CHINA EM FOCO

Eliminação da pobreza: o exemplo de Nujiang — por Rafael Henrique Zerbetto

Jornalista descreve as conquistas econômicas em uma das mais diversas regiões da China

Turista em traje tradicional da etnia Nu posa para foto no Parque Industrial de Especiarias de Nujiang
Turista em traje tradicional da etnia Nu posa para foto no Parque Industrial de Especiarias de NujiangCréditos: Rafael Henrique Zerbetto
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A prefeitura Autônoma Lisu de Nujiang, na província chinesa de Yunnan, tornou-se um modelo de união e progresso: lá vivem 535 mil pessoas de 42 etnias, sendo que 89.31% da população pertence a minorias étnicas, incluindo as etnias Dulong e Nu, que são encontradas somente em Nujiang.

Montanhas e cânions ocupam 98% do território, que ostenta o título de Modelo Nacional de Ecocivilização devido à sua riqueza de recursos naturais, como água, florestas, recursos biológicos e minerais. Suas belezas naturais impulsionam o desenvolvimento recente do turismo.

Para quem visita esta prefeitura autônoma hoje, é difícil acreditar que 56.24% da população local vivia na pobreza. Sob a liderança do Comitê Central e do Comitê Provincial do Partido Comunista da China, e com apoio de suas cidades irmãs chinesas do programa de pareamento de cidades do leste e do oeste da China, a pobreza foi erradicada e Nujiang se tornou uma vitrine do sucesso do país na eliminação da pobreza e no revigoramento rural, especialmente para minorias étnicas.

Fórum de Nujiang: uma plataforma para intercâmbios em combate à pobreza

Participantes do Fórum de Nujiang 2025 visitam fábrica de alimentos e degustam produtos locais (Foto: Autor)

Nos dias 29 e 30 de março estive em Nujiang para participar do Fórum Internacional de Governança da Pobreza e Desenvolvimento Global, cujo tema deste ano foi “Promover Juntos o Revigoramente Rural e o Desenvolvimento Conjunto”.

Criado para facilitar a troca de ideias e experiências em combate à pobreza, o fórum reúne autoridades chinesas e estrangeiras, personalidades políticas, lideranças empresariais, ativistas, cientistas e especialistas de diferentes áreas.

Em sua fala na abertura do fórum, Du Zhanyuan, presidente do Grupo Internacional de Comunicação da China, destacou o papel do Fórum de Nujiang em estimular parcerias entre os países em desenvolvimento para promover a inclusão e a sustentabilidade no campo.

“Em novembro do ano passado, China, Brasil, África do Sul e União Africana lançaram conjuntamente a Iniciativa de Cooperação Científica Aberta, para ampliar os benefícios da inovação para o Sul Global”, afirmou Du.

Douglas de Castro, professor da Escola de Direito da Universidade de Lanzhou, comparou os modelos brasileiro e chinês de combate à pobreza no campo.

"A capacidade financeira do Brasil faz com que o modelo seja de baixo para cima, baseado na agricultura familiar, com distribuição local dos alimentos e a vantagem de que os conhecimentos tradicionais são preservados e fazem parte do desenvolvimento das politicas publicas em relação à pobreza e sua erradicação. No caso do modelo chinês, é de cima para baixo, porque a capacidade financeira é grande, então ele vai sendo moldado à medida que o investimento vai chegando nas comunidades. Os dois têm suas virtudes, o desafio é pegar o que há de bom nos dois modelos e chegar a um melhor", explicou Douglas.

Irina Bokova, ex-secretária geral da Unesco, destacou que a China foi o primeiro país a erradicar a pobreza, e depois disso se deu uma nova missão, de prevenir o retorno da pobreza e promover o progresso por meio da estratégia do revigoramento rural.

“A experiência da China comprova que os países em desenvolvimento podem eliminar a pobreza com resiliência, perseverança e espírito de luta”, destacou Bokova

Famílias realocadas recebem apoio e oportunidades

Os trabalhos de combate à pobreza foram realizados de forma direcionada, adaptando-se às características e necessidades de cada local. Nos lugares sem perspectivas de desenvolvimento econômico, a solução foi realocar os moradores.

É importante destacar que ninguém foi realocado de maneira arbitrária, o governo propôs a realocação e ofereceu incentivos para convencer as pessoas a migrar, sem deixar de dar suporte aos que se recusaram a se mudar.

No dia 30, os participantes do fórum tiveram a oportunidade de conhecer de perto a experiência de Nujiang no combate à pobreza, e a primeira visita foi ao bairro Hexie, cujo nome significa “harmonia” na língua chinesa. O bairro foi construído para receber realocados de áreas remotas.

Moradores do bairro Hexie dançam na praça central do bairro (Foto: Rafael Henrique Zerbetto)

Com 2.524 imóveis, o bairro é hoje o lar de 10.445 pessoas vindas de 30 vilarejos classificados como “incapazes de sustentar assentamentos humanos devido às condições de vida severas”, e foi planejado para facilitar a integração dos moradores e trazer-lhes sensação de segurança, estabilidade e bem estar.

