Desde a sua campanha presidencial em 2024 e agora, nos primeiros meses de seu mandato, o presidente dos Estados Unidos Donald Trump tem atribuído a questão do déficit comercial que o país tem com outras nações não só como um problema que, na sua visão, refletiria relações desiguais, mas sim como um "roubo".
Como solução para o que considera uma questão grave, Trump promove uma política tarifária que busca punir os países que vendem mais aos EUA do que compram. No decreto executivo divulgado em 2 de abril, a Casa Branca afirmou que a elevação de tarifas de importação era necessária para lidar com "a emergência nacional representada pelo grande e persistente déficit comercial".
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Mas será que o déficit comercial dos Estados Unidos é um caso de emergência de fato?
Tiro no pé
"Um déficit comercial parece ruim, mas não é nem bom, nem ruim", explica, em artigo no The Conversation, o professor de Economia da Universidade de Boston Tarek Alexander Hassan. "Isso não significa que os EUA estejam perdendo dinheiro. Significa simplesmente que os estrangeiros estão enviando aos Estados Unidos mais produtos do que os Estados Unidos estão enviando a eles. Os EUA estão recebendo mais produtos baratos e, em troca, estão dando aos estrangeiros ativos financeiros: dólares emitidos pelo Federal Reserve [Banco Central estadunidense], títulos do governo americano e de empresas americanas, e ações de empresas recém-criadas", detalha.
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A atratividade da moeda estadunidense é outro fator que explica por que tantas empresas querem vender ao país de Trump. "Como o dólar é tão atraente, o Federal Reserve consegue cunhar dinheiro extra para uso no exterior, e o governo dos EUA, empregadores e famílias americanas podem tomar dinheiro emprestado a taxas de juros mais baixas. Estrangeiros compram avidamente esses ativos financeiros americanos, o que permite que os americanos consumam e invistam mais do que normalmente poderiam. Em troca de nossos ativos financeiros, compramos mais máquinas alemãs, uísque escocês, smartphones chineses, aço mexicano e assim por diante", aponta.
"Culpar os estrangeiros pelo déficit comercial, portanto, é como culpar o banco por cobrar uma taxa de juros baixa. Temos um déficit comercial porque os estrangeiros voluntariamente nos cobram taxas de juros baixas – e nós optamos por gastar esse crédito."
Nesse aspecto, a política tarifária de Trump pode ser um "tiro no pé", já que tende a enfraquecer um dos pilares de sua economia. "Em vez de reanimar a indústria americana, as tarifas extremas e a política externa errática de Trump provavelmente afugentarão completamente os investidores estrangeiros e minarão o papel global do dólar. Isso, de fato, reduziria o déficit comercial – mas apenas erodindo os próprios pilares da dominância econômica do país, a um custo elevado para as empresas e famílias americanas", diz Hassan.
Um país não é uma empresa
A visão do presidente dos Estados Unidos sobre a forma de gerir uma economia de um país é rudimentar, talvez porque ele caia na ladainha de que seria o mesmo que dirigir uma companhia.
"Segundo a lógica de Trump, se mais dinheiro está saindo da 'conta' do que entrando, isso é um mau negócio. Um déficit comercial de US$ 200 milhões significaria que os EUA estão 'perdendo' – com dinheiro e empregos sendo desviados", pontuam, também no The Conversation, os professores de Comércio Exterior da Universidade de Adelaide, na Austrália, Pedro Draper e Vutha Hing. "O déficit comercial não é simplesmente dinheiro sendo drenado para o exterior por estrangeiros supostamente vorazes. Em vez disso, representa a troca de valor."
Eles explicam que, como potência do consumo, os Estados Unidos veem seus residentes e empresas gastando grandes somas em produtos importados, desde iPhones e TVs até roupas e brinquedos. Muitos deles, inclusive, são produzidos por empresas estadunidenses, mas fabricados no exterior. E suas receitas de propriedade intelectual constituem um enorme superávit dos EUA no comércio de serviços.
"Mas o comércio de serviços não aparece na fórmula. Isso demonstra a obsessão singular por coisas tangíveis, ou seja, o comércio de bens. No entanto, na maioria das cadeias de suprimentos, são os componentes de serviços que geram o maior valor", pontuam.
Ou seja, o déficit pode refletir, na verdade, a estrutura econômica de uma nação e a preferência do consumidor por diversos produtos globais. "Entre outras variáveis, a fórmula do Representante Comercial dos EUA não considera a forte demanda do consumidor americano por importações. Também ignora o gigantesco déficit fiscal do governo americano. Isso o obriga a tomar dinheiro emprestado do exterior, elevando o valor do dólar americano. Esse dólar forte sustenta as compras de importações dos EUA", explicam os professores australianos.
"Em outras palavras, os EUA apresentam grandes déficits comerciais não principalmente porque outras nações têm altas barreiras comerciais, mas principalmente porque os americanos precisam financiar suas dívidas e querem comprar muitos produtos importados", concluem.