Muitas nações que se desenvolveram e se rejuvenesceram com sucesso são aquelas que encontraram um caminho adequado à sua própria realidade. No caso da China, a modernização do país é um novo modelo para o avanço humano e dissipa o mito de que para uma nação se modernizar é preciso adotar a receita dos países desenvolvidos ocidentais.
Esse foi o cerne do discurso proferido pelo presidente chinês, Xi Jinping, durante a abertura de uma sessão de estudo na Escola do Central Comitê do Partido Comunista da China (PCCh), a Academia Nacional de Governança.
Os comentários reforçam a promessa de Xi de autossuficiência na área de tecnologias-chave, à medida que a China enfrenta esforços crescentes dos EUA para conter seu crescimento, e também ressaltam seu esforço para reduzir a desigualdade como parte de um esforço para a “prosperidade comum”.
O evento de quatro dias foi realizado nesta semana, entre 7 e 10 de fevereiro. Em sua fala, Xi enfatizou a importância de entender corretamente e avançar vigorosamente a modernização chinesa. "Perceber que o grande rejuvenescimento da nação chinesa tem sido uma aspiração compartilhada pelo povo chinês desde o início dos tempos modernos", destacou.
Os comentários do líder chinês foram um dos primeiros grandes discursos políticos desde que garantiu um terceiro mandato como secretário-geral do PCCh durante o 20º Congresso Nacional, realizado em outubro de 2022, quando expôs sua visão ampla para a China e o Partido no curto e médio prazos.
“A modernização ao estilo chinês quebra o mito de que ‘modernização é igual a ocidentalização’”, ressaltou Xi no discurso da última terça-feira. Ele explicou a ideia sobre a qual tem falado com frequência crescente nos últimos anos, incluindo 11 menções em seu discurso ao 20º Congresso Nacional. “A experiência provou que a modernização ao estilo chinês é viável e estável, e é o único caminho correto para construir um país forte e rejuvenescer a nação.”
O desenvolvimento bem-sucedido da China mostra que há outra maneira de modernizar, afirmou o líder chinês, ao rejeitar qualquer necessidade de “ocidentalizar” e dobrar as metas de aumentar a autoconfiança e melhorar a justiça social.
"A China deve trabalhar para criar um caminho para a modernização que seja mais eficiente que o capitalismo", ressaltou Xi. "A inovação deve ocupar uma posição de destaque no desenvolvimento nacional geral e deve haver um melhor equilíbrio entre eficiência e equidade", observou.
Trata-se de um contraponto para a ideia de que "a modernização é igual à ocidentalização", ao apresentar outro caminho para o desenvolvimento, expandir os canais para os países em desenvolvimento alcançarem a modernização e fornecer uma solução chinesa para ajudar na exploração de um sistema social melhor para a humanidade.
Cinco características da modernização chinesa
O conceito de modernização chinesa vem sendo elaborado ao longo da última década e é caracterizado por cinco pontos exclusivos do contexto chinês:
- beneficiar uma população de 1,4 bilhão de habitantes,
- promover prosperidade comum para todos,
- avançar nos aspectos material e ético-cultural,
- garantir a harmonia entre a humanidade e a natureza e
- alcançar o desenvolvimento pacífico.
Desde o 18º Congresso Nacional do PCCh, realizado em 2012, o Partido fez novos progressos com base em explorações anteriores, alcançou continuamente inovações e avanços na teoria e na prática e avançou e expandiu com sucesso a modernização chinesa.
No relatório para o 20º Congresso Nacional do PCCh, realizado em outubro de 2022, o tema ganhou ainda mais destaque.
"A nossa modernização segue o caminho do desenvolvimento pacífico. Não repetimos o antigo caminho de alguns países de realizar a modernização através de guerra, colonização e saqueio. Esse caminho, que buscava benefícios próprios à custa de outros e estava cheio de sangue e crime, trouxe sofrimentos profundos aos povos das nações em desenvolvimento. Ficamos firmemente ao lado da posição correta da história e do progresso da civilização humana, mantendo sempre no alto a bandeira da paz, desenvolvimento, cooperação e benefício mútuo. Buscamos o nosso próprio desenvolvimento ao defender a paz e o desenvolvimento global, ao mesmo tempo, defendemo-los com o nosso próprio crescimento."
