DEMOCRACIA

Efeito Trump: imagem dos EUA desaba no mundo

China supera os EUA em imagem global pela primeira vez, segundo maior levantamento mundial sobre a percepção da democracia

Maior estudo global anual sobre a percepção da democracia mostra a China na liderança da percepção positiva em 100 países
Efeito Trump: imagem dos EUA desaba no mundo.Maior estudo global anual sobre a percepção da democracia mostra a China na liderança da percepção positiva em 100 paísesCréditos: CPAC 2025 (Divulgação)
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A percepção global dos Estados Unidos sofreu uma queda vertiginosa em 2025. Já a China registrou um avanço significativo em sua imagem mundo afora. É o que mostra o relatório Democracy Perception Index (DPI), maior estudo global anual sobre a percepção da democracia.

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Pela primeira vez desde que o índice começou a ser medido, mais países têm uma visão positiva da China do que dos Estados Unidos. De acordo com o estudo, a avaliação líquida dos EUA — que mede o saldo entre opiniões positivas e negativas — despencou de +22% em 2024 para -5% neste ano. Apenas 45% dos países veem os EUA de forma positiva, uma queda expressiva em relação aos 76% registrados no ano anterior.

Reprodução DPI 2025

Em contraste, a China registrou um avanço significativo em sua imagem global. Pela primeira vez desde que o índice começou a ser medido, mais países têm uma visão positiva da China do que dos Estados Unidos. A avaliação líquida do país asiático chegou a +14%, consolidando uma virada simbólica no cenário geopolítico internacional.

O relatório, que é baseado em entrevistas com mais de 110 mil pessoas em 100 países e representa mais de 90% da população mundial, aponta que a deterioração da imagem estadunidense está ligada à percepção de que os EUA têm agido de forma unilateral, priorizando seus próprios interesses, especialmente em sua política externa e militar. Além disso, a instabilidade política interna e a crescente polarização também contribuem para o enfraquecimento da confiança internacional.

A ascensão da China na opinião pública global está associada à sua estratégia de ampliação de parcerias econômicas, especialmente no Sul Global. Apesar de críticas recorrentes aos aspectos autoritários de seu regime, muitos países enxergam na China um parceiro pragmático, com menos interferência política e mais investimentos diretos.

A inversão de posições nas percepções internacionais entre as duas potências ocorre em um momento de reconfiguração da ordem global, com impacto direto sobre alianças estratégicas, comércio internacional e disputas por influência geopolítica. O resultado acende um alerta em Washington e evidencia os limites da diplomacia na era pós-Trump.

Por que a imagem dos EUA desabou no mundo?

O DPI 2025 identifica três fatores centrais para a forte queda da imagem positiva dos Estados Unidos em comparação com 2024. Pela primeira vez desde o início do levantamento, a percepção global sobre o país ficou negativa, refletindo um declínio de confiança tanto externa quanto interna.

1. Política externa vista como unilateral e interessada

De acordo com o relatório, cresce a desconfiança de que os EUA agem no cenário internacional movidos por seus próprios interesses, e não como defensores genuínos da democracia. A imposição frequente de sanções, a pressão sobre aliados para elevar gastos militares e o uso da força em conflitos são apontados como exemplos de um comportamento intervencionista, que fragiliza a imagem dos EUA como parceiro confiável.

2. Crise de legitimidade da democracia liberal

Internamente, os Estados Unidos enfrentam uma crise de credibilidade que ressoa no exterior. Países tradicionalmente alinhados à democracia relatam uma percepção de que os EUA já não representam os valores que historicamente defenderam. A polarização política extrema, os ataques às instituições e eventos como a invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021 ainda pesam negativamente na reputação internacional do país, sinalizando instabilidade institucional.

3. Comparação desfavorável com a China no Sul Global

O avanço da China em regiões estratégicas do Sul Global também contribui para a deterioração da imagem dos EUA. O relatório destaca que muitos países enxergam a China como um parceiro mais pragmático, capaz de oferecer investimentos em infraestrutura e desenvolvimento econômico sem condicionar o apoio a exigências políticas ou interferências internas. Em contraste, os EUA são cada vez mais vistos como imprevisíveis, exigentes e propensos a impor agendas próprias, especialmente sob a liderança de Donald Trump.

O declínio na percepção global dos Estados Unidos reflete um esgotamento de sua autoridade moral e política no cenário internacional. A ascensão de alternativas como a China — com uma diplomacia mais centrada em resultados econômicos e menos condicionada a alinhamentos ideológicos — desafia diretamente o papel tradicional dos EUA como referência democrática no mundo.

Declínio da liderança democrática dos EUA no mundo

O Democracy Perception Index (DPI) foi lançado por uma organização fundada por Anders Fogh Rasmussen, ex-secretário-geral da OTAN e ex-primeiro-ministro da Dinamarca. Desde sua criação, o índice se consolidou como a principal pesquisa global anual sobre a percepção da democracia, com alcance crescente e metodologia baseada em amplos levantamentos de opinião pública ao redor do mundo.

Fundada em 2017, a Alliance of Democracies Foundation é uma organização sem fins lucrativos dedicada a fortalecer as democracias globais. Entre suas principais iniciativas estão o Copenhagen Democracy Summit, a Transatlantic Commission on Election Integrity e o próprio Democracy Perception Index.

A edição de 2025 do DPI revelou uma virada simbólica na percepção global de poder e legitimidade: pela primeira vez, mais países enxergam a China de forma positiva do que os Estados Unidos. Essa inversão de prestígio é especialmente significativa por ter sido captada em um índice produzido por uma fundação alinhada aos valores da democracia liberal ocidental.

Embora se apresente como um estudo global de opinião, o DPI carrega um viés claro: valoriza as percepções de países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e critica com frequência sistemas políticos como os da China, Rússia e Irã. Ainda assim, seus próprios dados escancaram uma realidade desconfortável para o Ocidente: a imagem internacional dos EUA está em queda acentuada.

A ascensão da China em um índice formulado por uma fundação pró-Ocidente não é trivial. Ela sinaliza um deslocamento no centro simbólico do prestígio global. A potência asiática vem sendo vista por muitos países, especialmente no Sul Global, como um parceiro pragmático, capaz de entregar infraestrutura, investimentos e estabilidade — sem as condicionalidades políticas frequentemente associadas ao envolvimento norte-americano. Em contraste, os EUA têm sido cada vez mais percebidos como intervencionistas, instáveis e movidos por interesses próprios, sobretudo sob a liderança de Donald Trump.

Os dados revelados pelo DPI 2025 sugerem que, mesmo dentro de uma narrativa liberal, há sinais de esgotamento do modelo ocidental de influência. A China está ocupando espaços com uma estratégia centrada em resultados tangíveis e diplomacia econômica. Ao registrar esse cenário, a Alliance of Democracies Foundation fornece não apenas estatísticas, mas um alerta estratégico: o mundo já não enxerga os Estados Unidos como os guardiões naturais da democracia.

 

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