As semelhanças entre as alegações dos Estados Unidos em 2003 sobre armas de destruição em massa no Iraque e os alertas atuais de Israel sobre o programa nuclear iraniano são tão marcantes quanto perturbadoras. Em ambos os casos, governos utilizam a ameaça de um inimigo supostamente à beira de adquirir armamento poderoso como justificativa para ações militares “preventivas” e para moldar o apoio internacional.
Em 2002 e 2003, a Casa Branca de George W. Bush construiu uma narrativa apocalíptica: Saddam Hussein teria armas químicas, biológicas e buscava a bomba atômica. A "prova" central — depois desmascarada — foi apresentada por Colin Powell no Conselho de Segurança da ONU. Essa retórica ignorou os relatórios das equipes de inspeção das Nações Unidas, que não encontraram indícios concretos. O resultado foi uma guerra devastadora, baseada em informações falsas, que destruiu o Iraque e lançou o Oriente Médio em um novo ciclo de instabilidade.
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Hoje, o governo de Benjamin Netanyahu sustenta que o Irã está perigosamente próximo de desenvolver uma bomba nuclear — justificativa usada para deflagrar os ataques na fatídica sexta-feira, 13 de junho de 2025. Nas primeiras horas do dia, mísseis israelenses atingiram instalações militares e científicas nas cidades de Isfahan, Natanz e Teerã, alegadamente alvos ligados ao suposto programa nuclear iraniano. O Irã respondeu com uma salva de drones e mísseis contra posições israelenses nos Montes Golã e no deserto de Negev. Em apenas três dias, mais de 700 pessoas morreram, incluindo civis, segundo dados do Crescente Vermelho iraniano e da ONG israelense Physicians for Human Rights.
O risco de escalada regional é crítico. O Hezbollah, no Líbano, disparou foguetes contra Israel em solidariedade ao Irã, e milícias xiitas no Iraque e na Síria ameaçaram abrir novas frentes de combate. Os EUA anunciaram o envio de dois porta-aviões ao Golfo Pérsico, enquanto China e Rússia convocaram uma reunião emergencial do Conselho de Segurança da ONU. A União Europeia e a ONU pediram contenção, mas evitaram condenar Israel de forma explícita.
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As tensões vinham se acumulando há meses. Em maio de 2024, o então chefe da inteligência militar israelense, Aharon Haliva, afirmou que o Irã “atingiu um estágio avançado em sua capacidade de enriquecimento de urânio” e poderia “decidir pela fabricação de uma ogiva em pouco tempo” — afirmações que ecoam os discursos alarmistas dos anos 2000.
Em 2018, Netanyahu já havia exibido supostos documentos iranianos como "prova" de um projeto secreto de armas nucleares — estratégia visualmente semelhante à de Powell em 2003, quando usou frascos e mapas para embasar a invasão do Iraque. Na ocasião, especialistas independentes contestaram a veracidade e a relevância das informações apresentadas.
Apesar disso, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) não confirmou a existência de um programa militar ativo no Irã. Segundo o relatório mais recente, de maio de 2025, o país enriquece urânio a até 60% — acima do necessário para fins civis, mas ainda abaixo dos 90% exigidos para uma ogiva nuclear. O Irã nega reiteradamente qualquer intenção bélica e afirma que seu programa é pacífico e monitorado.
Ainda assim, o governo israelense optou por agir unilateralmente, à margem do direito internacional e sem autorização do Conselho de Segurança da ONU.
A comparação entre os dois episódios — Iraque em 2003 e Irã em 2025 — revela um padrão perigoso: alegações unilaterais e seletivas, disseminadas antes da conclusão de investigações multilaterais, com o objetivo de fabricar consenso internacional ou justificar ações bélicas. No caso iraquiano, as consequências foram catastróficas: mais de 200 mil civis mortos, segundo o Iraq Body Count, e o surgimento de grupos extremistas como o Estado Islâmico.
Com o Irã, o ataque liderado por Netanyahu já incendiou o Golfo Pérsico e ameaça envolver diretamente potências como os EUA, a Rússia e a China. Além disso, compromete o frágil sistema internacional de não proliferação nuclear, baseado no Tratado de Não Proliferação (TNP) e nos protocolos da AIEA.
As lideranças envolvidas parecem surdas diante das lições deixadas pelo Iraque: decisões baseadas em inteligência parcial, politizada e não verificada podem ter consequências irreversíveis. Repetir esse roteiro com o Irã — sob uma retórica que ignora os mecanismos multilaterais — é flertar com uma guerra regional de proporções imprevisíveis.