Depois de alegadamente sofrer "ataques maliciosos em larga escala", a empresa chinesa DeepSeek limitou os acessos a seu aplicativo de Inteligência Artificial a números de telefone chineses, frustrando milhares de pessoas em todo o mundo que pretendiam baixá-lo.
À DeepSeek é atribuída a perda de mais de U$ 1 trilhão de dólares em valor de mercado de empresas estadunidenses ligadas à Inteligência Artificial nas últimas horas.
Na tarde desta segunda-feira, 27, por volta das 14 horas, no horário de Brasília, as ações da gigante Nvidia estavam em queda de mais de 15% em Nova York.
O economista grego Yanis Varoufakis, autor de um livro sobre o que chama de Tecnofeudalismo, se divertiu nas redes sociais: "Isso é delicioso: como a chinesa DeepSeek abriu um buraco de U$ 1 trilhão na Ordem Tecnofeudal estadunidense. Tudo o que foi necessário: uma solução inteligente que transformou o processo de comodificar nossas informações em um bem gratuito. Vamos ver como os tecnofeudalistas respondem".
Em seguida, sugeriu que o ataque digital à DeepSeek poderia ser uma das respostas.
Edgard Piccino, o analista da Fórum para o setor, escreveu:
Foi a volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar, pois a grande inovação do DeepSeek foi o baixo custo e capacidade computacional necessária para fazer seu treinamento, que foi a solução encontrada para contornar a restrição de exportação de chips avançados para processamento de IA dos EUA para a China.
Drible nas sanções
A startup chinesa expôs cruamente os limites das sanções econômicas, depois que os Estados Unidos baniram a venda dos chips mais sofisticados da própria Nvidia para a China.
De acordo com um estudo publicado em dezembro, o chatbot chinês, que compete com o ChatGPT, usou um chip de segunda linha da Nvidia, o H800, para desenvolver um modelo mais eficaz que a concorrência.
A exportação do H800 também foi banida para a China, em outubro, quando a DeepSeek já tinha tido acesso ao modelo.
Investidores agora questionam os gastos maciços que estão sendo feitos em AI nos Estados Unidos, uma vez comprovado que uma empresa chinesa conseguiu produzir muito mais com bem menos.
É isso o que explica o mergulho das ações de várias empresas de tecnologia, com o banho de sangue atingindo a Vistra (-27%), a Broadcom (-17%) e a Palantir (-6%) no início da tarde desta segunda-feira.
O produto da DeepSeek custou apenas U$ 6 milhões, uma fração do que está sendo torrado por empresas dos EUA -- o modelo apoiado pela Amazon custou cerca de U$ 1 bilhão.
A DeepSeek usou 2.048 chips de "segunda categoria" para desenvolver um modelo tido como superior ou igual ao da Meta, que utiliza 16.000 chips de primeira linha -- várias vezes mais caros.
Marc Andreessen, o mega investidor estadunidense, comparou o lançamento do modelo R1 da DeepSeek a um "momento Sputnik".
Em 4 de outubro de 1957, a União Soviética colocou em órbita o primeiro satélite artificial, o Sputnik, causando um choque nos que acreditavam que os soviéticos ainda estavam na Idade da Pedra do desenvolvimento tecnológico.
Os U$ 500 bi de Trump
Recentemente, o governo de Donald Trump anunciou o investimento de U$ 500 bilhões para manter a liderança dos Estados Unidos na AI.
Inimigo de um dos beneficiários -- o CEO da OpenAI, Sam Altman --, Elon Musk detonou o chamado Projeto Stargate, provocando furor em assessores de Trump.
Mas, no dizer do diário britânico Telegraph, foram os chineses que "humilharam" Trump, ao lançar seu modelo inovador e barato bem no dia da posse do novo presidente.
Edgard Piccino, o analista da Fórum, concluiu:
A China não só contornou o problema como também colocou um paralelepípedo no sapato da indústria de IA estadunidense, que praticamente ficou obsoleta do dia para a noite. Mais um forte recado para o império, que tentou sancionar a Rússia, mas a economia do país acabou crescendo; tentou boicotar o desenvolvimento da IA na China e recebeu uma resposta avassaladora. Neste exato momento, quem está dando as cartas na fronteira da IA é a China. Vamos ver se a inovação estadunidense vai conseguir responder.
