, temos um exagero de efeminação e toda a carga negativa associada ao estereótipo. Quando se pensa no “gay limpinho”, temos um padrão “vendável” que envolve diversas áreas de consumo para reforçar um nicho, apontar o nosso lugar. Entretanto, esse lugar é sempre de exclusão. Somos sempre (des)viados: o gay que rejeita esse rótulo acaba em um limbo existencial entre hétero e homo que é – na verdade – um inferno!
É curioso que os seres humanos, tão evoluídos, sejam definidos pelo outro. É sempre o outro quem tem o poder de dizer quem ou o quê somos. Falamos em independência e valorizamos a individualidade, mas no fim das contas ainda somos classificados de acordo com regras muito certinhas, que ignoram completamente nossa autonomia.
Somos livres para nos chamar de gay ou de hétero. Ninguém escolhe seus desejos, mas a identificação cultural é uma escolha sim. Poderia perfeitamente me classificar como hétero e seguir pegando homem, que ninguém paga minhas e contas e nem tem nada com isso, mas essa liberdade simplesmente não me seria dada. Querendo ou não, “os outros” seguiriam me chamando de viado e me imputando uma identidade alienígena à minha vivência, e essa é a maior tristeza da homofobia internalizada.
Quando um homossexual não aceita sua condição – e estou falando de aceitação, não de gostar da Beyoncé ou se vestir de um jeito específico – acaba por se condenar a uma forma cruel de inexistência. Talvez ele até faça um esforço para ser incluído no “mundo hétero”, através de sua performance social – ativo, discreto, fora do meio? -, mas seguirá sempre como “a bicha responsa” que faz o grande favor de não incomodar com sua bichice, sem nunca ser tratada como um igual. E quando esse indivíduo rejeita seus iguais, acaba por receber o desprezo deles também.
Em um mundo que ainda exige que as pessoas se definam de alguma maneira, mesmo que apenas para simular alguma liberdade, a escolha de não pertencer ao grupo designado para você tem um preço. Não se é aceito nem lá, nem cá. Mais do que invisível, passa-se a ser inexistente.
Permita-se. Seja Livre. Seja fabuloso.