Há 129 anos, nascia em uma família chinesa camponesa na província de Hunan aquele que viria a ser o líder mais destacado da maior revolução socialista da história, Mao Tse-Tung. Ano que vem, o Partido Comunista completará 74 anos no poder da República Popular da China, igualando a marca dos revolucionários soviéticos, que governaram a Rússia e a URSS entre 1917 e 1991 (a URSS só existe oficialmente desde 1922). Prestes a se tornar o segundo governo socialista mais longevo da história (depois da República Popular Democrática da Coreia), a China vive um renascimento do pensamento e do legado de Mao Tse-Tung na última década. Nem sempre foi assim, desde que o presidente Mao faleceu em 1976.
Anos atrás, um amigo caribenho comunista que foi trabalhar na China no começo dos anos 2000, me contava indignado como, na época, nos livros de história das escolas de Xangai, David Rockfeller e Bill Gates eram celebrados como exemplo de “grandes empreendedores” e a figura de Mao havia sido relegada a segundo plano. Com a reforma e abertura, a China passou a viver uma espécie de “romance” com os EUA e a Europa. Fazia parte de sua estratégia de longo prazo desenvolver as forças produtivas, e para isso os chineses precisaram dos investimentos e da transferência de tecnologia dos países desenvolvidos. Milhares de empresas estadunidenses e europeias se instalaram na China, milhões de jovens chineses foram estudar nos países do centro do capitalismo. A ideologia ocidental liberal havia conquistado imensa influência nos setores médios urbanos e na elite chinesa. O Partido Comunista continuava no poder, mas o pensamento e a figura de Mao, um tanto estigmatizados pelos equívocos da Revolução Cultural, haviam perdido força entre os anos 80 e 2000.
Muita coisa mudou desde que Xi Jinping se tornou presidente da China em 2013. Xi foi capaz de manter o ritmo acelerado do desenvolvimento econômico e tecnológico, mas colocou ênfase na campanha anticorrupção, que puniu mais de 4 milhões de pessoas (grande parte delas membros do partido), e nos esforços para erradicar a pobreza extrema e lutar contra a crise ambiental, fortalecendo a legitimidade do PCCh diante da sociedade. Ao mesmo tempo, do ponto de vista ideológico, retomou a construção de uma “cultura vermelha”, incentivando a produção cultural em torno da história revolucionária do país e dos valores socialistas. É impressionante, por exemplo, a quantidade de filmes, séries e novelas de TV produzidas nos últimos anos recontando a história do Partido e da revolução. A figura carismática de Mao e seus ensinamentos voltaram a fazer parte do cotidiano do povo chinês.
Nos últimos anos, com a escalada de agressões dos EUA (e aliados) contra a China, o debate sobre o imperialismo – que por décadas esteve apagado – foi retomado. Isso deu mais força aos setores patrióticos e de esquerda no partido, dos quais Xi é a maior expressão.
Nos últimos anos, com a escalada de agressões dos EUA (e aliados) contra a China, o debate sobre o imperialismo – que por décadas esteve apagado – foi retomado. Isso deu mais força aos setores patrióticos e de esquerda no partido, dos quais Xi é a maior expressão. E qual o maior teórico chinês sobre o imperialismo se não o camarada Mao Tse-Tung? O resgate da popularidade de sua obra é um dos mais importantes fenômenos políticos contemporâneos. Seu livro clássico sobre a resistência do povo chinês ao imperialismo japonês, A guerra prolongada, no qual Mao traça a estratégia para vencer uma potência mais forte que a China, voltou a ser um best-seller e foi adotado como leitura obrigatória na escola do Partido. Qualquer semelhança entre o Japão dos anos 30 e os EUA de hoje não é mera coincidência…
Além das lições maoístas sobre o imperialismo, também aquelas sobre a luta de classes voltam a ser reapropriadas pela juventude chinesa. Em maio de 2021, feriado em que se comemora o “Movimento 4 de Maio” de 1919 – de estudantes contra o imperialismo – um comentário infeliz de um alto executivo da Tencent, uma das principais Big Tech chinesas, que disse que a juventude atual dormia demais, detonou um curioso fenômeno. Em 24 horas, o lendário volume de Citações do Presidente Mao Tse-Tung, mais conhecido como “o livro vermelho”, vendeu tantos milhares de exemplares, que se tornou o sexto livro mais vendido na plataforma JD.com (uma das maiores do país), subindo da 17ª posição até então. Grande parte desses jovens trabalham em empresas de tecnologia sob o extenuante regime 996, ou seja, jornadas das 9 da manhã às 9 da noite, 6 dias por semana.
Por fim, em 2020, o famoso site de perguntas e respostas Zhihu, que conta com centenas de milhões de usuários, fez uma enquete para saber quem é a maior figura da história moderna chinesa (que começa em 1912, com o fim da última dinastia, a Qing). Nada menos que 95% das pessoas votaram em Mao. Há uma década, ou até menos, esse resultado seria inimaginável.
Diante do acirramento das tensões geopolíticas, com o já citado aumento das agressões imperialistas dos EUA e seus aliados e o fortalecimento das articulações dos países do Sul Global, a China terá um papel fundamental na construção de uma alternativa para a humanidade, que nos possibilite superar o nosso subdesenvolvimento e o papel subordinado ao qual as potências ocidentais têm submetido nossos povos, do outrora chamado “terceiro mundo” (aliás, outro conceito do líder chinês). Hora de voltar a ler, e praticar, os ensinamentos do camarada Mao!
* Marco Fernandes é pesquisador do Instituto Tricontinental e co-editor do Notícias da China. Atualmente reside em Pequim.
** Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum
*** Texto originalmente publicado na página do MST