CHINA EM FOCO

O que diz a China sobre acusações de espionagem?

The New York Times evoca aliados de Washington para acusar os chineses de 'interferência em democracias'; governo chinês nega alegações e aponta hipocrisia

Créditos: Canva - China rebate acusações de espionagem e acusa EUA de adotar padrão-duplo
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A espionagem é uma prática tão antiga quanto os próprios conflitos entre nações e opera no contexto de cenários históricos complexos. Nesta Guerra Fria 2.0, com os principais oponentes China e EUA, se adapta aos avanços tecnológicos e ao cenário geopolítico.

No mundo de hoje não são apenas dois blocos como na primeira edição da Guerra Fria, com Estados Unidos de um lado e a União Soviética do outro. O mundo ficou mais complicado e a espionagem, mais sofisticada.

Além dos EUA e da China, outros atores como a Rússia, Irã e organizações não-estatais ganharam destaque. A ameaça não vem apenas de nações, mas também de grupos terroristas e cibercriminosos.

A digitalização borrou as fronteiras entre segurança nacional, privacidade individual e espionagem, que se tornaram muito tênues.

Governos, empresas e indivíduos enfrentam o desafio constante de proteger informações sensíveis em um ambiente global cada vez mais interconectado.

As ameaças são transnacionais e vem do crime organizado, terrorismo e proliferação de armas e exigem cooperação internacional em inteligência.

A noção de quem é ou não espião também está dispersa e difusa. Nos EUA, por exemplo, remete ao ambiente da caça aos comunistas do macartismo, mas agora contra a comunidade chinesa e asiática naquele país.

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Um dos principais jornais dos EUA, The New York Times traz uma matéria do correspondente em Pequim David Pierson que reúne acusações de espionagem contra a China.

Pierson sinaliza preocupação crescente com as estratégias de interferência política da China em várias democracias ocidentais e lista casos suspeitos de interferência política na Grã-Bretanha, Alemanha, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, França, Bélgica e Holanda.

O repórter informa que os métodos de Pequim incluem desde espionagem industrial até a influência direta em processos políticos, utilizando membros da diáspora chinesa.

A prova do pato

Um dos casos noticiados pelos jornais dos EUA de acusação de espionagem por Pequim é o de Linda Sun, ex-assessora do então governador de Nova York, Andrew M. Cuomo. Entre as provas apresentadas pelos promotores federais contra a mulher de origem chinesa são patos salgados ao estilo de Nanjing.

Os acusadores consideram uma série de "refeições incomuns" o centro da investigação federal. As investigações revelaram que seis patos salgados ao estilo de Nanjing foram entregues em julho de 2021 aos pais de Sun, preparados pelo chef particular de um funcionário do consulado chinês. Quatro meses depois, mais patos chegaram, seguidos por novos envios em intervalos semelhantes.

Os promotores garantiram que esses envios de aves faziam parte de um esquema mais amplo de subornos que Sun teria recebido ao longo dos anos. O objetivo? Facilitar ações que beneficiaram a República Popular da China e o Partido Comunista Chinês. Entre as acusações, estão a promoção de negócios de um amigo próximo e benefícios em viagens e eventos.

Sun teria bloqueado funcionários taiwaneses de se reunirem com autoridades do estado de Nova York e removido referências a Taiwan de comunicações oficiais. Ela também garantiu que o estado evitasse publicamente abordar a questão da perseguição aos uigures, uma minoria étnica na China.

O que diz Pequim sobre espionagem

Sobre o caso específico de Sun, publicado dia 3 de setembro no NYT, um porta-voz da Embaixada da China nos EUA, Liu Pengyu, disse em um comunicado que não estava ciente dos detalhes específicos do caso.

Liu ressaltou que nos últimos anos, o governo e a mídia dos EUA frequentemente exageraram as chamadas narrativas dos “agentes chineses”, muitas das quais mais tarde se mostraram falsas.

A China, informou, exige que seus cidadãos no exterior cumpram as leis e regulamentos do país anfitrião, e nos opomos firmemente à calúnia e à difamação sem fundamento visando a China.

Em vários outros casos, Pequim tem negado consistentemente as alegações de espionagem contra outros países, sejam por meios cibernéticos ou tradicionais.

Autoridades chinesas afirmam que a China também é frequentemente alvo de ataques cibernéticos e condenam todas as formas de espionagem.

O país nega as acusações de espionagem em democracias ocidentais e as interpreta como movimentos politicamente motivados para conter seu desenvolvimento.

O governo chinês enfatiza a importância do respeito mútuo, do diálogo e da cooperação internacional para lidar com questões de segurança e cibernéticas, defendendo que tais acusações infundadas prejudicam as relações bilaterais e a confiança entre as nações.

Padrões duplos

A diplomacia chinesa frequentemente menciona casos como as revelações de Edward Snowden para argumentar que nações ocidentais também estão envolvidas em atividades de espionagem.

Pequim acusa esses países de hipocrisia ao aplicarem padrões duplos em relação à segurança cibernética e os desafia a apresentarem evidências concretas para sustentar suas alegações.

Para a China, decisões baseadas em suspeitas prejudicam o ambiente de negócios e a confiança mútua e considera as ações de alguns países como reflexo de uma mentalidade ultrapassada que busca conter o crescimento chinês.

