O governo de Donald Trump está transformando o complexo penal de El Salvador, o maior da América Latina, em um misto de Guantánamo com Abu Ghraib -- só que as chaves ficam com o presidente Nayab Bukele, que se descreve como o "ditador mais legal do mundo".
O CECOT, Centro de Confinamento do Terrorismo, pode abrigar até 40 mil presos. Bukele se elegeu e reelegeu prometendo combater as gangues salvadorenhas e a prisão é o símbolo maior da iniciativa.
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Ele é um dos líderes da América Latina mais próximos de Donald Trump, ao lado do argentino Javier Milei.
Por U$ 15 milhões, aceitou receber até agora ao menos 260 imigrantes despachados pelos Estados Unidos, 238 deles venezuelanos.
Trump venceu as eleições de 2024 contando lorotas sobre imigrantes ilegais, como aquela de que eles estavam se alimentando de cães e gatos estadunidenses.
Para dar um ar de seriedade ao seu projeto de deportação em massa e justificar a xenofobia, exagerou os crimes cometidos nos EUA pela gangue M-13 de El Salvador e pelo Bonde de Aragua, da Venezuela.
O ICE, a polícia dos EUA que combate a imigração ilegal, chegou a enviar nove mulheres para El Salvador, que foram devolvidas imediatamente já que o CECOT é uma prisão exclusivamente masculina.
Atropelando as leis
O governo Trump tem desrespeitado decisões judiciais, já deportou três crianças estadunidenses filhas de imigrantes e enviou cidadãos da Venezuela para El Salvador -- que encaram prisão sem processo e, portanto, sem fim.
Existem sérias dúvidas sobre a ligação de muitos dos deportados com as gangues. A maioria deles não tinha ficha policial nos Estados Unidos.
Cobrado por Bukele, o ICE apresentou como prova uma "pontuação", com supostos indícios de ligação do deportado com alguma gangue.
Na contagem do ICE, são suficientes oito pontos, quatro deles podendo ser atribuídos a cada tatuagem suspeita, por exemplo.
Foi assim que o padeiro venezuelano Neri José Alvarado foi parar na cadeia de El Salvador: ele tinha uma tatuagem considerada "suspeita", apesar de ser o tradicional laço de solidariedade.
O dono da padaria que o empregava nos EUA e familiares dizem que a tatuagem é uma homenagem de Alvarado ao irmão, que sofre de autismo. O nome do irmão está escrito na tatuagem.
O mais dramático da situação é que o padeiro, depois de preso, esperava ser repatriado para a Venezuela. Ele aguardava o andamento do seu processo de asilo político nos Estados Unidos, alegando que havia protestado contra o governo de Nicolás Maduro.
Alvarado chegou a avisar a família que retornaria ao país de origem, mas acabou despejado na cadeia de El Salvador.
Parceiros na violação de direitos
Sobre o governo Bukele, a Human Rights Watch denunciou:
Desde que assumiu o cargo em 2019, o governo Bukele desmantelou sistematicamente as instituições democráticas e concentrou o poder no Executivo. O estado de emergência decretado em março de 2022 permanece em vigor, suspendendo direitos constitucionais. As autoridades cometeram abusos generalizados, incluindo detenções arbitrárias em massa, desaparecimentos forçados, tortura e maus-tratos a detidos, além de violações do devido processo legal. A violência relacionada a gangues diminuiu acentuadamente.
Trump vai pelo mesmo caminho, inclusive na pretensão de ser candidato de novo em 2028. Bukele se reelegeu depois de atropelar no Congresso a lei que poderia impedí-lo de concorrer a um mandato consecutivo.
Não por acaso, depois de 100 dias de mandato o apoio popular à política de Trump para os imigrantes foi rejeitada por 52% dos entrevistados em uma pesquisa da rede CNN, que dizem que ela foi "longe demais".
Porém, nesta quarta-feira, 30, Trump decidiu dobrar a aposta, ao anunciar que pretende acelerar as deportações.
É uma forma de desviar a atenção da inesperada queda do PIB estadunidense no primeiro trimestre deste ano, indício de que o tarifaço de Trump pode ter sido um tiro no pé.