No dia que marca 61 anos do golpe militar de 1964, nesta segunda-feira (31), é imprescindível recordar personagens que se destacaram, ao longo dos anos de chumbo, pela luta por democracia e liberdade, contrariando o então regime autoritário, que espalhou tortura e morte pelo país.
Um desses protagonistas da história e vítimas da violência e do arbítrio do regime foi o político Rubens Paiva, preso, torturado e assassinado nos porões da ditadura militar.
Nascido em Santos, no litoral de São Paulo, em 26 de dezembro de 1929, Rubens Beyrodt Paiva se graduou em engenharia civil na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em 1953, um ano após se casar com Maria Lucrécia Eunice Facciolla Paiva, conhecida como Eunice Paiva. Da união nasceram cinco filhos: Vera, Maria Eliana, Ana Lúcia, Marcelo e Maria Beatriz.
Preocupado com os destinos do país, a militância política chegou cedo para Rubens. Na juventude, fez parte do movimento estudantil, sendo vice-presidente da União Estadual dos Estudantes de São Paulo.
Apenas nove anos depois de se formar na universidade, em 1962, Rubens Paiva se elegeu deputado federal pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). O prenúncio, à época, já era de sombras no futuro do país.
Como foi a atuação de Rubens Paiva na Câmara?
O deputado obteve destaque em sua atuação na Câmara Federal, ao defender temas como reforma agrária e regulamentação do trabalho urbano e rural, o que desagradava aos poderosos.
Além disso, ocupou a vice-presidência da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), instalada para investigar o esquema de financiamento de grupos de oposição ao governo do então presidente João Goulart, o Jango.
Junto ao fato de ter se sobressaído veio a perseguição. Logo em seguida do golpe militar, em 1964, o regime opressor iniciou uma autêntica caça às bruxas e um dos primeiros políticos a perder o mandato foi Rubens Paiva, por meio do Ato Institucional nº 1 (AI-1), instaurado em 9 de abril.
O que disse Rubens Paiva em discurso histórico?
Oito dias antes disso, enquanto o golpe estava em andamento, em 1º de abril, Rubens fez um discurso veemente, de pouco mais de quatro minutos, transmitido ao vivo pela Rádio Nacional, no qual denunciou o movimento golpista e defendeu as reformas propostas pelo governo de Jango.
Em dos trechos, ele disse: “Me dirijo, especialmente, a todos os trabalhadores, todos os estudantes e a todo povo de São Paulo tão infelicitado por esse governo fascista e golpista, que vem traindo seu mandato e se pondo ao lado das forças de reação. Os golpistas devem ser repelidos para que o nosso país veja o momento da sua libertação raiar”.
O pronunciamento histórico, encontrado meio século depois nos arquivos da EBC, em 2014, é um apelo à resistência pacífica contra a deposição do presidente eleito de forma legítima.
O que fez Rubens Paiva depois da cassação?
Após perder o mandato, Rubens Paiva precisou se refugiar na Embaixada da Iugoslávia. Em seguida, deixou o Brasil, passando por França e Inglaterra. Voltou ao país em 1965 e se estabeleceu com a família no Rio de Janeiro, exercendo seu ofício de engenheiro.
Rubens Paiva nunca fez parte da luta armada. Porém, mantinha contato estreito com núcleos de resistência à ditadura militar.
Em 1968, com a implantação do fatídico Ato Institucional nº 5 (AI-5) sua situação ficou ainda mais delicada. O regime foi fechando o cerco contra ele, no mesmo momento em que Rubens tentava apoiar, mesmo que sutilmente, grupos como o MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro). Além disso, encaminhava cartas recebidas de perseguidos políticos exilados no Chile.
O que aconteceu na madrugada de 20 de janeiro de 1971?
Rubens Paiva foi retirado de casa por agentes do Centro de Informações da Aeronáutica (CISA), depois que algumas dessas cartas vindas do Chile e endereçadas a ele foram encontradas pelo regime.
Homens da repressão, armados, invadiram sua residência e o levaram para prestar depoimento. A partir daí tiveram início sessões intermináveis de tortura, prática comum nos porões da ditadura militar.
Um dia depois do desaparecimento de Rubens Paiva, sua esposa Eunice e a filha Eliana, então com 15 anos de idade, também foram presas. A jovem acabou libertada no dia seguinte, mas Eunice ainda permaneceu presa por 12 dias.
O que aconteceu com Rubens Paiva?
Depois que foi levado de casa pelos militares, a família nunca mais viu nem recebeu notícias sobre Rubens Paiva, apesar da confirmação de que ele estava sob custódia do DOI-Codi, órgão de repressão subordinado ao Exército, onde ocorriam torturas e, inclusive, assassinatos.
O corpo de Rubens Paiva jamais foi encontrado. A versão mentirosa, divulgada pelo Exército, dizia que ele teria desaparecido, depois de ter sido sequestrado por militantes durante uma transferência de custódia.
A família passou a viver uma busca incansável para descobrir o que tinha, de fato, acontecido com ele.
Somente em 2012, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) apresentou documentos e depoimentos que provaram que Rubens Paiva esteve no DOI-Codi e morreu em consequência de múltiplas torturas, como choques elétricos, espancamentos e ameaças.
O governo brasileiro só reconheceu, oficialmente, sua morte em 1996, durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso, quando a família, enfim, recebeu a certidão de óbito.
A história contada em livro e no cinema
Um dos filhos de Rubens e Eunice Paiva, o jornalista Marcelo Rubens Paiva, escreveu o livro “Ainda Estou Aqui”, lançado em 2015. A obra, embora tenha como personagem central a advogada Eunice, narra parte da trajetória do político e engenheiro.
Em 2024, o diretor Walter Salles lançou o filme de mesmo nome, baseado no livro de Marcelo. “Ainda Estou Aqui”, que teve os atores Selton Mello, como Rubens Paiva, e Fernanda Torres, como Eunice Paiva, recebeu inúmeros prêmios, inclusive o inédito Oscar de Melhor Filme Internacional.
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