De LISBOA | Donald Trump assume como o 47° presidente dos Estados Unidos da América em 20 de janeiro deste ano. É dispensável apresentá-lo, bem como revisitar e lembrar de seu caótico governo encerrado quatro anos antes. No retorno à Casa Branca, furioso e cada vez mais insuportavelmente arrogante, ele humilha todo mundo e se coloca como um deus. No campo econômico, seu principal plano se inspira no mote infantiloide que estampou bonés durante a campanha: “Make America Great Again”, em bom português, “Faça a América Grande Novamente”.
Nessa toada, com pouco mais de dois meses no cargo, ele lança sua principal medida, utilizando uma tabuleta igual às de botequim, aquelas que trazem o preço da feijoada, da dobradinha e do picadinho. A maluquice chega ao mundo como uma bomba. A ideia parece simples, mas é absolutamente cretina, infantil e inconsequente, e baseia-se em aplicar taxas draconianas a todas as nações do planeta, cobradas sobre todas as importações que chegarem aos EUA, um país que importa de tudo e, pior, importa mais do que exporta. É o chamado déficit comercial, que ultrapassa US$ 1 trilhão (R$ 5,7 trilhões) anualmente por lá.
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A base para as tarifas, bastante variáveis, indo de 10% a 50%, saiu de uma conta sem nexo algum, uma aritmética também de boteco, igual à tabuleta, que tirou números sabe-se lá de onde e que acabou por taxar até uma remota ilha sem seres humanos, habitada apenas por pinguins e focas, nos confins do Oceano Índico, já a caminho da Antártida. Ele anuncia cada insanidade e faz piadas, ri e refestela-se. O mundo vai se dobrar aos EUA e encher os cofres da “América”, pensa o homem de aspecto alaranjado.
Por óbvio, isso não tinha a menor possibilidade de dar certo. Logo após o anúncio, há uma semana, não há sequer um economista no mundo acadêmico ou dos negócios que se posicione favoravelmente à sandice de Trump. Nos grupos de jornalistas, no Brasil, nos EUA, ou mesmo em países da Europa, surge uma piada real: não era possível encontrar ninguém que concedesse entrevista falando sobre o apocalíptico tarifaço de maneira favorável a ele, ou mesmo compreendendo onde o presidente norte-americano queria chegar com aquilo.
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Sendo o maior comprador do planeta e ainda por cima sendo a China o maior vendedor (e tarifada em 34% inicialmente), é de se imaginar que, além de jogar o mundo numa catástrofe econômica sem precedentes, já que os EUA têm participação de 25% do comércio internacional, os próprios cidadãos norte-americanos seriam atingidos em cheio pelo tarifaço. As primeiras manchetes dos jornais já projetavam aparelhos celulares subindo de US$ 2 mil para US$ 3,6 mil, assim como pares de tênis indo de US$ 100 para US$ 160, em menos de duas semanas. Isso para não falar da comida, onde constam itens de primeira necessidade para os estadunidenses, como ovos, suco de laranja, carnes e frutas. Enfim, uma explosão inflacionária instantânea e devastadora.
Na outra ponta da linha, do lado oposto ao do povão, está o seleto grupo dos bilionários. Os verdadeiros donos do capital, barões que mandam prender e mandam soltar na “América”, assistem a tudo isso atônitos. O lance até então era apoiar a “nova era” inaugurada pelo trumpismo, mas em poucos minutos ficou claro que aquela quimera de contornos abestalhados resultaria numa hecatombe. Nos dois primeiros dias após o anúncio do tarifaço, com as bolsas de valores dos EUA despencando para o subsolo (assim como as do resto do mundo), as perdas colossais de apenas um clubinho dos maganos do capitalismo, controladores das chamadas “Sete Magníficas” (a Apple, Google, Nvidia, Meta, Amazon, Microsoft e Tesla) foram de US$ 1,64 trilhão. Você não leu errado. Foram US$ 1,64 trilhão desse grupo de empresas para o ralo em 48 horas.
Do outro lado do Atlântico, a União Europeia, parceira de primeira hora dos EUA em todos os campos, e com quem, juntos, representam quase 30 % do comércio de mercadorias e serviços a nível mundial, somando a assombrosa cifra de 43 % do PIB do globo, se viu profundamente humilhada ao ser taxada em 20% (após as humilhações nos campos geopolítico e militar impostas semanas antes). Depois da perplexidade e do discurso civilizado, o bloco não se curvou e revidou a taxação de forma recíproca.
Japão e Coreia do Sul, outros dos gigantes do outro lado do mundo, e aliados-vassalos de Washington há décadas, tarifados em 24% e 25%, respectivamente, não entenderam nada ao tomarem conhecimento de que eram alvos centrais na maluca ofensiva comercial de Trump. Irritados, mas procurando reverter o absurdo, se dispuseram a dialogar, embora suas economias tenham sido atingidas frontalmente.
Num cenário de tamanha destruição em menos de uma semana, inclusive de destruição interna, Trump foi alvo do impensável. O tal ‘deep state’ que ele tanto mirou em suas duas campanhas eleitorais, espécie de “Estado profundo” que manda no “Estado oficial”, saiu da toca e colocou o alaranjado falastrão destrambelhado na parede. Com perdas estratosféricas, Wall Street, que deu todo o suporte para que o republicano voltasse à Casa Branca, deu um ultimato: pare agora e volte atrás.
Trump capitulou. Sim, perdeu. Seu anúncio desta tarde (9), de que as taxações estão suspensas por 90 dias e que se manterão nos patamares mínimos de 10% até lá, com exceção da China, que enfrentou Washington numa escalada que já atingiu Pequim com 125% de tarifação, é uma derrota e das mais estrondosas.
Quem acompanhou o noticiário da imprensa norte-americana na TV e na internet a partir da tarde desta quarta (9) percebeu que o tom deixava transparecer, até com certo ar natural, que a ordem para Trump veio dos maganos que controlam o dinheiro e a vida na ‘Meca do capitalismo’.
Wall Street já perdeu muito dinheiro nessa brincadeira cretina e nem mesmo havia dado aval para tal maluquice. Permitiram ainda que o homem laranja mantivesse sua sanha provocativa contra a China, um enfrentamento que pode resultar num cataclisma econômico se for adiante. No entanto, com Pequim sem arredar o pé, é muito provável que nos próximos dias um recuo também seja anunciado em relação ao gigante asiático.
Trump contratou uma ‘guerra’ que não podia vencer. Para piorar, uma ‘guerra’ que feriria de morte os próprios EUA, levando a consequências imprevisíveis no campo social e a perdas jamais registradas em termos financeiros e patrimoniais e esses homens e mulheres que controlam o mundo.
O que ocorreu no dia de hoje foi uma espécie de ‘cala boca’ e ‘ponha-se no seu lugar antes que nós o coloquemos’ partindo de Wall Street e endereçado diretamente à Casa Branca. Manda quem pode, obedece quem tem juízo, em que pese o fato de Trump seguir cantando vitória, mesmo na situação humilhante em que se colocou, como se fosse um adolescente todo errado que quer se mostrar com alguma razão.