CHINA EM FOCO

China e o Vaticano: entenda as relações entre Pequim e a Santa Sé

O país abriga mais de seis milhões de católicos; décadas de tensão se transformaram com acordo em 2018

Igreja do Salvador, em Pequim, na China
Igreja do Salvador, em Pequim, na ChinaCréditos: Zheng Zhou/Wikimedia
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Nesta segunda-feira (21), mais de um bilhão de católicos sofreram pela morte do Papa Francisco. Seis milhões deles estão na China.

Contudo, a trajetória das relações entre a República Popular da China e o Vaticano sempre é alvo de confusão na mídia e de sinofobia.

O mito de que o cristianismo é proibido na China segue se espalhando pelas redes sociais e, em um momento em que o tema está em alta, é importante combater a desinformação.

Primeiro: as religiões não são proibidas na China.

Leia: Grupos cristãos da China discutem o cristianismo com características chinesas

Pelo contrário, o país abriga mais de 44 milhões de cristãos (somados católicos e protestantes), além de 25 milhões de muçulmanos, outros milhões que seguem, em algum nível, o budismo e o taoismo, sendo um dos países com maior diversidade de fé no planeta.

O mesmo arcabouço legal que garante a liberdade religiosa na China também estabelece limites institucionais para entidades religiosas.

Um dos pontos centrais desse é o processo de escolha de bispos, tema que reflete o compromisso de Pequim em harmonizar práticas religiosas com os princípios de governança soberana da China.

História das relações

Desde o estabelecimento da República Popular da China, em 1949, o país adotou políticas para garantir que instituições religiosas operassem dentro do marco legal nacional, promovendo a independência de influências externas.

A Igreja Católica, durante anos, atuou em diferentes países do mundo como uma entidade contra movimentos populares e revolucionários, em especial no século passado. Em 1937, uma Encíclica chamada "Divini Redemptorus", escrita pelo Papa Pio XII, colocou oficialmente Igreja em contraposição ao comunismo. Durante a continuidade da Guerra Fria, este continuou sendo um mote político dentro da institucionalidade católica.

Em quase todos países que experienciaram o socialismo no século passado, a Igreja agiu, em maior ou menor grau, contra movimentos políticos do tipo.

A ideia da República Popular da China era estabelecer boas relações com o Vaticano, mas proteger o sistema político recém implementado após a guerra civil de 1949. Em 1951, após uma série de tensões, o governo decidiu expulsar o embaixador do Vaticano do país.

A criação da Associação Patriótica Católica Chinesa (APCC), em 1957, simbolizou esse esforço, permitindo que fiéis praticassem sua fé sem interferência externa.

Assim, os bispos do país são escolhidos pela APCC e não pelo Papa. Contudo, o ordenamento jurídico do catolicismo restringe ao Bispo de Roma este tipo de indicação. O Vaticano rejeitou durante décadas a autoridade da Associação Patriótica Católica Chinesa, o que causou atritos entre Pequim e a Santa Sé.

Relações em transformação

Em setembro de 2018, Pequim e Santa Sé assinaram um acordo provisório sobre a nomeação de bispos, um passo histórico que equilibrou interesses mútuos.

O entendimento permite que o Vaticano participe do processo, enquanto a China mantém a autoridade final, garantindo que os líderes religiosos estejam alinhados com as normas legais do país. O acordo foi renovado em 2020 e 2022.

O processo de seleção segue etapas claras:

  • Indicação local: Comunidades católicas sugerem candidatos.
  • Revisão pela APCC: A associação avalia a idoneidade dos nomes, considerando critérios legais e de harmonia social.
  • Consulta ao Vaticano: A Santa Sé aprova ou propõe ajustes, num mecanismo de diálogo bilateral.
  • Aprovação governamental: O Estado chinês confirma a nomeação, assegurando conformidade com a legislação.

A expectativa com o novo conclave é que o próximo Papa dê seguimento aos diálogos estabelecidos entre Francisco e Pequim para continuidade dos acordos, haja a vista a relevância da comunidade católica para a China.

Segundo o Global Times, em setembro de 2023, o Papa Francisco saudou a China durante seu sobrevoo pelo país, desejando a todo o seu povo felicidades e as bênçãos divinas de unidade e paz.

À época, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Wang Wenbin, afirmou que a China tomou conhecimento das notícias. As saudações do Vaticano representam amizade e boa vontade.

Nesta terça-feira (22), Guo Jiakun, um dos porta-vozes atuais da pasta, reforçou o compromisso das relações de diálogo entre Pequim e a Santa Sé.

"A China e o Vaticano têm mantido contato nos últimos anos. A China gostaria de continuar o diálogo construtivo com o Vaticano, aprimorar o entendimento, construir confiança mútua e avançar no processo de aprimoramento das relações entre as duas partes"

"O lado chinês está disposto a trabalhar em conjunto com o Vaticano para promover a melhoria contínua das relações China-Vaticano", completou.

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