O mundo vive um dos momentos mais delicados das últimas décadas. Conflitos simultâneos em várias regiões, alianças militares se formando em divisões por blocos de países e o aumento da retórica belicista entre potências nucleares levantam uma pergunta mais adequada a livros de história ou filmes de ficção: estamos à beira de uma terceira guerra mundial?
Segundo o coronel da reserva do Exército e mestre em Ciências Militares Paulo Filho, a situação geopolítica global é a mais perigosa das últimas décadas. “Desde o fim da Guerra Fria – e talvez até antes – o mundo não vivia um cenário de tensão tão elevado. Estamos vendo uma guerra de alta intensidade na Europa, com a Ucrânia. O conflito entre Israel e Irã ganhou um vulto muito perigoso. Índia e Paquistão também se enfrentaram recentemente, e a China está cada vez mais assertiva sobre Taiwan e o Mar do Sul da China”, analisa.
Para o militar, o maior risco geopolítico atualmente está na formação de blocos rígidos, relembrando os alinhamentos que precederam os grandes conflitos do século XX. “Temos os EUA ao lado de Israel e a Rússia junto com o Irã, que também apoia Moscou na guerra contra a Ucrânia. Quanto mais claros e atuantes esses blocos se tornam, mais cresce o risco de que conflitos regionais acabem se fundindo num conflito de escala global”, alerta.
Uma guerra mundial já em curso?
O professor de Direito Internacional da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) João Amorim vai além: para ele, a Terceira Guerra Mundial já pode estar, na prática, em andamento, ainda que de forma fragmentada.
“Se considerarmos que uma Guerra Mundial se define pela participação de diversas potências com combates em múltiplos continentes, o cenário atual já reúne esses elementos. EUA, Reino Unido, França, Alemanha, de um lado, e Rússia e China, de outro, estão diretamente ou indiretamente envolvidos nos principais conflitos armados em curso”, explica.
Além das frentes militares, Amorim destaca o papel cada vez maior das guerras cibernéticas, com ataques a infraestrutura, espionagem e sabotagem virtual entre os blocos rivais.
Sobre o confronto entre Israel e Irã, o professor aponta que o ataque recente ao território iraniano inaugura uma nova e incerta etapa nas tensões históricas entre os dois países. “As tensões entre Israel e Irã nunca cessaram. O que muda agora é a escala e o tipo de agressão. Um ataque direto ao território iraniano é algo inédito e seus desdobramentos são imprevisíveis. Um cessar-fogo é possível? Sempre é. Mas, diante do atual contexto, parece pouco provável a curto prazo”, avalia.
Impactos econômicos e ambientais: o custo global da escalada
O agravamento da crise no Oriente Médio pode gerar efeitos imediatos e duradouros sobre a economia mundial. Amorim lista os principais riscos: aumento dos preços do petróleo, inflação global, encarecimento de fretes e bloqueios em rotas estratégicas como o Canal de Suez e o Golfo Pérsico. “Além disso, devemos observar o impacto ambiental de ataques a infraestruturas energéticas e industriais na região”, acrescenta.
Ele também lembra que guerras por recursos naturais como água e terras raras já estão em curso em diversas partes do mundo, da Ucrânia ao Sudão do Sul, e que o cenário atual pode ampliar esse tipo de disputa.
Como o Brasil pode ser afetado
Apesar do distanciamento geográfico dos principais focos de tensão, o Brasil não está imune aos efeitos de uma escalada militar global. O coronel Paulo Filho destaca que o país será pressionado diplomaticamente tanto pelos Estados Unidos quanto pelas potências emergentes, como a China.
“O Brasil vai viver essa instabilidade como todo o mundo. Teremos que navegar com muita inteligência na defesa dos nossos interesses. Haverá pressões externas, tanto econômicas quanto políticas, especialmente porque o país é estratégico no hemisfério sul”, afirma Paulo Filho.
Já Amorim reforça que uma participação militar direta é improvável, considerando a tradição diplomática brasileira. “Não faz parte do DNA da política externa do Brasil esse tipo de envolvimento. Nossa história mostra uma atuação mais voltada à mediação de conflitos e missões de paz da ONU”, destaca.
Ainda assim, os impactos econômicos e o reposicionamento geopolítico podem colocar o país diante de dilemas difíceis.