Presidente Xi Jinping, no relatório do 20o Congresso Nacional do PCCh
Modernização na prática
Para além da teoria, esse processo de modernização chinesa é uma das explicações para que Washington considere Pequim uma ameaça geopolítica. A avaliação é do analista internacional Javier Vadell, professor de Relações Internacionais da PUC Minas.
Em uma sequência de postagens no Twitter, Vadell comenta que esse caminho particular para o desenvolvimento que tem sido explorado pela China fez com que a elite capitalista global, capitaneada por George Soros, considerasse o PCCh e Xi inimigos número 1.
O professor comenta que há várias respostas para essa situação. A primeira seria a de que o socialismo é superior ao capitalismo como projeto modernizador. Há ainda a de que Xi seria o maior estadista do século, é socialista e reforça esse caminho com características chinesas.
Vadell elenca as conquistas da potência asiática sob a liderança de Xi ao longo da última década. De acordo com projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) para o crescimento do produto interno bruto (PIB) em 2023, a China representa 40% do aumento global; à frente da Índia, com 10%; dos EUA, com 7%; e da União Europeia, com 3%.
Sob a liderança de Xi, o PIB chinês mais do que dobrou na última década: passou de US$ 8,53 trilhões em 2012 para US$ 17,7 trilhões em 2021.
Outro ponto de destaque no desenvolvimento chinês foi o crescimento vigoroso, constante e de qualidade na manufatura do país, que cresceu de três maneiras: produção total em valor, participação na produção global e incremento na na cadeia de valor, tornando-se mais high-tech.
Além da redução da pobreza de mais de 900 milhões de chineses, 100 milhões sob a administração de Xi, que concluiu a impressionante tarefa de eliminar a pobreza extrema na China.
Houve ainda a consolidação de empresas nacionais chinesas pelo mundo, que até 2012 ninguém no ocidente conhecia, como Xiaomi, Huawei, Tencent, DJI, Alibaba, WeChat, TikTok e BYD.
A redução da poluição foi outra conquista chinesa dos últimos dez anos. O professor Vadell comenta que isso ocorreu graças ao enorme crescimento da energia renovável e dos veículos elétricos do país (EV), associado a outras políticas, que fez com que cidades como Pequim fossem transformadas nesse período. Hoje, o país é líder mundial em energia solar, energia eólica e EV.
Há ainda o aspecto geopolítico do processo de modernização chinês. "Quando Xi Jinping anunciou a Nova Rota da Seda, os neoliberais ocidentais ridiculizaram", relembra Vadell. O lançamento da iniciativa Cinturão e Rota (BRI, da sigla em inglês), foi feito em outubro de 2013 por Xi. Atualmente, 150 países aderiram aos projetos que valem mais de US$ 4 trilhões. "Enorme sucesso. A China tornou-se verdadeiramente uma potência global", ressalta o professor.
O crescimento dos sistemas ferroviários de alta velocidade e metrôs na última década são outra mostra do sucesso do modelo chinês de desenvolvimento. A China tem hoje 40 mil km de trens de alta velocidade e o maior sistema de metrô do mundo.
"O crescimento da desigualdade na China foi um perverso desdobramento do crescimento entre os anos 1990 e 2012 (+ 9% ao ano). De 32,2 em 1990 passou a 43.7 em 2010. O governo Xi começou a difícil tarefa de redução: 38.2 em 2019", pontua Vadell.
Confira o fio completo:
Liderança do PCCh
Em seu discurso na Academia Nacional de Governança, Xi ressaltou que para alcançar o objetivo da modernização chinesa é preciso manter a liderança do PCCh. Ele acrescentou que a centralidade do partido é o que decidirá o “sucesso ou fracasso final” dos esforços da China para se desenvolver.
