De BERLIM | Os resultados preliminares das eleições antecipadas na Alemanha, realizadas neste domingo (23), apontam para um cenário marcado pela fragmentação política e pelo avanço expressivo da extrema direita. De acordo com a apuração oficial, o bloco conservador CDU/CSU, liderado por Friedrich Merz, venceu o pleito com 28,5% dos votos.
O Alternativa para a Alemanha (AfD), legenda comprovadamente ligada a grupos e ideias neonazistas, obteve 20,8% dos votos e se tornou a segunda maior força política do país. Já o Partido Social-Democrata (SPD), de centro-esquerda, sigla do atual chanceler (o equivalente a primeiro-ministro na Alemanha) Olaf Scholz, ficou em terceiro lugar com 16,4% – pior resultado dos sociais-democratas em décadas. Os Verdes (Die Grüne) vêm em quarto, com 11,61%.
Além disso, os dados oficiais revelam que o partido A Esquerda (Die Linke) surpreendeu na reta final, alcançando 8,8% dos votos – desempenho que o coloca como a legenda mais votada entre os jovens. Em contrapartida, o Partido Democrático Liberal (FDP), de direita, ficou abaixo da cláusula de barreira de 5% para ingresso no Bundestag, o parlamento alemão. Já a Aliança Sahra Wagenknecht (BSW), de esquerda, garantirá um assento.
Veja os números no gráfico abaixo:
Apesar de o AfD ter conquistado a maior votação de um partido de extrema direita desde a Segunda Guerra Mundial, a sigla não deverá compor o novo governo. Com o sistema político alemão exigindo a obtenção de uma maioria absoluta no Bundestag – que possui 630 cadeiras, é necessária a conquista de pelo menos 316 assentos para governar. Desta maneira, bloco CDU/CSU, que venceu a eleição, terá que negociar com outros partidos para formar maioria.
As negociações para compor o novo governo já começaram com intensos debates sobre as possíveis alianças. Entre as alternativas, a coalizão mais provável é do CDU/CSU com o SPD, que somaria 328 cadeiras, enquanto a chamada “coalizão Quênia” – que reuniria CDU/CSU, SPD e os Verdes – somaria 413 assentos. É improvável, porém, que os Verdes aceitem uma aliança com os conservadores.
Confira como ficará a distribuição de assentos por partido no Bundestag:
Apesar de, em termos puramente matemáticos, uma aliança entre CDU/CSU e AfD ser viável, essa possibilidade foi descartada pelos líderes conservadores. Em suas declarações após a vitória eleitoral, Friedrich Merz, que assumirá o cargo de chanceler, reforçou que não buscará o AfD para formar um governo.
A declaração veio logo após Alice Weidel, líder do AfD, afirmar que seu partido "está pronto" para formar um governo com o CDU.
"Não cooperaremos com o partido que se autodenomina Alternativa para Alemanha antes, nem durante, nem depois", disparou Merz.
Essa postura, por hora, mantém viva a tradição do Brandmauer, ou "cordão sanitário", um acordo que, desde o pós-guerra, impede a aproximação dos partidos moderados com legendas de extrema direita.
Olaf Scholz, que seguirá como chanceler interino até que o novo governo seja formado, por sua vez, reconheceu a derrota e sinalizou que seu partido, o SPD, topa negociar para entrar em uma coalizão de governo liderada por Merz. A expectativa é que as negociações sejam concluídas até a Páscoa, em abril.
Crise política, crescimento da extrema direita e quebra do Brandmauer
A eleição antecipada ocorreu depois da dissolução do parlamento pelo presidente Frank-Walter Steinmeier, que possui poderes mais limitados, em dezembro de 2024, após a derrota do chanceler Olaf Scholz em uma moção de confiança. O colapso da coalizão “semáforo” — formada por SPD, Verdes e FDP — foi desencadeado pela demissão de Christian Lindner (FDP), então ministro das Finanças, devido a divergências sobre a política econômica. A saída do FDP do governo resultou na perda da maioria parlamentar, levando Scholz a buscar o voto de confiança, do qual saiu derrotado.
O impasse político abriu espaço para o crescimento do AfD, partido de extrema direita conhecido por seu discurso xenofóbico, racista e ultranacionalista, com ligações comprovadas com grupos neonazistas. Monitorado pelo serviço de inteligência alemão (BfV) desde 2021 por ameaçar a ordem democrática, o AfD conquistou vitórias regionais históricas em 2024, incluindo a liderança na Turíngia — a primeira de um partido de extrema direita desde o regime nazista — e o segundo lugar na Saxônia e em Brandemburgo.
O descontentamento com a economia, a inflação e a política migratória impulsionou o apoio ao AfD, que se apresenta como alternativa ao status quo.
Em janeiro, o CDU/CSU de Merz se uniu ao AfD para aprovar uma moção anti-imigração no Bundestag. O fato, para muitos, representou a quebra do chamado Brandmauer, ou "cordão sanitário", que impedia alianças entre partidos democráticos e a legenda extremista. O episódio acendeu o alarme entre lideranças políticas e organizações da sociedade civil, que veem no movimento um sinal perigoso para uma futura coalizão de governo com o AfD.
A quebra do Brandmauer gerou ampla indignação e motivou protestos massivos em várias cidades alemãs. Em Berlim, mais de 100 mil pessoas participaram recentemente de atos contra a extrema direita e contra a colaboração entre o CDU/CSU e o AfD.
Merz, entrentato, vem minimizando o apoio do AfD à moção anti-imigração aprovada no Bundestag e tem procurado reafirmar que não formará um governo com extremistas. "Uma coalizão com o AfD está completamente fora de questão", declarou.