O governo reafirma seu compromisso com o princípio de não interferência nos assuntos internos de outras nações e destaca que sua política externa visa o desenvolvimento pacífico e benefícios mútuos.

A China enfatiza a importância de resolver disputas por meio do diálogo e da cooperação internacional, propondo esforços conjuntos para fortalecer a segurança cibernética global e estabelecer normas internacionais.

Quatro linhas vermelhas

O governo chinês estabeleceu quatro linhas vermelhas em sua política externa: Taiwan, democracia e direitos humanos, caminho e sistema, e direitos de desenvolvimento.

Para a China, a noção de "democracia versus autoritarismo" é uma falácia. Pequim afirma que seu sistema político e caminho de desenvolvimento não são negociáveis e que os direitos legítimos do povo chinês a uma vida melhor não devem ser negados.

CIA e MI6 contra a China

Em uma rara entrevista conjunta, no dia 7 de setembro passado, os chefes da CIA, William Burns, e do MI6, Richard Moore, alertaram que a ordem internacional está sob ameaça de uma forma não vista desde a Guerra Fria.

Os líderes das agências de inteligência dos EUA e Reino Unido destacaram que seus países enfrentam uma série de ameaças sem precedentes, com a China sendo o maior desafio geopolítico e de inteligência do século 21. Ambos mencionaram que seus serviços estão reorganizados para lidar com esse desafio prioritário.

Outro ponto de destaque foi o alerta sobre a crescente cooperação entre Rússia, China, Irã e Coreia do Norte em termos de defesa, o que representa uma preocupação crescente para as nações ocidentais. Enquanto a Rússia recebe apoio militar do Irã e da Coreia do Norte, as agências ocidentais têm monitorado a situação com atenção.

Política para o ciberespaço

Em março de 2023, o Conselho de Estado da China divulgou o white papper a Governança do Ciberespaço com Base na Lei na Nova Era que destaca os avanços da China em termos de legislação cibernética, que visa criar um ambiente digital seguro e inclusivo.

As leis abordam segurança cibernética, proteção de dados e segurança da informação pessoal, promovendo a cooperação internacional para garantir um ciberespaço mais seguro e estável.

O relatório enfatiza o papel da governança digital baseada no Estado de Direito e o compromisso da China em colaborar globalmente no fortalecimento da segurança cibernética.

Outro documento, publicado em novembro de 2022, é o Construção de uma Comunidade com um Futuro Compartilhado no Ciberespaço, apresenta a visão da China sobre o desenvolvimento da internet e a governança digital em nível global.

Este livro branco promove uma internet aberta e inclusiva, focada na cooperação internacional para a segurança cibernética e no desenvolvimento de uma economia digital global mais integrada.

Guerra Fria 2.0

Além dos EUA e da China, outros atores como a Rússia, Irã e organizações não-estatais ganharam destaque no mundo da espionagem. A ameaça não vem apenas de nações, mas também de grupos terroristas e cibercriminosos.

Um dos focos de um espião de hoje é a coleta de informações nas redes digitais e comunicações eletrônicas, roubo de propriedade intelectual e segredos comerciais para ganho competitivo.

As ameaças são transnacionais e vem do crime organizado, terrorismo e proliferação de armas e exigem cooperação internacional em inteligência.

Entre os métodos e tecnologias, aparecem a Ciberespionagem e Hacking, ataques a infraestruturas críticas, instituições governamentais e empresas privadas; Inteligência Artificial e Big Data, com análise massiva de dados para identificar padrões e prever ameaças; e Vigilância Eletrônica Avançada com uso de satélites de alta resolução, drones e tecnologias de interceptação de comunicações.

Casos famosos

Entre casos famosos de espionagem recentes estão o de Edward Snowden, que expôs programas de vigilância em massa realizados pela NSA (Agência de Segurança Nacional dos EUA); e as alegações de que a Rússia interferiu nas eleições presidenciais dos EUA em 2016 através de campanhas de desinformação já viraram até filmes. A bola da vez é a China.

Espionagem vintage

Na Guerra Fria, o mundo estava dividido entre dois blocos ideológicos opostos: o capitalismo liderado pelos EUA e o comunismo liderado pela URSS. A busca por superioridade nuclear e tecnológica impulsionou a necessidade de obter informações críticas sobre o oponente.

O recrutamento de espiões, agentes duplos e informantes era a principal ferramenta de coleta de informações. A lealdade política e ideológica era um fator chave no recrutamento e nas operações. Missões secretas para desestabilizar governos, apoiar insurgências ou influenciar eventos políticos eram comuns.

As agências de inteligência poderosas eram a CIA (EUA), KGB (URSS), MI6 (Reino Unido), Stasi (Alemanha Oriental) desempenharam papéis centrais. Os equipamentos eram microfones escondidos, câmeras miniaturizadas e técnicas de comunicação codificadas. Foram feitos voos de espionagem (como os aviões U-2) e usado os primeiros satélites de reconhecimento.

Entre os casos famosos de espionagem daquele período estão o Caso Rosenberg: Julius e Ethel Rosenberg foram executados nos EUA por supostamente passarem segredos nucleares para a URSS.

Houve ainda a dramática Crise dos Mísseis de Cuba, com a descoberta de mísseis soviéticos em Cuba por meio de reconhecimento aéreo que quase levou a um conflito nuclear. O Muro de Berlim foi ponto focal de operações de espionagem e fuga de informações entre o Leste e o Oeste.

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