Além de pedir maiores esforços para impulsionar a economia agora, Xi explicou a grande parte da liderança sênior do país a direção futura da China e enfatizou como o Partido deve continuar no controle.
O discurso contou com a presença de todos os outros membros do Politburo, a liderança dos militares, novos membros do Comitê Central e também líderes provinciais e ministros. O governo da China está agora se preparando para a reunião parlamentar anual que começa em menos de um mês em Pequim, quando serão apresentados os planos de como o país pode superar a interrupção do ano passado e retornar a economia ao crescimento.
Ecos no discurso do Estado da União de Joe Biden
O presidente dos EUA, Joe Biden, fez comentários semelhantes ao de Xi sobre o fortalecimento das indústrias domésticas em seu discurso do Estado da União na noite de terça-feira, divulgando novos investimentos feitos por seu governo para conter as ambições da China.
“Estamos investindo para fortalecer a América. Investir na inovação americana, em indústrias que definirão o futuro e que o governo da China pretende dominar”, disse Biden. “Estamos na posição mais forte em décadas para competir com a China ou qualquer outra pessoa no mundo”, afirmou.
As tensões entre os EUA e a China aumentaram na semana passada depois que os EUA detectaram e derrubaram um suposto balão espião chinês. A China negou que fosse um dispositivo de espionagem, dizendo que estava realizando pesquisas meteorológicas.
A atividade econômica na China mostrou sinais de recuperação, já que a infecção por Covid parece ter atingido o pico após o fim abrupto de Pequim da estratégia Covid Zero, com os setores de serviços pessoais se recuperando de forma robusta.
Oportunidades para o mundo
Ao desenvolver a economia de mercado socialista, a China alcançou um avanço histórico no crescimento de uma produtividade relativamente atrasada para a segunda maior economia do mundo.
Como disse Xi, as conquistas e mudanças históricas, particularmente a eliminação da pobreza absoluta e a conclusão da construção de uma sociedade moderadamente próspera em todos os aspectos, resultaram em instituições mais robustas, bases materiais mais fortes e uma fonte de inspiração para assumir maior iniciativa para a modernização chinesa.
A modernização do país mais populoso do mundo trará paz, imensas oportunidades de desenvolvimento, agendas mais verdes e outras novas opções de modernização, como dizem especialistas e instituições globais.
A contribuição da China para o crescimento econômico global foi em média de 38,6% durante o período 2013-2021, superior às contribuições de todos os países do Grupo dos Sete juntos, de acordo com dados do Banco Mundial.
"A Iniciativa de Desenvolvimento Global e a Iniciativa de Segurança Global propostas pela China, que convidam a participação de todos os países do mundo, apoiarão a busca da comunidade internacional pela paz e desenvolvimento", comentou o presidente do Institute for East -West Strategic Studies na Grã-Bretanha, Jean Christophe Iseux von Pfetten.
Grandes oportunidades de investimento estão por trás das políticas domésticas e iniciativas de modernização do país, como a revitalização rural e o novo paradigma de desenvolvimento de "circulação dupla".
Um exemplo do compromisso da China com o desenvolvimento verde veio na 14ª Reunião da Conferência das Partes Contratantes da Convenção de Ramsar sobre Zonas Úmidas. A China prometeu designar vários parques nacionais, cobrindo cerca de 10% da área terrestre do país. Também prometeu incorporar 11 milhões de hectares de zonas úmidas em seu sistema de parques nacionais e trazer benefícios para as pessoas em todo o mundo.
Por meio de ações para atingir as metas de carbono, a China está completando a redução mais dramática na intensidade das emissões de carbono, o que não apenas beneficia a transição maciça da economia chinesa para uma economia de baixo carbono, mas também tem grande significado para o resto do mundo.
O caminho chinês para a modernização serve de "exemplo" para os países em desenvolvimento, especialmente os africanos, disse o secretário-geral do Partido Trabalhista congolês, Pierre Moussa. Esse "conceito por meio da inovação", entre outras coisas, "iluminaria muitos países no mundo", disse Moussa.
Com informações da Xinhua, CGTN e Bloomberg