Nas redes de tevê dos Estados Unidos já se fala de um clima de pré-conflito. Apresentadores ressaltam que é preciso ter paciência e aguardar o resultado da apuração dos votos. E que o resultado da contagem não deve ser motivo de distúrbios. Mas o medo é justamente esse. Que haja algum tipo de disputa que não se limite aos tribunais e exploda em violência em alguns pontos do país. Na tarde do domingo, dia 1° de novembro, assessores do presidente Donald Trump disseram, anonimamente, que ele já se prepara para anunciar a vitória na noite desta terça-feira se perceber que está na frente, na contagem parcial dos votos. Poucas horas depois o próprio presidente negou a história, mas garantiu que assim que as urnas forem fechadas, ele vai botar o exército em campo. O dos advogados. Especialmente aqui na Pensilvânia.
Trump quer o resultado na noite da terça-feira, quando a votação termina. Normalmente, isso acontece, mas com uma projeção do resultado. E os estados seguem contando os votos. Nunca terminam tudo no mesmo dia, ou na noite da eleição. O voto aqui não é eletrônico, como no Brasil. Mas as projeções são fiéis ao resultado final, raramente existe diferença. Acontece que esse é o ano das diferenças, novidades e situações nunca vistas. Afinal, de fevereiro até agora, mais de 230 mil norte-americanos morreram de uma doença que não existia no vocabulário mundial. E justamente por causa da pandemia, os estados incentivaram as pessoas a votar pelo correio, para evitar o contágio. E a participação do eleitorado vai bater todos os recordes. Ou seja, vai ter mais cédula para se contar do que nunca.
O que vai acontecer na noite de terça para quarta-feira é uma incógnita. A Casa Branca mandou instalar de volta, em torno de todo o perímetro da residência oficial do presidente, as cercas de metal que transformaram o local em bunker durante o verão. O comércio mais próximo da Casa Branca colocou madeira na frente das vitrines com medo de quebra-quebra, caso não haja um resultado logo e explodam protestos. O clima de intimidação é algo que nunca se viu por aqui. Depois que uma caravana de eleitores de Trump cercou um ônibus de campanha de Biden no Texas e forçou o motorista a reduzir a velocidade e insinuou jogar o ônibus para o acostamento, o presidente foi às redes sociais dizer que ama o Texas. Não é um recado cifrado. Foi um incentivo para que a cena se repita em outros lugares. O filho dele foi bem mais explícito e pediu aos seguidores do pai que descubram aonde os adversários políticos estão e sigam para lá, para atrapalhar os planos da campanha democrata.
Aqui na Pensilvânia, antes que Biden subisse ao palco do primeiro comício de domingo na Filadélfia, o centro da cidade foi tomado por um buzinaço. Era uma caravana de eleitores de Trump que ocupou as ruas para fazer bastante barulho na tentativa de atrapalhar o comício do adversário. Esse clima de pé de guerra vem crescendo desde a primeira campanha de Trump. Nos comícios de 2016, Trump incentivava os eleitores a gritarem pela prisão de Hillary Clinton, a xingarem jornalistas e a tensão era palpável. Agora piorou. Eles tentam, na marra, impedir discursos e comícios. A mesmíssima receita que adotam alguns grupos no Brasil. Não existe coincidência alguma nisso tudo.
É a antidemocracia em ação no país que não respeita o voto direto, da maioria, mas adota um processo confuso, decididamente não representativo, de eleger um presidente. Se é verdade que a Califórnia tem mais votos no colégio eleitoral do que qualquer outro estado do país, também é fato que comparado com o número de habitantes do estado, o número é pequeno e cada eleitor da Califórnia pesa menos no resultado da eleição presidencial do que os eleitores de Vermont, ou do Maine. E como se não bastasse toda essa representação distorcida, agora a turma no poder promete não aceitar uma derrota nem no colégio eleitoral, até porque no voto direto, eles já esperam perder mesmo.
A população civil, aqui, é armada como em nenhum outro país que vive em paz no mundo. A frustração com a pandemia transborda. O medo do desemprego bate no teto. O presidente alimenta as chamas e ameaça fazer desse caldo de tensão uma confusão ainda maior para declarar vitória sem saber o resultado do pleito. A apreensão é palpável.