A influência do Banco Popular da China (PBoC), antes poderosa, vem diminuindo à medida que o governo de Pequim reforça o controle do Partido Comunista Chinês (PCCh) sobre a regulação financeira. Essa afirmação foi feita pelo jornal britânico Financial Times na edição de 25 de dezembro.
O professor Diego Pautasso, colaborador do Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), do Centro de Estudos da América Latina e Caribe da Universidade de Ciência e Tecnologia do Sudoeste (Sichuan/China) e da Especialização em Relações Internacionais (UFRGS-Comando Militar do Sul), publicou uma sequência de postagens no X (antigo Twitter) que desconstrói a leitura apocalíptica feita pelo veículo que é considerado uma das "bíblias" do neoliberalismo.
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"Mais uma vez os porta-vozes dos problemas da China apareceram. Dessa vez para dizer que a política financeira do país está sob risco com as mudanças em curso", escreveu
Pautasso, que é autor do livro "China e Rússia no Pós-Guerra Fria", destaca que o FT afirma que o PBoC perdeu poderes para um órgão do PCCh.
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"E assim as tendências reformistas e liberalizantes se enfraquecem. Ironicamente, as vozes que sempre foram contra o modelo de desenvolvimento chinês", afirma.
O FT crava que a mudança marca uma alteração significativa na estrutura de poder financeiro da China, com alguns dos poderes anteriormente nas mãos do PBoC agora sendo transferidos para um órgão de supervisão do partido e para um regulador financeiro renovado. Pautasso refuta essa análise:
"Na verdade, o BC chinês sempre atuou sob supervisão do Conselho de Estado da China. Os presidentes dos principais bancos, que são estatais, são todos membros do comitê central do PCCh. A China jamais aderiu à desregulação neoliberal", esclarece.
O jornal britânico pontua ainda que essa reestruturação ocorre no contexto de Pequim redefinindo seu modelo de crescimento econômico. O PBoC, embora ainda desempenhe um papel crucial nos mercados monetários diários, viu seu governador ser rebaixado na hierarquia partidária em comparação com os líderes de alguns bancos que o PBoC costumava regular.
A história não é bem assim, alerta Pautasso. Ele recorda que, em declaração recente, Pan Gongsheng, governador do PBoC, explicou que se trata de aprimorar o sistema financeiro do país para enfrentar distúrbios e corrupção.
"Aliás, não por acaso, a crise no setor imobiliário não teve o impacto sequer parecido a dos EUA", observa Pautasso.
Analistas ouvidos pelo FT apontam que as mudanças, parte de uma ampla reforma sob a liderança do presidente Xi Jinping, diminuirão a influência do PBoC na formulação de políticas internas e em sua capacidade de atuar como um canal de comunicação com reguladores e mercados globais.
Esta nova arquitetura financeira, prossegue o periódico britânico, representa uma redução significativa no status do PBoC e que as tendências reformistas e modernizadoras do banco central, que antes serviam como um "cavalo de Troia" para o governo experimentar a liberalização financeira e integrar mecanismos orientados para o mercado em um sistema dominado pelo estado, agora estão sendo ofuscadas.
Mais uma vez, o porta-voz do neoliberalismo, na avaliação de Pautasso, errou na análise.
"O fato é que as mais de 4 décadas de reformas tiveram experimentação e aprendizado. Foram necessários ajustes constantes. Contudo, o país jamais se submeteu às diretrizes liberais irradiadas do Ocidente. E também não sofreu crises financeiras, como temos assistidos no mundo", finaliza.
Empreitada contra o neoliberalismo
O analista internacional Javier Vadell, professor de Relações Internacionais na PUC Minas, também fez uma análise sobre as mudanças no banco central da China. Em uma sequência de postagens no X, ele segue a mesma linha de Pautasso.
"A maior empreitada contra o neoliberalismo no mundo é liderada pelo socialismo O outrora poderoso Banco do Povo (PBoC), o banco central, vai perdendo peso à medida que as regulações financeiras se afiançam lideradas pelo PCCh renovado, o príncipe moderno coletivo", comenta.
Vadell observa ainda que como último refúgio neoliberal, o banco central chinês não podia ser diferente em um mundo dominado pelo capitalismo.
"O PBoC estava se tornando num verdadeiro Cavalo de Tróia dos reformistas neoliberais dentro do socialismo embrionário", analisa.
O analista relembra que desde março, Pequim colocou o PBoC sob o controle de um órgão de supervisão liderado pelo PCCh, a Comissão Financeira Central, que tem cerca de 100 funcionários supervisionando os assuntos financeiros. "A festa acabou!", celebra Vadell.
Um novo tipo de país
O professor Elias Jabbour também foi às redes para comentar as mudanças anunciadas por Pequim no banco central chinês. Ele ressalta que, de fato, o PBoC tem perdido atribuições para a Comissão de Finanças do Comitê Central do PCCh.
"Outrora um bastião de experimentos liberais, as coisas mudaram por aqui após a última reunião nacional de assuntos monetários. Um longo processo de aprendizado capacitou o Comitê Central do PCCh a esse nível de intervenção", observa.
Jabbour, que atualmente trabalha com Dilma Rousseff no gabinete da presidência do Novo Banco de Desenvolvimento, o Banco dos Brics, e mora em Xangai, afirma que essa medida de Pequim é um passo importante para construir um novo tipo de país.
"A rejeição da financeirização pela China, alardeada com força na última reunião anual de finanças, é o principal passo à consolidação de um projetamento de novo tipo no país. A lei do valor vai sendo lentamente restringida", finaliza.
Como fica a regulação financeira chinesa
Sob a nova estrutura, a Administração Nacional de Regulamentação Financeira (NAFR, da sigla em inglês) foi estabelecida para supervisionar todas as atividades financeiras, exceto a indústria de valores mobiliários.
O NAFR absorverá mais de 1.600 filiais do PBoC em nível distrital. O banco central chinês já teve 1.761 agências desse tipo no final de 2021.
O PBoC tem enfrentado uma prolongada campanha anticorrupção. A supervisão de novas atividades financeiras, como o sistema de pagamento eletrônico Alipay do Ant Group, e a má conduta financeira foram parcialmente transferidas para o NAFR.
A nomeação de Pan Gongsheng como novo governador do PBoC em agosto foi uma surpresa, dada a sua idade próxima da aposentadoria não oficial para muitos oficiais chineses.
Nos escalões mais baixos, vários conselheiros e chefes de departamentos de pesquisa favoráveis a reformas orientadas para o mercado ou renunciaram ou foram marginalizados, refletindo uma mudança na abordagem do PBoC e da regulamentação financeira na China.