Construído próximo a uma estrada, o bairro possui um centro de serviços governamentais, um restaurante público que oferece refeições gratuitas aos idosos, creche, escola primária, posto de saúde, posto policial, um centro de convivência infantil e outro de idosos, além de supermercados e lojas.

Parte dos moradores recebeu terras para trabalhar em agricultura, e foi construído um mercado público onde eles podem vender sua produção. Outros montaram pequenos negócios ou se empregaram no comércio local ou fora do bairro.

Para quem precisa cuidar de crianças ou idosos, uma oficina de confecção de bolas de beisebol oferece condições de trabalho convenientes, permitindo-lhes trabalhar em casa e sem horário fixo.

Desenvolvimento integrado de agricultura, indústria, turismo e inovação

Situado próximo ao bairro Hexie, o Parque industrial de Especiarias Verdes de Nujiang foi criado para oferecer oportunidades de trabalho aos realocados e se desenvolver como uma base modelo de modernização e desenvolvimento agrícola e de aplicação de tecnologia e inovação ao revigoramento rural.

Vista do Parque industrial de Especiarias Verdes de Nujiang (Foto: Rafael Henrique Zerbetto)

Com área de 664 hectares, o parque possui três zonas, uma para incubação de empresas inovadoras, outra para processamento de especiarias, e a terceira para agricultura nas encostas dos morros. O local também se tornou uma base de educação científica de níveis municipal e provincial.

Juntamente com as atividades de agricultura, indústria e pesquisa, se desenvolve o turismo rural. Os visitantes podem ver algumas linhas de produção de alimentos, degustar e comprar produtos locais, e passear pelas plantações para apreciar as belas paisagens do local. Um tobogã e uma trilha de aventuras foram construídos para melhorar ainda mais a experiência dos turistas.

Um destaque da produção agrícola de Nujiang é o café. Para mim, nascido na região da alta mogiana, em SP, passear pelos cafezais de Nujiang e visitar a usina de beneficiamento do café foi como um retorno à infância. Mas ao contrário do Brasil, a China investe em inovação, lançando uma diversidade de produtos de café para todos os gostos.

Outro produto que chamou minha atenção foi o cardamomo vermelho, uma especiaria cultivada no local, a partir da qual desenvolveram uma diversidade de produtos, como biscoitos, temperos, doces, sucos, refrigerantes e até mesmo cerveja.

Vilarejo Yangpo: exemplo de revitalização rural

O vilarejo Yangpo, cujo nome significa “o primeiro vilarejo a ser iluminado pela luz do sol” na língua lisu, fica no topo de uma montanha na cordilheira Gaoligong, perto da fronteira da China com Myanmar, em uma área rica em história, paisagens e cultura.

Morador do vilarejo Yangpo usa lenha para preparar a tradicional sopa de galinha (Foto: Rafael Henrique Zerbetto)

Os moradores deste vilarejo não precisaram ser realocados, pois o local oferece perspectivas de desenvolvimento, o governo apenas melhorou a infraestrutura e implementou um modelo de combate à pobreza baseado em agricultura, turismo e cultura étnica.

Até agora, mais de 100 mil turistas visitaram o vilarejo, deixando 1,5 milhão de yuans no local, o que resulta em um ganho médio de 6 mil yuans por família. O turismo trouxe oportunidades de negócios, como restaurantes, lojas e comércio, com destaque para o artesanato local.

Galinhas são criadas soltas no local, comendo apenas milho e outros alimentos naturais, e é com elas que os moradores preparam, em um tacho sobre uma fogueira, uma sopa de galinha típica do vilarejo.

Também degustei frutas, doces e até mesmo uma aguardente de arroz produzida no vilarejo, tudo orgânico, natural e delicioso. Além disso, algumas lojas vendem artesanato, instrumentos musicais e outros itens. Há, inclusive, uma loja que vende pedras preciosas e semi-preciosas, e lá encontrei uma pulseira de ametista brasileira.

Segundo as autoridades, antes os jovens do vilarejo estavam migrando para outras cidades em busca de oportunidades de trabalho e maior conforto material. Após o início do trabalho de eliminação da pobreza, a maioria desses jovens decidiu retornar.

Na entrada do vilarejo, uma bela biblioteca foi construída no declive do morro, com mirantes de concreto com vista para as belas montanhas do entorno. No local há um café, uma sala de estudos e um salão multiuso. Além disso, o acervo foi pensado para as necessidades dos moradores locais, com ênfase em obras sobre agricultura e revitalização rural.

*Rafael Henrique Zerbetto é editor estrangeiro do Centro Ásia-Pacífico do China International Communications Group. Jornalista brasileiro, reside em Pequim, capital nacional da China, há nove anos.

** Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum

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